Por: Karen Emília Formiga;
No artigo passado, contemplamos o começo da trajetória na maternidade e a escolha pelo exercício da função materna em tempo integral.
Da dificuldade de escolher – e permanecer na escolha – até a quebra de um estereótipo bastante difundido nos nossos dias: o trabalho da e na maternagem não deve passar como uma mera função laboral.
É imprescindível lembrar que a maternidade precisa estar associada a missão de vida, quando não, ao menos ao propósito do que se quer com a decisão de ser mãe.
Mas e quando os dias de dúvidas sobre as escolhas que tomamos chegam? Como é reconhecer – e reconhecer-se – que nem todos os dias estaremos muito felizes, seguras e realizadas com o rumo que estamos dando para a nossa vida?
Como são aqueles dias em que sentimos saudade da unha feita, de um salto alto, de um perfume mais forte que não só cheirinho de bebê (que é uma delícia, mas que também não é o único cheiro que existe de bom no mundo)? Como são os dias que a rotina pesa, que o cansaço chega, que a sobrecarga pode se fazer presente e se não interrompida culminará com uma mãe, provavelmente, adoecida?
O que fazemos nos dias que aquele ninho, tão esperado e preparado por nós, parece não preencher os anseios de nossa alma e nos causa uma significar estranheza?
Por aqui, vivenciando a maternidade em tempo integral, pude notar que a maternagem não nos priva da humanidade, com toda a sua incompletude e incoerências.
Ser mãe não nos torna automaticamente virtuosas, embora travemos uma luta constante e diária para vencer antigos vícios, como a preguiça, por exemplo.
Mas não. Não é automático. Não é instantâneo. É árduo conseguir internalizar a maternidade em sua sacralidade.
E haverão os dias em que não se reconhecer naquele papel farão duvidar das escolhas que fazemos para a nossa vida.
Ainda que o “ser mãe” seja muito sonhado, que esse novo papel esteja muito bem estabelecido e o entendimento que o comportamento, postura, roupas, cheiros, companhias e programas da mãe sejam outros, um dia qualquer de uma semana qualquer, é provável que você suspire em meio ao cansaço e se der conta que conversar com outro adulto também é importante. Então, sentirá falta daquela amiga que escutava você reclamar de algum namorado – chato e difícil- de outra época.
E como se fosse um pequeno espasmo do tempo, voltamos. Voltamos para a pia com a louça acumulada, para as pilhas de roupas sujas que precisamos vencer, para a atenção que os pequenos precisam, para as lancheiras que precisam ser organizadas, para a necessidade de ser suporte e apoio do marido, que reclama de algo do trabalho e espera que você escute atentamente o que ele está falando, enquanto afasta um filho da tomada e tira a tampa do creme dental da boca de outro.
Soma-se a cenário, as contas que precisam ser pagas, a geladeira que precisa ser limpa, o mercado e farmácia que precisa ser feito, e a unha, a sobrancelha, o retoque da raiz do cabelo, os cuidados com a pele que, também, pedem sua atenção, afinal a maternidade não tira de nós o instinto feminino e a vaidosa obrigatoriedade de estarmos – ao menos – apresentáveis, enquanto damos de conta das necessidades de pelo menos 3 pessoas.
É essa natureza imperfeita de humanidade que temos que nos diz – e não é um clichê midiático – que está tudo bem se sentir estranha e alheia a esse contexto doméstico e todas as suas infindáveis demandas.
São os dias em que a vontade de ser a Betty Boop, a moça de “Puro Êxtase”, do Barão Vermelho também existem e são salutares para fazerem perceber que essa desordem emocional precisa ser acolhida e enxergada com respeito.
Sentir saudade de dançar, de se maquiar e de ter um tempo para você quase sempre está intrínseco ao cansaço físico e emocional, e, como já dito, chega numa semana ainda mais caótica que o habitual. Observe: quanto de estranha no ninho você tem e se sentiu em dias que pareceram não ter fim e exigiram ainda mais de você, do que já está habituada a entregar?
Quantas coisas passaram despercebidas e desembocaram numa vontade gigantesca de correr e assumir que aquele papel não era para você?
Quantas refeições você pulou? Quantas pausas não foram feitas? Quantas horas dormiu? Quantos comportamentos que lhes pareceu pequeno ou passou sem ser notado, terminou num choro compulsivo no banheiro ou num grito com um filho que você não queria ter dado?
É sempre cíclico: a maternidade, sagrada que é, não nos tira de nós. Ela nos transforma. Entender que os dias de repensar e questionar o nosso papel também faz parte desse pacote, retira de nós o maior peso que a maternagem nos impõe: a perfeição.
E isso não existe!
A perfeição sequer é uma virtude a ser buscada, perseguida, encontrada.
É o nosso melhor que estarão em alta em alguns dias e em outros nos mostrarão quão humanas somos.
Se aquele ninho tão planejado, sonhado e amado não parecer ser para nós em alguns momentos, em outros é a nossa maior representação de identidade.
Novamente, tudo bem questionar, deixar aflorar os monstros, querer dançar uma música leve e ouvir outros sons que não choros e brigas de irmãos.
Só ficará menos pesado, menos difícil, quando assumirmos com levezas os nossos dias ruins, cinzas e nublados: “ah! Hoje eu queria só dormir até mais tarde” ou “que saudade de fazer minha unha, de me maquiar”.
A sua estranheza é a minha, é a da sua amiga. É de todas as mães.
Aceitar que nem sempre queremos estar no ninho, sendo responsável por ele, nos faz não só mais leves, como nos faz gigantes.
Voltar para esse mesmo ninho, sabendo da importância que ele tem em nossa vida, com a perspectiva de assumir que nem sempre, nem todo dia, queremos ficar ali, revigora nossas asas e nos dá voos mais seguros.
Mesmo que a gente se vá, por alguns instantes, já sabemos para onde queremos voltar.
E é aquele mesmo ninho que fez você querer sair que faz também você querer ficar.
Ali, está tudo que lhe é mais importante, inclusive aquela estranheza que torna a mãe tão humana.