Hoje “caí na real”

Por: Neves Couras;

Dede nosso nascimento estamos ligados a nossos pais, irmãos, primos e a cada dia a vida nos traz mais companhias. Quando casamos, construímos mais um vínculo. Reiniciamos nossa vida a um homem ou uma mulher que inicialmente não passam de dois desconhecidos que passam por uma série de adaptações até que finalmente, na maioria das vezes, nos acostumamos com o jeito de cada um. Conhecermos de verdade, essa proeza, não sei se como acontece. Comigo foi sempre uma surpresa a cada dia, ou a cada ano que ia se passando.

Chegam os filhos, que é um novo recomeço. Vem as noites acordadas ou mal dormidas, as mamadas ou mamadeiras, aquele pequenino(a) que chega sem nenhum manual de instrução e cabe a nós desenvolver a capacidade de “adivinhar” o que ele ou ela quer nos dizer com cada choro, cada gemido, ou cara feia. Lá vamos nós viver essa situação com cada um que chega. É claro que todos nos trazem grandes alegrias e enormes preocupações, além de personalidades que teremos que conhecer, aprender a conviver e vamos nos moldando de acordo com o que se faz necessário, para uma boa educação, e, o sonho de os formarmos bons seres humanos. Assim, imaginamos. Nem sempre conseguimos, mas tentamos.

Passamos por todas as fases do aprendizado e achamos que cumprimos com nossa missão quando eles ou elas colocam o anel de formatura no dedo. Daí em diante, novo recomeço. A busca de emprego, seus casamentos e o ciclo se repetem com eles e seus maridos, mulheres e filhos.

Quanto a nós? Ah! Essa, é uma nova história
Na maioria dos casos, ficamos os dois, da mesma forma que iniciamos. Agora, virão novas adaptações. Fala-se da síndrome do ninho vazio. Não tive esse sentimento. Por sorte, todos permaneceram perto de nós e os finais de semana foram, na maioria das vezes, grandes “festas”. Como filha mais velha, e por possuir a casa maior, nos tonarmos os agregadores da família.

Construímos uma casa que pudesse oferecer conforto a cada filho e se chegasse seus filhos, também ficariam confortáveis. Os almoços de domingo, a vinda dos meus irmãos e suas famílias.

Com a partida de nossa mãe e nosso pai que se deu no mesmo ano, começaram as mudanças. A alegria de nosso pai nos fez muita falta. Mãe foi aquela mulher sempre austera, mas permitia as brincadeiras principalmente as que meu irmão Alfredo fazia. Contávamos também com minhas tias. Elas sempre estavam conosco. Sempre elegantes e com seus ensinamentos, principalmente de como colocar uma mesa, os copos para cada bebida, enfim. Tempos que guardamos com muito carinho em nossas memórias.

Com a doença de meu marido as coisas foram ficando tristes e os que já haviam partido já deixava nossa casa mais triste ainda. De minha parte, comecei a sentir falta da casa cheia, das risadas, das brincadeiras de meu pai com todos os netos. Tudo mudou. Mudou mais ainda com o falecimento de meu marido.

Ainda tenho um filho morando comigo, mas chegou a hora do meu recomeço. E, dessa vez estou sozinha pela primeira vez. Quando a ficha caiu, chorei não por desespero, mas pela primeira vez, eu estou sem ninguém comigo em minha casa. O silêncio, a ideia de colocar minhas coisas no lugar e lá ficarem, o tamanho das panelas diminuíram. As porções de comida, essas, ainda estou me adaptando. A ideia de não ter ninguém ao lado para conversar. Logo eu que adoro uma boa conversa!

Toda essa experiencia, vem desenvolver em nós um turbilhão de pensamentos e situações nunca vividas. Não é fácil, mas necessário. Para minha sorte, como fui sempre muito inquieta, tenho sempre o que fazer. As músicas que sempre gostei, agora posso ouvi-las sem restrição. Os filmes, estou vendo todos que estavam na lembrança e não conseguia vê-los. A posição dos móveis na casa, quantas coisas ainda tenho que aprender.

Fica a dica para quem está só. Não estamos abandonados, nem tão pouco esquecidos, apenas sozinhos, acredito que esse tempo também é necessário para um pouco de autoconhecimento e reflexão para o nosso bem estar.
Chegamos a esse mundo cheios de coisas para aprender, agora é a hora de saber como está nosso interior.

E é justamente nesse silêncio que a vida nos convida a recomeçar — não como quem volta ao início, mas como quem descobre um novo caminho dentro de si. Estar só não é estar vazio; é, muitas vezes, estar pleno de memórias, experiências e sonhos que ainda podem florescer. A vida dá voltas, sim, e em cada curva há uma chance de nos reinventarmos, de reencontrarmos a alegria nas pequenas coisas: numa música que toca o coração, num livro esquecido na estante, numa receita feita só para nós. Agora, com leveza, abrimos espaço para o novo — novos hábitos, novos encontros, novas versões de nós mesmos. Que venham os dias de sol e também os de chuva, porque sabemos, mais do que nunca, que somos capazes de florescer em qualquer estação. Afinal, viver é isso: recomeçar sempre, com coragem, gratidão e um brilho no olhar.

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