Por: Karen Emília Formiga;
Desde sempre, mantive uma certa ojeriza a datas comemorativas, visto que, para mim, na minha interpretação (por vezes, equivocada), tratava-se mais de uma data comercial do que celebrativa.
Acreditei que a fase gótica revoltada com o sistema capitalista passaria depois da adolescência. Não passou. Segui para uma adulta que durante muito tempo não se sentiu confortável, de nenhuma forma, com as datas festivas que ensejavam feriados.
Por algum tempo, a Páscoa e seus chocolates retiravam de mim e de milhares de pessoas o real significado daquele dia, se é que ele existia mesmo. Por que a Páscoa caia em meses que não eram fixo? Alguns anos, em abril; outros, em março. O que o carnaval tinha a ver com a quaresma? e, por fim, por que a quarta-feira de cinzas estava inserida num calendário cristão se as pessoas ainda estavam com abadás carnavalescos e ressacadas de frevo (com sorte, ainda tinha quem contasse sobre os porres de lança-perfume). Era um cenário difícil de organizar. Não conseguia encaixar todos os personagens nesse enredo.
Até sentar, ler sobre e entender que o capitalismo se apoderou de um acontecimento que já existia. E não o contrário. Não era uma data criada para vendas. Era uma data, que de fato existiu, e que a conjuntura social e o desenho que a sociedade ganhou permitiu lucros com aquela situação.
O Natal era igualmente confuso. Não conseguia associar shoppings lotados de gente comprando e comprando com um bebê nascido pobre, num estábulo e que teve seu primeiro soninho numa manjedoura. Eram dois símbolos longínquos. Diametralmente opostos. Como você consegue colocar num mesmo contexto a mensagem do nascimento de Cristo com os filmes natalinos da Netflix? (que por sinal, eu amo. Não é uma crítica. É só uma falta de encaixe). Não tem como.
E assim, segui. Por anos, inclusive, na era facebook, escrevi sobre isso: todas as datas comemorativas causavam-me uma certa repulsa, facilmente identificada pelo cifrão monetário que elas traziam consigo. Para mim, era sobre lucro e não sobre o que quer que fosse que a data existia para lembrar.
Achei justo existir “o dia dos namorados”. Pronto! Era uma data somente comercial, em que se comprava um presente, com dia e hora marcados. Ok! Lotavam-se restaurantes, motéis, floriculturas e as lojas de ursinhos de pelúcia. Ponto para o capitalismo. Tava ok não misturar com outras simbologias. Beleza! É uma data que. Sei lá, já nascia comercial e se mantinha movimentando economias até mais do que duravam os namoros. Vide os presentes parcelados que permaneciam sendo cobrados na fatura do cartão de crédito, quando a gente nem estava mais com a pessoa.
Passei por isso? Não. Eu não passei porque sempre fui péssima para dar presentes, mas tenho amigas que passaram e todas elas estão aqui nesse parágrafo, inclusive as que sofriam por não ter ninguém para presentear no dia dos namorados. Veja só: uma data que nasceu no e do comércio. Continuava sem fazer sentido para mim, mas pelo menos, não mexia com a simbologia sagrada de outros feriados. Era o que era e pronto. Algumas coisas, só precisamos aceitar sem divagar muito sobre. Ok para o dia dos namorados, então. Eu, mesmo na época namoradeira, não dei presentes e se os ganhei, perderam tempo me presenteando porque tanto fazia ser um presente em 12 de junho, como um dado em, sei lá, 10 de julho (que não se comemora nada especifico).
Aí, seguindo nessa revoltosa percepção, muitas vezes enxergada como “a que era do contra”, virei mãe. E com a maternidade, veio o primeiro dia das mães. E veio ali, também, o primeiro choro, quando vi uma apresentação de escola, com uma música de Roberto Carlos e aqueles dedinhos minúsculos segurando uma rosa e um cartão em que se lia: “como é grande o meu amor por você”. Algo naquela demonstração de carinho tinha quebrado a ótica engessada da minha intolerância a qualquer evento – que ainda era meramente comercial – mas que ganhou um parêntese para ser um divisor de águas e proporcionar um aproveitamento maior e melhor dos dias em que o mundo inteiro celebra alguma coisa.
E foi percebendo a força e a importância do Dia das Mães que comecei a enxergar de outra forma alguns momentos festivos. Acredito que a mãe tem demandas que são, sim, invisibilizadas pelo restante da sociedade, ainda que muitos nomes robustos da maternidade defendam que o exercício pleno da maternagem é uma missão e um sacerdócio e não precise de reconhecimento, o que eu concordo, a maternidade e suas inúmeras demandas intermináveis precisa e merece ter um dia só dela – da mãe.
