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O ano em que o Nordeste quis ficar independente

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Por: Flávio Ramalho de Brito;

Há muito tempo, muitos anos antes de aparecer “Nordeste Independente”, a conhecida composição do escritor campinense Bráulio Tavares e do cantador pernambucano Ivanildo Vila Nova, uma parte do Nordeste brasileiro pretendeu ficar independente do restante do Brasil. Neste ano de 2024, comemora-se o bicentenário de um movimento revolucionário de caráter republicano (pelo menos para alguns dos seus líderes) e que tinha como objetivo a independência da região. Foi, em 1824, que se deu a chamada Confederação do Equador.

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Declarada, em 1822, a separação do Brasil do Reino de Portugal precisava-se organizar o Império nascente. Para isso, foi convocada uma Assembleia para redigir a primeira Constituição do país independente e que teria o formato de uma monarquia constitucional e hereditária, o que era uma exceção em um continente que era formado por repúblicas. A Assembleia Constituinte foi instalada em maio de 1823 e já na abertura dos trabalhos as palavras do Imperador Pedro I prenunciavam o que poderia vir a acontecer. Prometia o Imperador defender com a sua espada, a Pátria, a Nação e a Constituição, desde que ela “fosse digna do Brasil e de mim” e acrescentava que esperava que o texto constitucional merecesse a sua “imperial aceitação”.

Durante as sessões da Assembleia Constituinte, dois grupos antagônicos se formaram, com interesses políticos e econômicos divergentes, um denominado “partido português”, constituído por burocratas e comerciantes, em sua maioria originários de Portugal, que defendia poderes absolutos para o Imperador, e o outro, o chamado “partido brasileiro”, sustentando a submissão do Poder Executivo ao Parlamento. Em novembro de 1823, aproveitando-se de um impasse nos trabalhos da Constituinte, Pedro I cercou com tropas o local onde funcionava a Assembleia e a dissolveu. O historiador José Honório Rodrigues explicou o ato do Imperador, por ele ser “neto de 27 reis” e, ao se deparar com a perspectiva de redução dos seus poderes, viu que teria de abdicar de toda a sua ascendência para “começar tudo de novo no Brasil”.

Um mês depois do fechamento da Assembleia Constituinte, a notícia chegava ao Recife trazida por deputados que retornavam para as suas Províncias. Quatro deputados de Pernambuco, três da Paraíba e um do Ceará assinaram uma proclamação condenando o ato despótico de D. Pedro. Pernambuco, Paraíba e Ceará formariam, a partir daí, o núcleo da reação à decisão do Imperador. Os deputados da Paraíba signatários do manifesto foram Joaquim Manoel Carneiro da Cunha (que tivera grande destaque na Constituinte), José da Cruz Gouveia e Augusto Xavier de Carvalho (pai de José Peregrino, jovem que fora supliciado na repressão ao movimento revolucionário de 1817).

Imagens: Divulgação internet

Em Pernambuco e na Paraíba, além do descontentamento provocado pela dissolução da Constituinte, outro ato do Imperador viria a causar grande agitação. Com base em uma lei editada ainda durante o funcionamento da Assembleia, Pedro I nomeou, em um mesmo dia de novembro de 1823, os primeiros Presidentes de Pernambuco e da Paraíba no período imperial. Até aquele momento, as Províncias vinham sendo administradas por Juntas governativas provisórias. Tanto em Pernambuco como na Paraíba, os nomes indicados não foram bem recebidos. Em Pernambuco, o Presidente nomeado nem conseguiu tomar posse no cargo. Felipe Néri Ferreira, designado para Paraíba, assumiu o governo em 9 de abril de 1824, mas, dias depois, as Câmaras da Vila Nova da Rainha e do Brejo de Areia não o reconheceram como Presidente da Província, sob a alegação de que ele seria ligado à “facção europeia”.

Felipe Néri (não era “filho do famoso político pernambucano Gervásio Pires”, como escreveu o escritor Celso Mariz) participara, em 1817, da insurreição que ocorreu em Pernambuco contra a Corte portuguesa e, por conta disso, ficara preso na Bahia até 1821. Pelo seu envolvimento na revolta de 1817 seria, pelo menos, discutível acusá-lo de pertencer a uma “facção europeia”. Para o historiador Tobias Monteiro, as reações que ocorreram nas duas Províncias contra os Presidentes nomeados por Pedro I, mais do que contestações à dissolução da Constituinte ou protestos contra indicações de pessoas que seriam ligadas ao “partido português”, eram, na realidade, inconformismos de “facções desmontadas do poder” local.

