Níse da Silveira: Caminhos de uma psiquiatra rebelde

Por: Neves Couras;

Mais uma grande mulher esquecida. Essa é uma daqueles espíritos que reencarnam com única missão enfrentar desafios e mudar a ciência. Nise Silveira, Nordestina, nasceu em Maceió em 1905. Casou-se com o médico sanitarista Mário Magalhães. Aos 16 anos, ou seja, em 1926, foi admitida na Faculdade de Medicina da Bahia, sendo a única mulher da turma. Com 21 anos concluiu o curso, apresentando sua monografia sobre criminalidade entre mulheres baianas: estudou os casos de assassinas, ladras e prostitutas no presídio de Salvador.

Quando começou trabalhar com psiquiatria estava, na verdade, interessada em pesquisar outros métodos terapêuticos para tratar a esquizofrenia. Mudou-se para Rio de Janeiro, onde ficou seis anos como médica interna no Hospital da Praia Vermelha.

Nise não era militante do Partido Comunista. Dedicava-se a sua área de trabalho com ampla humanidade, mas foi denunciada como Comunista por uma enfermeira, acusando-a de ter no quarto “literatura comunista”. Foi presa depois da revolta de 1935 e presa por 16 meses na Casa de Detenção da Rua Frei Caneca. Nise sofreu com o desemprego depois que saiu da prisão. Oito anos depois foi anistiada e foi reintegrada no serviço público, mas não se adaptou aos métodos violentos postos em prática dos doentes mentais. Em 1946 elaborou uma proposta que foi aceita pelo Centro Psiquiátrico Pedro II, no bairro do Engenho de Dentro, incumbindo-a de fundar no hospital a Seção de Terapia Ocupacional.

A título de esclarecimento, Nise não era comunista, apenas alguns de seus amigos eram. Quando a mãe de Nise procurou o responsável pela leitura dos autos, Costa Neto, para saber o motivo de sua prisão, ele apenas disse:
“Tanto ela como Frâncico Mangabeira são dois idiotas. Que mania de escrever tanto! Em suas casas foram encontradas muitas notas sobre livros que liam de literatura e filosofia, deram-me muito trabalho para examinar” (Mello, 2014).

A mãe de Nise, pianista, desde que soube da prisão da filha, deixou de tocar, como se estivesse passando por um luto pela prisão da filha: só voltou à atividade musical no dia da soltura de Nise.

Quando presa, Nise permaneceu numa sala que chamavam Sala Quatro. O cárcere das presas políticas. Fazia parte do pavilhão dos primários da Casa de Detenção, junto com ela estavam, entre outras, Maria Werneck, Olga Benário Prestes, Elisa Berger, Haydée Nicolussi, Valentina Leite Barbosa Bastos, Eneida e Beatriz Bandeira.

A prisão foi uma grande escola para Nise. Segundo seu biógrafo lá também se iniciou uma profunda amizade com Graciliano Ramos, que relatou alguns episódios envolvendo Nise. Alguns deles estão no Livro Memória do Cárcere. Os dois passavam horas a conversar; às vezes esqueciam-se da própria condição. “As conversas boas de Nise afugentavam-me a lembrança ruim. A pobre moça esquecia os próprios males e ocupavam-se dos meus”.

Em 1944, quando foi finalmente anistiada, Nise retornou a seu trabalho, não mais no hospital da Praia Vermelha, mas no Centro Psiquiátrico Nacional que ficava em na Zona Norte do Rio. Durante sua ausência, foram desenvolvidas novas técnicas de tratamentos muito utilizadas pelos psiquiatras da época. Dentre esses: “o coma insulínico, a lobotomia o eletrochoque e o cardiazol. Nise logo entrou em confronto com os novos métodos. O colega psiquiatra que a recebeu lhe explicou e demonstrou o uso do aparelho de eletroconvulsoterapia, solicitando em seguida, que ela repetisse o procedimento. Nise recusou-se firmemente a acionar o aparelho; sua saudável rebeldia já se manifestava.

Como Nise não aceitava esses novos tratamentos, procurou o Dr. Fábio Sodré, que havia transformado um pequeno dormitório do hospital em sala para atividades ocupacionais como costura e bordado. Assim, nesse lugar, Nise busca uma forma de colaborar com iniciativa ainda incipiente de fazê-la crescer. Depois da saída de Dr. Fábio, ela decidiu criar um espaço realmente adequado para esse caminho, mais humano, de abordagem da doença mental – a terapia ocupacional.

Com esse método, Nise passa a utilizar a mão de obra dos doentes. O trabalho iniciou de forma modesta, com pouca verba. A primeira oficina foi de costura. Nise não se intimidava com a falta de recursos nem com a precariedade do lugar. Um dia ao entrar na sala perguntou a monitora por que os internos não estavam trabalhando. A monitora respondeu: “Não temos mesa nem cadeira” Nise respondeu imediatamente: “vamos trabalhar no chão. Em outra ocasião o monitor de jogos recreativos estava parado por falta de material. Ela não perdeu tempo – tirou sua meia e disse ao monitor fazer uma bola, como as que eram feitas por meninos em brincadeira de rua.

Neste espaço, não para descrever todo trabalho realizado por Nise. Mas foi com sua sensibilidade que ela conseguiu que os “loucos” se tornassem artistas. Ela conseguiu com seu carinho sensibilidade e respeito humano, fazer com que seus pacientes, através de suas obras, seus desenhos, ou através da argila, pudessem falar de suas dores e de seus talentos.

O trabalho de seus pacientes pode ser exposto não só no Brasil, mas em várias partes do mundo.
Ela tem muito a nos ensinar sobre sentimentos e falta de compreensão. Somos diferentes, e nossos traumas podem nos transformar de forma tal que muitos de nossos sentimentos reprimidos, a falta de humanidade e de conhecimento do ser, podem apenas nos taxar de loucos.

Quantos tidos como loucos, não eram ou são apenas médiuns, ou mesmo talentos que a nossa falta de conhecimento não tem como identificar a diferença de um artista ou de um doente.

Precisamos ler Nise da Silveira e sua história. Seu biografo Luiz Carlos de Mello, buscou em cada canto da alma dessa grande mulher uma sonhadora e uma apaixonada pelo ser humano. Sua obra “Nise Silveira – Caminhos de uma psiquiatra rebelde”, pode nos ensinar muito sobre o que é ser louco.

O legado de Nise não é apenas sobre o tratamento de doentes mentais, mas sobre coragem e rebeldia. É sobre enfrentar a opressão de métodos ultrapassados e, com ousadia, trilhar caminhos mais humanos. É sobre transformar a dor em arte, e o sofrimento em beleza. É sobre desafiar o status quo e provar que a empatia é mais poderosa que qualquer eletrochoque.

Nise da Silveira é um chamado à rebeldia necessária para mudar o mundo. Que sua história inspire todos nós a desafiar as convenções desumanas e construir novas realidades. Afinal, os verdadeiros loucos não são aqueles que ousam sonhar, mas aqueles que se conformam em aceitar um sistema cego e cruel.

 

 

 

Referências de imagens:

Graciliano Ramos e Nise da Silveira em Memórias do cárcere – Blog do IMS

NISE DA SILVEIRA – TOK de HISTÓRIA

Nise da Silveira, a Mulher que revolucionou a Saúde Mental no Brasil – Blog Cenat

Nise da Silveira – Biblioteca Virtual Consuelo Pondé

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