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Escapando

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Por:Antonio Henrique Couras  ;

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Em outro momento aqui escrevi sobre como a história é contada por, bem, aqueles que a escrevem. Talvez sejam, então, os contadores de história os seres mais poderosos e muitas vezes imortais na história do ser humano sobre esse orbe.

Um desses contadores de histórias era o meu avô. De uma personalidade solar, onde ele chagava aos poucos se juntava um grupo de pessoas para ouvi-lo contar suas histórias.

Minha mãe conta de uma vez em que ele fora ao trabalho dela e enquanto a esperava começou a se formar uma pequena assembleia de ouvintes animados por suas narrativas.

Ela conta que ao se aproximar de sua sala estranhou ela estar cheia com gente até no corredor. Era o meu avô rodeado de rostos sorridentes ouvindo mais uma de suas incontáveis histórias.

Com os netos não era muito diferente. Sempre que ele estava presente, nós nos reuníamos ao seu redor para o ouvir falar das maiores barbaridades que havia cometido contra Deus e o mundo ao longo de sua vida. Já passado dos 70 anos de idade, contava aos risos, como, depois de uma vizinha ter reclamado de seus gatos, que ele colocara cola dentro dos cadeados da casa da mulher. Ele contava às gargalhadas o reboliço que causara e ainda se fingira de indignado para a vizinha.

 

Meu avô não deixou nenhum bem material para filhos ou netos, mas nos deu um legado de histórias e expressões que nos fazem rir cotidianamente quando nos lembramos dele. Uma dessas expressões é que sempre que lhe perguntavam como estava, ele respondia: escapando devagarzinho feito gás de cozinha.

Hoje me lembrei essa expressão e como ela é pertinente a nós nesses dias atribulados em que vivemos. A psicologia tem um conceito chamado “escapismo”, que se refere ao costume que muitos de nós temos de buscar fugir da realidade quando as coisas ficam muito difíceis. Se torna uma patologia ao buscarmos fugir do nosso mundo de forma muito frequente ou através de hábitos danosos ao nosso corpo e mente.

Mas como dizem pessoas mais sábias do que eu, com moderação vamos longe. E é o uso moderado e eficiente do escapismo que apregoo aos quatro ventos. Sempre defendi minhas formas preferidas de escapar do mundo. Não sou muito bom nisso, já que buscando fugir do mundo o encontro na arte, na literatura, na música… mas é isso. Como diz mamãe: “se eu fosse perfeito nem estaria aqui”.

Vez por outra me pego passando horas e horas vendo vídeos de animais engraçados na internet ou de jardinagem. Me cobro por não estar lendo ou fazendo ativamente algo que me agrade mais, mas há momentos em que tudo que podemos e precisamos fazer é, como dizem os italianos, il dolce far niente. O prazeroso ócio que nos recarrega as baterias do corpo e da mente.

Acredito que o capitalismo nos impôs esse hábito horroroso da eficiência até nos prazeres. Precisamos fazer tudo muito eficientemente. Até nos divertir. Não basta que eu leia, preciso ler um livro por semana; não basta que eu corra, preciso correr uma maratona… Caro leitor, gostaria de lhe contar um segredo: você não precisa ser bom nem eficiente naquilo que lhe dá prazer. A partir do momento que a culpa entra por uma porta o prazer sai por outra.

E como pessoa diagnosticada com um parafuso a menos eu lhe digo que é vital que nós tenhamos o prazer instaurado como um hábito em nossas vidas. Sem ele nós adoecemos.

Qualquer bombado de academia (bem, não “todo”. Esse grupo não é particularmente conhecido por sua inteligência, mas o leitor entendeu) sabe que é no descanso que construímos os músculos.

Também é no descanso que fixamos o que aprendemos, é no descanso que nos recuperamos para tentar de novo amanhã. Muitas vezes, no trabalho ou na vida cotidiana, nos deparamos com problemas que nos parecem sem solução. Ao invés de ficar dando murro em ponta de faca, o que podemos fazer de melhor é irmos dar uma volta, tomar um café, ou mesmo deixar para amanhã. O travesseiro é o melhor conselheiro. Descansados e dispostos, voltamos melhores para o mundo.

Acredito que muitos de vocês já tenham ouvido que nós não usamos 100% do nosso cérebro. Bem, é verdade. Até porque se o fizéssemos teríamos convulsões gravíssimas. Nós não fomos feitos para estarmos 100% investidos em algo 100% do tempo.

Hoje trabalho com a emergência climática, e como o leitor deve imaginar, é um problema global e urgente. São como focos de incêndio em que apagamos uma pequena chama por dia enquanto outras dez surgem ao nosso redor. Todos nós tivemos que aprender que nem que quiséssemos conseguiríamos resolver todos os nossos problemas. Precisamos, então, escolher um problema por vez para lidar.

Hoje meu papel é simplesmente ler um documento e fazer apontamentos, amanhã, talvez, faça algo maior ou mais direto. Mas muitas vezes precisamos confiar em nosso poder de sermos partes de um todo maior e mais importante.

Na tragédia que hoje assola o Rio Grande do Sul, uma de muitas no mundo, muitos de nós não temos muito o que fazer. Talvez uma doação, uma oração e é isso. Particularmente, estou evitando as notícias a respeito simplesmente porque passo o dia inteiro lidando com emissões de carbono, acordos, compromissos, fundos para mitigação de danos. Enfim, lidando com esse incêndio com o conta gotas que me cabe.

O que quero dizer ao leitor é: faça sua parte, mas se permita o descanso necessário. Mentes e corpos cansados não têm utilidade alguma. E se for necessário que escapemos do mundo por uma horinha ou duas, que assim seja. O importante é escaparmos.

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