Um mês depois da posse de Felipe Néri na Presidência da Paraíba, uma decisão da Câmara da Vila do Brejo de Areia, com a participação do “Povo em massa e da Tropa” da localidade (conforme consta da ata da reunião), e com a concordância de outras Câmaras do interior, considerando “a perspectiva terrível que ameaça a Província com a Presidencia de Felippe Neri Ferreira” proclamava um Governo Temporário na Paraíba, tendo como Presidente o sargento-mor de Areia Félix Antônio Ferreira de Albuquerque e secretário o Padre José Gonçalves Ouriques, vigário coadjutor de Campina Grande. Estava instaurada a rebelião na Província da Paraíba.

Fazia apenas sete anos que a Paraíba se envolvera em uma insurreição, que tivera origem em Pernambuco, e ainda estavam bem vivas as imagens da brutal repressão que fora aplicada pelo Reino português contra os revoltosos paraibanos. Várias prisões foram feitas e cinco rebelados foram enforcados no Recife, e, além disso, tiveram seus corpos despedaçados, a cabeça e as mãos foram salgadas e enviadas para Paraíba para serem expostas penduradas em postes nas vias públicas. Os restos do Padre Antônio Pereira de Albuquerque e de Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão foram colocados na Vila do Pilar. Os demais, afixados em postes na Capital da Província. Na antiga Praça da Intendência, os de Francisco José da Silveira. Nas Trincheiras, os de José Peregrino. No caso de Amaro Gomes Coutinho, um dos chefes da revolta, a cabeça foi colocada no Zumbi e as mãos depositadas em poste na Praça Municipal.

Após o levante em Brejo de Areia, o Presidente Felipe Néri ainda tentou, sem sucesso, contemporizar com os insurgentes. Os rebelados formaram uma força que deixou Areia se dirigindo, inicialmente para Pilar, mas com o objetivo final de alcançar a Capital da Província e depor o Presidente que fora nomeado pelo Imperador. Néri, então, constituiu na Capital uma expedição militar para combater os revoltosos sob o comando de Estevão José Carneiro da Cunha, que fora um dos chefes da insurreição de 1817 na Paraíba. Carneiro da Cunha, após o insucesso daquela revolta, conseguira fugir para a Inglaterra e voltara para a Paraíba após ser anistiado.

Em 21 de maio, as forças revoltosas estavam estacionadas em Itabaiana e de lá o Presidente do Governo Temporário Félix Antônio enviou um ultimato ao comando da tropa do governo legalmente constituído:

Illm. Sr. Coronel Estevão José Carneiro da Cunha – Não será já estranho a V. S. a commoção geral, que tem abalado a maioria da província desde o Pilar até o centro; por se achar o leme do governo da capital ora empolgado por um presidente da facção européa : nem menos será estranho, que este governo temporário está reconhecido pela maioria da província e que se acha postado n’esta povoação de Itabaiana com mil e quinhentas baionetas, não contando as ordenanças : as tropas auxiliadoras de Pernambuco, e parque da artilheria occupam presentemente os pontos d’Alhandra e Serrinha: n’estes termos deve V. S, reconhecer immediatamente este governo : ficando desde já responsável a S. M. I. e C., e á nação por todas as hostilidades e males que sobrevier á província. Deus guarde a V. S. felizmente.
Sala do governo temporário estacionado na povoação de Itabaiana, 21 de maio de 1824 ás 6 horas da tarde – Felix Antonio Ferreira de Albuquerque, presidente do governo temporário da província.

O confronto entre as forças legalistas e as tropas rebeladas se deu, em 24 de maio, em Itabaiana, envolvendo cerca de 3500 combatentes, e foi a principal batalha ocorrida durante o movimento revolucionário de 1824. No Riacho das Pedras, local onde se deu a refrega, existe uma placa alusiva ao episódio. O Presidente da Paraíba Felipe Néri, em correspondência enviada a Maciel da Costa, Ministro do Império (depois viria a ser senador pela Paraíba), relatou que a batalha fora “uma luta encarniçada que durou quatro horas em fogo vivo, á final terminou com vantagem nossa: mas não sem perda alguma de gente e feridos, fugindo os facciosos depois de deixarem muitos mortos e feridos sobre o campo, e 30 prisioneiros”.

