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O outro lado

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Por: Karen Emília Formiga;

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O artigo da semana passada trouxe nuances sobre a importância da amizade entre mães e de como uma relação com reciprocidade de sentimentos e compreensão dos inúmeros acontecimentos do universo materno pode ser salutar para um segmento deveras solitário.

Mulheres que maternam em tempo integral abraçam a silenciosa solidão de não ter outro adulto para conversar, de não ter como tomar um café com alguma amiga sem preocupação com horários ou, pelo menos, escutar uma música de que goste, sem ser interrompida por alguma demanda mais importante do que aquela música que ela tanto queria ouvir.

Como são importantes as relações de pares: grupo de pessoas que compartilham de mesmos interesses e partilham das mesmas experiências e por isso se tornam amigas.

Na maternidade, é possível compactuar com outras mulheres que possam ofertar uma amizade genuína como na época em que podíamos sair solteiras e alguma amiga (amiga de verdade) segurava nossos tombos sentimentais/ crises existenciais/ ressacas físicas e morais?

Parece-me que na maternidade, existem dois lados: a mãe que se sente solitária e tem a necessidade de ter uma pessoa com iguais demandas que possam entendê-la versus a mãe que não consegue identificar-se com nenhuma outra mãe porque sente uma certa ojeriza é uma velada disputa entre quem pode ser melhor e fazer mais bem feito um dado trabalho materno.

Quase sempre (podemos ler aqui sempre, sempre) as duas mães descritas acima são a mesma pessoa – é aquela que gostaria de ter alguém com quem conversar, mas quando está numa roda de conversas com a sua parcela populacional semelhante sente-se criticada, para baixo e compete mentalmente, questionando seu papel na maternidade e o exercício de sua maternagem.

E então, fica a dúvida: essa mãe ainda está insegura para, de cabeça erguida, com a segurança que lhe é necessária conversar de igual para igual, argumentando suas decisões com autoridade de quem sabe o que faz ou realmente mães sentem essa desenfreada necessidade de competição como forma de validar suas atividades?

Quando lecionei a disciplina de Língua Portuguesa/Literatura Brasileira/ Redação em algumas escolas de João Pessoa, deparei-me com algumas situações semelhantes às que posso presenciar atualmente – em um ambiente em que a paridade de interesses deveria unir, curiosamente afastava os profissionais da educação.

Veja só: o interesse de todo educador é formar com êxito novos cidadãos para que esses possam formar um novo mundo. Mas quase sempre o propósito era deixado de lado para dar espaço a um ego demasiado inflado de quem detinha os melhores recursos e os melhores métodos de formação educacional.

A busca por méritos era uma briga incoerente, visto que no final, todos perdiam e não havia vencedores. Não tinha uma medalha de “melhor professor do ano”, e até tinha os que mais tinham se empenhado, apresentado melhores projetos, mas como objetivo alavancar toda uma equipe, toda uma escola. Sozinho, ninguém fazia história.

Mais incoerente ainda, é a disputa materna pelo igual título imaginário de “melhor mãe do ano”. Não existe. Mas todas, absolutamente todas as mães, agem, em algum momento, como se pudessem ser umas melhores do que outras, seja porque ela tem mais conhecimento, mais experiência, mais prática. E quando essa intenção é inexistente, a mãe insegura do outro lado numa postura de autorreferência acredita ser tudo contra a ela: o palpite (que poderia ter sido encarado como uma dica) era porque alguém queria se meter na criação dos filhos dela – bastava que ela colocasse os limites necessários quando se sentisse invadida e seguisse sem achar que todo mundo quer seu mal (importante ressaltar aqui que, sim, existem as falas despidas de noção que são, de fato, violentas e invasivas.

Aqui, não falamos exatamente disto. Esse parágrafo resumido quer apenas dizer que nem tudo é o famoso “palpite” – cabe interpretação).

Dias atrás, três mães com quem tenho oportunidade de conversar, contaram-me do desgaste emocional que tiveram ao participar de grupos de mães. Recordei-me que eu mesma nunca consegui ficar num grupo intitulado assim: “grupo de mães”. No lugar de ser um ambiente para que o aprendizado e a acolhida mútuos pudessem ser presentes, era um completo caos de quem investia mais dinheiro no enxoval, nas compras, nos brinquedos dos filhos. Era (e mesmo não participando mais, acredito que ainda seja, haja vista os conteúdos das postagens nas redes sociais) desafiador estar num ambiente virtual como aquele.

Não existia conforto, nos muitos desesperos que a mãe passa sem saber o que fazer. Existia crítica, perfeição e quem sabe mais/quem gasta mais. No fundo, eram mães que passavam poucas horas com seus filhos e que não conseguiam enxergar outras mães como aliadas, mas, sim, como oponentes. Sozinha fiquei melhor. Como fiquei mais forte e mais segura ouvindo e respeitando a minha ancestralidade. Dou-lhes um exemplo: a minha avó dizia que não deveríamos lavar os cabelos das crianças de noite, e que era prudente aquecê-las com uma camisa para não deixar o peitinho de fora. Durante algum tempo, reclamei com ela que não tinha sentido, dada os meus estudos e leituras sobre o universo infantil. Desde que passei a não molhar os cabelos à noite (ou secá-los melhor) e agasalha-los, inclusive com meias, as viroses não só diminuíram como também demoraram menos tempo, quando instaladas.

Então, aprendi que as mães que vieram antes de mim tinham muito a me ensinar.

A atual sociedade instagramavel do faz de conta que tudo é lindo e perfeito desconsidera que é possível ter uma amiga que vivencia/vivenciou as mesmas coisas que você. Mas faltando humildade para se reconhecer em uma posição de aprendiz, sobra arrogância para mais uma postagem da maternidade perfeita inexistente e do título de “mãe do ano”, igualmente imaginário.

Os caminhos desafiadores da maternidade são muito mais saborosos e menos sofridos se tivermos umas às outras para fortalecer a classe.

Contudo, considerando a necessidade de autoconhecimento neste setor, essa é ainda uma estrada utópica em que percorreremos sozinhas, disputando, desnecessariamente, umas com outras, preferido a solidão à amizade.

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