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Linhas

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Por: Antonio Henrique Couras;

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Das minhas muitas excentricidades uma das que mais me ensina sobre a vida é o tricô. Talvez porque seja a atividade em que eu menos tenho talento. As vezes consigo acertar uma malha e fazer uma bela composição de relevos, trançados… as vezes erro copiosamente, desmancho o trabalho incontáveis vezes ao ponto em que a linha simplesmente se desfaz em pequenos fiapos. Mas não há alternativa. Tiro as longas agulhas e puxo, puxo, e puxo a linha e vou enrolando-a novamente no novelo. O ponto positivo é que quase não há perda de material, e a única coisa que separa um novelo de linha e um colete, cachecol ou manta são horas e horas de trabalho.

Acho fascinante essa possibilidade de pegar quilômetros e quilômetros de linha e com duas longas agulhas os ir trançando e transformando em um tecido macio tendo sua forma limitada apenas pela minha imaginação e habilidade (ou falta desta).

Outro dia, ouvi um conceito a respeito do modo de pensar oriental (nesse caso Chinês), que diz que, ao contrário da forma de pensar no ocidente, “a linha curva é fértil”, e nesse ínterim pensei em como nós, no ocidente, consideramos a linha reta, seja ela real ou metafórica, o ideal de abordagem. Queremos paredes retas, estradas retas, textos bem alinhados às margens da página, caminhos diretos na vida, relações diretas…

Sempre a simplificação das coisas. O “nasce, cresce, reproduz e morre” que vemos acontecer num campo de milho, por exemplo, aplicado à vida. Bem, acredito que o leitor que aqui chegou já percebeu que a vida não é uma linha reta e nós não somos espigas de milho.

Muitos de nós, se não todos, crescemos com o conto de que deveríamos ter boas notas na escola, fazer vestibular, passar em um bom curso em uma boa universidade, logo arrumarmos um bom emprego, termos uma boa carreira, casarmos com uma boa pessoa, termos bons filhos, em uma boa casa, um bom cachorro, fazermos boas viagens e é isso.
Ninguém fala que as vezes você simplesmente é péssimo em álgebra ou em português.

Que as vezes você não quer fazer um “bom” curso, ou que você está tão exausto de estudar para a “boa” universidade que você adoece. Ou mesmo que você não sabe que faculdade fazer ou se quer fazer uma faculdade. Também há casos que não tem como se fazer uma faculdade quando se sai da escola. Alguém precisa trabalhar para pagar as contas.

Outras vezes, a boa faculdade e o bom curso não rendem os frutos esperados, ou você, simplesmente, mudou de ideia. Acontece.

Ainda, há a terrível questão: o que acontece depois do “felizes para sempre”?
A pandemia mostrou que muitos “felizes para sempre” não eram tão “para sempre” assim. Carreiras foram postas em xeque quando não pudemos sair de casa, outras surgiram, outras se reinventaram. Com os relacionamentos não foi diferente. Incontáveis casamentos acabaram quando você, obrigado a conviver 24 horas por dia com a pessoa, percebeu que ela faz barulho quando mastiga, deixa cabelo no ralo do banheiro ou a tampa do vaso levantada. Coisas banais que quando você saía de casa pela manhã, passava o dia fora trabalhando, saía com os amigos, ia ao cinema ou a restaurantes… pareciam bobagens, mas que a convivência forçada transformou em um pesadelo.

Talvez, você tenha decidido que a vida na cidade não é mais para você já que o seu trabalho lhe permite trabalhar de qualquer lugar ou, talvez, você tenha percebido que a vida “pá na areia” que o trabalho remoto prometia não é para você. Você talvez sinta falta de se arrumar pela manhã, sinta falta do cafezinho e dos colegas da empresa…

Talvez, toda a sua vida tenha sido um conto de fadas, mas depois do príncipe encantado ter te dado lindos filhos e vocês terem vivido um lindo conto de fadas, você viu o príncipe encantado cansado de bailes, seus filhos mais interessados em suas princesas do que em você, e agora?

Tricotei todo esse argumento para dizer que a vida é bem mais curva do que nós podemos imaginar. E que bom que ela é assim. No paisagismo, aprendemos que jardins não podem ser um simples campo gramado. Precisa-se de luz e sombra, espaços abertos, lugares escondidos e que se quisermos fazer o transeunte diminuir o passo devemos acrescentar curvas, paradas… encher o ambiente de surpresas. O jardim deve ser como a vida: vivo, encantador e surpreendente!

Então, como não é incomum, os chineses estão certos em seu modo de pensar: a linha curva é fértil. Os altos e baixos da vida nos mostram que a vida vale a pena ser vivida, e devemos lembrar sempre que raramente existe certo ou errado quando se trata de seres humanos. Pode existir o certo aqui, o certo agora, mas o que outrora fazia sentido não faz mais. E assim é a vida.

Assim, espero que o leitor, assim como eu, aprenda que a vida não é, necessariamente, um conto de fadas. Mas isso não a torna uma história de terror. O fio da vida pode ser tecido por cada um a sua maneira. Uns querem uma casa no campo, outros a vida na cidade, uns querem sete filhos, outros matam cactos. Assim é a vida. Lembremo-nos sempre disso.

Não existe o certo para todos, o certo sempre. Existe o certo para mim e o certo hoje. Talvez amanhã tudo mude, que aprendamos a mudar com a vida e sempre consigamos ter forças para olhar para as flores a beira do caminho.

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