É claro que aqui nos defrontamos com a mesma perspectiva das outras datas comemorativas: é comercial! E é mesmo, mas a maternidade traz consigo a necessidade de pensarmos um dia no que é a mãe.
Afastados os fatores genuinamente comerciais, como a escola que pede uma simbólica contribuição para a lembrancinha da mãe, que, geralmente, é a mãe mesma quem paga ou ainda o comercial do Boticário que emociona e faz chorar, mas no final convence à venda, retirando as cifras econômicas do caminho e a certeza de que esta data movimenta valores exorbitantes, resta uma parcela pequenina e que, ainda não tem muito conhecimento do que é valorado pelo dinheiro ou não, ávidos para demonstrar amor e retribuir, de alguma forma, todo o cuidado que é destinado a eles.
Essa é a diferença crucial que reside no segundo domingo de maio: é ensinado aos pequenos, desde muito pequenos, que aquele dia é o dia da mãe dele. Que a mãozinha dele numa folha tem importância para alguém que os ama acima de tudo, que a musiquinha ensaiada por semanas fará elas chorarem, emocionadas por amar tanto.
Ali, não importa se existe um presente material, comprado a partir de alguma campanha publicitária com ares fortes de convencimento. Os personagens – o emissor e o destinatário – do Dia das mães são diferentes dos demais envolvidos em outras datas comemorativas.
Certo. É certo que eles crescem, vão embora e deixam a casa, a mãe e a vida toda para trás. Ligam uma vez ou outra, quando dá passam para almoçar e estão sempre correndo de um lado para outro, mas que no Dia das Mães se rendem aos presentes mais caros e as mensagens mais bonitas como forma de suprir uma ausência que é diária e dolorida em todo restante do ano.
Mesmo esses crescidos, até os mais desligados, já deram às mães doces memórias do que foi um segundo domingo de maio, quando ainda estavam sob as asas dela. Um cartão que guardamos em alguma gaveta, a mechinha do primeiro cabelinho, a pulseirinha da maternidade, uma roupinha que guardaremos para sempre porque foi usada numa ocasião especial. Tudo é memória. E tudo é importante!
Sei que há muita história de abandono, de mães que já não conseguem ver os seus filhos, de pessoas que não mais se importaram com a velhice e a doença que chegou, mas ainda assim, essas mães guardam alguma coisa em seus corações que fizeram o segundo domingo de maio ser especial, em algum momento.
Para as mães de filhos que ainda estão nos ninhos, resta aproveitar todos os momentos que lá na frente deixarão saudades. Quando a casa tiver vazia, quando o segundo domingo de maio se resumir a um rápido almoço e a entrega de um presente, ela poderá fechar os olhos e lembrar daquelas pequenas mãozinhas que, outrora, entregou-lhe uma flor e um bilhete que tinha escrita: “nunca se esqueça nenhum segundo que eu tenho o amor maior do mundo”. Do coração da mãe, nenhuma outra frase vez mais sentido: “É muito grande um amor pelo filho”! E é por isso que nesse segundo domingo de maio, o dia é dela. Das memorias dela, das lembrancinhas dela. Do quanto ela foi agraciada por gerar, parir, nutrir, educar e entregar ao mundo uma versão bonita dela mesma.
É o dia das mães! Antes de qualquer coisa, antes mesmo do presente chegar, antes do telefonema, da mensagem, você, filho, já deu a ela lembranças que são só dela. E que nesse segundo domingo de maio estão com ela mais do que qualquer outro dia.
Alguns adendos:
1. O dia das mães enquanto data comemorativa remonta ao ativismo de Anna Jarvs , do século XX, Ann Jarvis realizava trabalhos sociais com outras mães, durante a Guerra civil americana, em busca de melhores condições sanitárias de sua comunidade. Durante o período bélico da guerra, atendeu e socorreu soldados feridos e lutou para devolver ao convívio da família aqueles que sobreviveram. Criou vários clubes e ações sociais que tinham no título alguma referencia à maternidade. A filha, Anna Jarvis, abalada com a morte da mãe criou um dia para homenageá-la, era o segundo domingo de maio de 1908. Ali, estabeleceu-se o Dia das Mães.
2. No viés cristão, o mês é dedicado a Maria, mãe de Jesus, o que tem, também,
uma interpretação atribuída pelos católicos de todo mundo.
De uma mãe que passou a se dedicar somente à maternidade, desejo que o seu segundo domingo de mãe seja de muitas lembranças. Que o propósito de sua maternidade esteja muito bem desenhado e que, mesmo depois da missão de criar os filhos, você possa se orgulhar da mãe que sempre foi.
Feliz dia das mães!