Toda conquista é coletiva. Principalmente a educação

Por: Alanna Aléssia Rodrigues Pereira;

Vi um vídeo de um senhor carregando na cabeça um saco que parecia extremamente pesado, mas no vídeo ele estava sorrindo e feliz, dizendo “olha o que vovô tá fazendo”. Ele estava carregando por uma estrada algo para a neta e repito, sorrindo, feliz, por estar podendo fazer algo por ela. Genuinamente feliz. Me emocionei automaticamente. E ao ver aquele avô sorrindo enquanto carregava o fardo, me veio à mente uma reflexão: quantos de nós carregamos, com alegria ou com esforço, o peso de ajudar a formar alguém? Afinal, a educação não é um ato solitário.

Então lembrei do meu avô e da minha avó e escrevi um pouco sobre o quanto eles me ajudaram e ajudam nos estudos, sendo meu ponto de apoio ao longo dos anos e carregando “o fardo”. Me surpreendi com a quantidade de comentários na postagem, colegas de trabalho, amigos, alunos, todos comentando a mesma coisa: “comigo é parecido”, “eu tenho uma avó assim”, até que uma amiga comentou algo que mexeu profundamente comigo “é incrível como nossa vida pode mostrar que realmente é necessária uma vila inteira pra formar uma pessoa” (obrigada, Marina). Vocês já pararam para pensar nisso?

Quantas pessoas direta ou indiretamente foram necessárias para que uma única pessoa pudesse se formar? Com quantas mãos se faz um diploma? E principalmente, com quanto sacrifício se constrói a educação?

A resposta a que cheguei, meus amigos, é que a educação é uma conquista coletiva, conquistada com muito esforço e sacrifício, não apenas de uma pessoa, mas de várias. Mas por que tanto sacrifício? Precisamos nos perguntar se ele é realmente necessário — e, mais ainda, se devemos glorificá-lo.

A romantização do sofrimento e das dificuldades para se obter um diploma respinga no discurso da meritocracia, que é uma das maiores falácias da educação. A ideia de que o sucesso acadêmico ou profissional é oriundo unicamente do esforço pessoal ignora completamente as desigualdades que permeiam a realidade brasileira: no ano de 2022, registramos 67,8 milhões de pessoas na pobreza e 12,7 milhões na extrema pobreza, enquanto 1% da população mais rica detém 28,3% da renda total. É desumano e desleal comparar.

A realidade da maioria dos estudantes brasileiros exige deles não apenas um esforço acadêmico, mas de vida: há ausência de recursos financeiros, infraestruturas precárias, necessidade de trabalhar cedo, ausência de suporte familiar, ausência de escolas próximas etc. O esforço para conseguir ao menos chegar na sala de aula já é absurdo, para permanecer na sala de aula, é ainda mais desproporcional e não deveria de forma alguma ser necessário.

Reforçar o discurso da meritocracia é invisibilizar a falta de apoio estatal e negar as desigualdades que perpetuam a evasão escolar e o acesso limitado à educação. É imprescindível que se pare de associar a superação das dificuldades à ideia de mérito para legitimar conquistas. Elas não precisam ser carregadas de tanta dor.

Vou contar uma coisa para vocês: tenho alunos(as) desistindo todos os dias da faculdade porque precisam trabalhar, e entre colocar o prato de comida na mesa ou o caderno, sabemos bem o que prevalece (por motivos óbvios). Já tive também uma aluna escrevendo o trabalho de conclusão do curso em caderno, por não possuir computador ou celular. Foi quando vi quão impotente eu sou, e quão frágil é o discurso do sacrifício que ronda nossa tão querida educação.

Em um país onde a evasão escolar é uma realidade, a educação como uma conquista oriunda de muito sacrifício é de fato um esforço coletivo, de todo um grupo familiar, de toda uma rua, por vezes de toda uma comunidade.

Mas não deveria ser.

A educação deveria ser tão acessível ao ponto de ser praticamente impossível não estudar. Ser tão inclusiva ao ponto de não existir qualquer barreira entre o aluno e a sala de aula. Ser tão simples que qualquer pessoa pudesse se dirigir até a sala de aula e aprender.

Não é porque tive barreiras que quero ou preciso que outras pessoas também as tenham, ao contrário, é porque tive barreiras que almejo quebrar todas as que existem para que os que venham depois de mim tenham um caminho simples. É esse o papel do educador. E deveria ser esse o papel do Estado.

Essa deveria ser a nossa bandeira: uma educação acessível, inclusiva, para todos e todas. Como aluna eu já admirava a forma com a qual meus professores tentavam suavizar o meu caminho e agora como professora eu penso e tento (o máximo que posso) suavizar o caminho que meus alunos e alunas fazem.

Ouço com atenção as histórias ao meu redor, com alguns eu consigo sorrir, com outros eu já chorei, mas com todos me permito sentir, acho que no fim o trabalho de um professor é parecido com o que o avô da Aurora fez e que eu descrevi bem no início do texto, é suavizar aquele fardo, com um sorriso no rosto, feliz por poder fazer algo por alguém.

Mas é preciso questionar também e precisamos sempre nos perguntar: como podemos, enquanto sociedade, garantir que as próximas gerações não precisem se sacrificar tanto para ter acesso à educação?

Nós, enquanto sociedade, podemos contribuir para que a educação se torne essa força coletiva, enfim uma ponte e não uma barreira. Que nossa luta seja para eliminar os sacrifícios desnecessários, para que todos e todas tenham a chance de aprender e crescer sem os obstáculos que tantos enfrentam hoje. Isso é um esforço conjunto, que exige não só o sorriso de quem carrega o fardo, mas também a ação de todos nós para tornar esse fardo mais leve — até que ele nem exista mais.

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