A batalha de Itabaiana causou grande número de baixas aos dois lados, mas o governo conseguiu impedir a marcha dos revoltosos para a Capital. Logo depois, o Presidente da Província comunicava ao Ministro do Império que os rebelados haviam se reunido, “já com tropas auxiliares da praça do Recife”, em Pedras de Fogo, passando, em seguida, “para o lugar da Feira Velha, extrema sempre de Pernambuco, e os nossos se lhes apresentaram fronteiros nas avenidas da Matta Redonda, e villa de Alhandra”. Foi de Feira Velha que Félix Antônio Ferreira, o Presidente e comandante das tropas revoltosas, encaminhou ofício ameaçador à Câmara da Capital:

Em Pernambuco, por essa época, a situação não era menos conturbada. No final do ano anterior, após a chegada dos deputados com a notícia do golpe de dissolução da Constituinte, houve grande indignação com o ato imperial e “as rédeas da governação escaparam das mãos de um governo fraco”, nas palavras do cônsul francês no Recife, e a Junta provisória que governava a Província renunciou. Foi escolhido interinamente para a Presidência Manoel de Carvalho Paes de Andrade. Carvalho participara da Revolução de 1817, refugiara-se nos Estados Unidos, “onde enfronhara-se no constitucionalismo” estadunidense, segundo Evaldo Cabral de Mello, e voltara para Pernambuco como “um americano, nas ideias nos modos e costumes” como o caracterizou um seu parente.

Pedro I, numa decisão precipitada e infeliz, nomeou para o governo de Pernambuco exatamente um dos membros da Junta que havia renunciado por lhe faltar “as rédeas da governação”. O nomeado, Paes Barreto, não foi aceito pelo grupo de Carvalho, de tendência federalista e que se tornara majoritário na Província, não permitindo que o ato do Imperador fosse cumprido. Por aqueles dias, surgia no Recife o Typhis Pernambucano, uma publicação editada pelo frade carmelita Joaquim do Amor Divino, apelidado Frei Caneca, que se tornaria um dos principais líderes intelectuais do movimento de reação ao absolutismo do Imperador Pedro I, uma vez que, para o historiador Tobias Monteiro, ele era “o língua do partido, notável por sua alta inteligência e vasta cultura”.

Tentando contornar a situação, Pedro I indicou outro nome para a Presidência de Pernambuco que, também, não conseguiu ser empossado, apesar do porto do Recife ter sido submetido a um bloqueio por uma esquadra imperial visando forçar o cumprimento dos atos do Imperador. Estava, assim, a situação quando chegou ao Rio de Janeiro uma notícia de que em Portugal estava se preparando uma grande expedição militar para reconquistar o Brasil. A notícia, que na verdade era um boato (o atual fake news), fez com que a esquadra que bloqueava o porto do Recife se retirasse para reforçar a defesa da capital do Império.

O levantamento do bloqueio no porto do Recife deu um novo alento aos opositores do Imperador, e, poucos dias depois da partida dos navios, em 2 de julho, Manoel de Carvalho fazia uma proclamação dirigida “aos Habitantes das províncias do norte do Brasil” na qual concluía: “Unamo-nos para salvação nossa; estabeleçamos um governo supremo verdadeiramente constitucional, que se encarregue da nossa mútua defesa e salvação! Brasileiros! Unamo-nos e seremos invencíveis!”. Em 24 de julho, Carvalho fez menção, pela primeira vez, ao nome com que o movimento separatista passou para a História, ao concluir uma nova proclamação com “Viva a Confederação do Equador”.

Um aspecto a ser destacado na revolta de 1824 é que os seus principais ideólogos, como Frei Caneca, o jornalista português João Soares Lisboa, o poeta Natividade Saldanha e o próprio Manoel de Carvalho Paes de Andrade, eram republicanos, mas a defesa do regime da República aparecia nos textos do movimento de forma disfarçada. Para o historiador Renato Lopes Leite, Frei Caneca “repete à exaustão o conteúdo da ideia de república sem que a palavra sequer apareça”. Evaldo Cabral de Mello é de opinião de que essa “prudência vocabular” ocorreu para demonstrar para a Corte certa moderação e, também, com “a preocupação de tranquilizar o interior da província” que era monarquista.

Ao tomar conhecimento do movimento separatista em Pernambuco e que repercutia, principalmente, na Paraíba e no Ceará, a reação do Imperador não tardou. Uma esquadra comandada pelo mercenário escocês Cochrane deixou o Rio levando 1700 homens sob as ordens do brigadeiro Lima e Silva para reprimir a revolta nas Províncias rebeladas. A tomada do Recife pelas tropas imperiais foi facilitada pelas falhas dos revoltosos na defesa da cidade. Alguns dos principais cabeças da rebelião conseguiram fugir, mas outros decidiram deixar a cidade e continuar a luta no interior, entre eles Frei Caneca, que deixou um detalhado relato de sua caminhada, o Itinerario que fez Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, sahindo de Pernambuco a 16 de setembro de 1824, para a Provincia do Ceara Grande.

