A nota de cinquenta (anedota popular)

Por:  Emerson Monteiro;

Nas coisas da Natureza existem ocorrências cujos aspectos se repetem sob ritmo constante, matemático, demonstrando lógica pouco avaliada, no entanto marcante sinal da exatidão interna de ordem nos sistemas. Como exemplo dessas verificações, a cada mãe viúva de comum corresponde nítida abnegação pelos filhos do casal, que, na busca de neutralizar a perda do marido, fatalidade atroz, expressa amor incomum, e sustenta a casa, orienta a prole, força compensatória inigualável.

Ditas quais considerações, vale narrar o episódio seguinte.

Uma mãe, dessas viúvas extremadas, que dão a vida pelos filhos, vivia com filho único, Adroaldo, seu nome, criança peralta que testemunhara, logo no começo da infância, o pai seguir desta para a outra vida, sem compreender direito aquela movimentação toda na casinhola da rua do Cruzeiro, durante doença repentina e desfecho melancólico, a cobrir de preocupação a face dos vizinhos.

Depois das horas atribuladas, na saudade cresceu vendo a mãe emagrecer de lavar roupa, catar lenha e engordar galinha para vender na feira e de casa em casa, nas ruas da cidade indiferente. Auxiliar, auxiliava, pouco, contudo. Bom mesmo achava jogar pião, triângulo, soltar papagaio, bater bola nos fins de tarde, pegar passarinho, roubar manga, serigüela, cajarana, sapoti, etc., vadiar de noite nas quebradas com os outros moleques, cavar botija com seu Aprígio, o padrinho, nas noites de lua, pros lados do Corretim. Escola, ah, escola!… De canelas sujas no barro vermelho, onde reinava, passava água nos cabelos e descia rumo às aulas, sentido fixo nos pratos da merenda, almoço do meio da tarde.

Assim, veio a se tornar rapaz marrudo, maneiroso, dorminhoco contumaz, desempregado na geração globalizada dos tempos dagora. Enturmado de outros semelhantes, boné de aba longa para maneirar o sol do sertão, desde cedo, dormia mais do que comia, sonhava mais do que trabalhava. E a velha mãe, cedo acabava a beleza que restara nos batentes ingratos da sobrevivência, antigo vigor da morena dengosa que fora no passado, nunca perdendo, porém, de todo a esperança de presenciar o herdeiro transformado em gente honesta, partido bom que lhe concedesse belos netos, senhores doutores da sociedade dos ricos, famosos, poderosos.

Nesse quadro rotineiro, lá um dia, de madrugada, as insistências da mãe ao filho:

– Acorda, Adroaldo, acorda, homê! São cinco horas e tu continua dormindo a sono solto. Vai trabalhar, que teu pai sempre fez desse jeito, e nós vivia bem nesse lugar.

Conselhos que ouvia inúmeras madrugadas, sem mostrar serviço. Entrava num ouvido e, ligeiro, saia no outro. Cabisbaixo, acordava de cara inchada, passando das nove, preguiçoso no corpo e na alma, pronto a fechar outros cigarrinhos de fumo e folha.

Até que, outro dia desses, a mãe forneceu-lhe argumento inarredável:

– Veja, meu filho, Zé de Sinhá Dina ontem saiu cedo pro Mercado e, aqui perto, no meio do caminho, achou uma nota de cinquenta, novinha, novinha… Fosse tu que acordasse cedo, e nós passava uns dias sem os aperreios abusados da luta cá de casa.

– Sem essa, minha mãe. Diga então se não estou certo: Mais cedo acordou quem perdeu de bobeira essa nota nova que Zé achou na viagem – e se ajeitou querendo dormir mais um pouco.

Mais Lidas

Arquivo