Os revoltosos partiram de Olinda e, depois de Goiana, se juntaram às tropas rebeladas paraibanas comandadas por Félix Antônio. A marcha entrou na Paraíba por Riacho de Santo Antônio, passou por Cabaceiras, Pedra Lavrada e seguiu para Caicó e Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte. Em uma inflexão para Oeste voltou para o território paraibano para seguir o rumo do Ceará, onde pretendia se unir aos rebelados cearenses. As dificuldades não cessaram durante todo o percurso feito pela tropa. Além da improvisação da força que fora constituída, a longa caminhada, a falta de mantimentos e a ininterrupta perseguição das forças governistas e dos chefes políticos locais por onde passava o grupo rebelado, fizeram com que, ao adentrar o Ceará, os revolucionários já estivessem praticamente vencidos. A capitulação não demorou.

Em 29 de novembro, a Divisão Constitucional da Confederação do Equador, como a designara Frei Caneca, depunha as armas. Os líderes da tropa, entre eles Félix Antônio e Caneca foram encaminhados presos para Recife em outra longa caminhada de volta. Na passagem por Goiana foram pernoitar em um engenho próximo à vila. No relato de Frei Caneca “sobre a madrugada querendo-nos aprontar para seguirmos a viagem, demos por falta de alguns companheiros, o presidente temporário Felix Antonio, o capitão França” e mais cinco outros. Frei Caneca e os demais presos seguiram a viagem para o Recife onde Caneca foi colocado em uma minúscula cela que antes servira para guardar as cabeças dos enforcados. O frade foi condenado à forca e quando da execução da pena, em janeiro de 1825, os carrascos se recusaram a realizar o seu enforcamento e, após duas horas de indecisão, decidiu-se, por fim, fuzilá-lo. O único paraibano punido com a pena de morte foi o capitão Nicolau Martins Pereira que, como comandante da fortaleza do Brum, no Recife, havia resistido aos ataques das forças imperiais e foi fuzilado em abril de 1825.

Confederação do Equador – 1824

Félix Antônio, o Presidente dos revoltosos paraibanos, que havia sido sentenciado à forca, após a sua fuga andou se escondendo, durante alguns anos, pelo interior da Paraíba e do Rio Grande do Norte e o governo estabeleceu um prêmio por informações que levassem a sua prisão ou pela sua morte. O historiador Horácio de Almeida escreveu como se deu a morte de Félix Antônio:

“Um dia, estando na fazenda Oratório, em Pedras de Fogo, foi jogar sueca em casa de seu amigo João da Cunha, que morava perto. Ficou ali para dormir, a instância do dono da casa. Alta noite, João da Cunha penetrou no quarto do hóspede e o apunhalou no coração, cobiçando receber o prêmio pelo serviço feito. Mas todos os implicados no levante de 1824 já estavam beneficiados com a anistia concedida pela Regência após a abdicação de D. Pedro I”.

Como acontece no cinema, nos enredos dos bons thrillers, a história não terminou aí. Em um esboço biográfico de Félix Antônio, escrito há mais de um século, J. Avila Lins trouxe detalhes sobre o desfecho do caso.

“João da Cunha que não dormia e tinha certeza d’uma vingança, escondeu-se nas mattas de sua propriedade. Sabendo-se do seu esconderijo, foi enviado em seu encalce um homem afim de vingar o seu nefando crime. Porem ao aproximar-se do logar em que se occultara o assassino, foi por este visado e morto. Tempos depois, seguiu um outro com idêntico fim e teve igual destino. Reconheceu-se a dificuldade da vingança e deixou-se passar dez annos, tempo sufficiente para que João da Cunha se esquecesse do que havia feito. E, justamente, dez annos depois a própria viúva carregava uma espingarda com um prego que varou a cabeça do assassino do seu marido e fel-o tombar morto”

Félix Antônio Ferreira de Albuquerque não aparece na relação dos governantes da Paraíba no período imperial. E a inexistência de ato formal da sua designação para o cargo não justifica a omissão do seu nome. Apesar disso, um vereador da Cidade de Nossa Senhora das Neves, muito certamente atento leitor da História paraibana, não deixou cair no total esquecimento o Presidente Temporário da Paraíba durante a Confederação do Equador.

Uma das ruas do bairro de Cruz das Armas é denominada Presidente Félix Antônio. Na antiga Vila do Brejo de Areia, onde nasceu a revolta de 1824 na Paraíba, uma das artérias da cidade também homenageia o Presidente dos rebelados.

 

 

 

Nota do autor: Este texto foi extraído de A Paraíba na Confederação do Equador (1824-2024), a ser publicado.

Felis Anonio Ferreira de Albuquerque

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