Por: João Vicente Machado
Não é novidade para ninguém, medianamente informado, que a faixa equatorial do planeta terra, é caracterizada por altas temperaturas, por altos índices de insolação e por precipitações pluviométricas escassas e variáveis. Por conseguinte, não é de admirar que ela seja o endereço da maioria das regiões climáticas classificadas como áridas e semiáridas.
Exatamente na faixa equatorial e interposta entre os trópicos de câncer e capricórnio, está localizada a região semiárida do Nordeste brasileiro. O semiárido é uma vasta área que ocupa 12% de todo território do Brasil, que por ser habitada por cerca de 30 milhões de pessoas, é considerada em suas condições, como a região semiárida mais habitada do planeta. Em vista disso, definir o semiárido nordestino simplesmente como uma região seca é incorrer em equivoco conceitual.
Ora, uma região onde a precipitação pluviométrica média anual é pouco inferior a 800 mm e apresenta um índice de aridez igual a 0,5, cientificamente não pode ser considerada como árida ou seca. O saudoso professor Manelito Dantas, nas suas magníficas aulas conferenciais, usava o comparativo do nosso semiárido com a cidade de Paris, a capital da França. Dizia ele que naquela cidade europeia de clima temperado, a precipitação média anual é de 600 mm/ano. Como são chuvas regulares e espacialmente bem distribuídas, jamais ouvimos falar que Paris fosse seca.
O índice de aridez a que nos referimos anteriormente, de um modo geral varia entre 0,2 nos climas sub úmidos secos, a 0,65 nos climas áridos. Portanto o índice de aridez do semiárido nordestino no valor de 0,5 é um importante indicador de um clima semiárido, malgrado o alto risco de escassez de chuvas, que chega a atingir o índice de 60%. Assim sendo , ser contrário a seca é no mínimo uma aventura tão quixotesca quanto seria ser contra o gelo nos polos e ser contra a neve nos Andes ou na Sibéria.
A vegetação do semiárido ao contrário do que muita gente pensa, é característica e muito variada, exibindo mais de 11 mil espécies vegetais. A produção agrícola é diversificada e isso garante uma significativa variedade de cultivares que compõem a nossa lavoura de subsistência, afora a produção em larga escala de culturas exógenas de exportação como a soja e a uva, cujo plantio anárquico e descontrolado, vêm ameaçando ambientalmente a caatinga e o serrado.
A pecuária da região é originária dos rebanhos trazidos pelos colonizadores, e os animais foram submetidos a mais de 500 anos de adaptação climática. O resultado foi a criação natural de um precioso banco genético rústico, que serviu de suporte genético para os diversos e bem sucedidos cruzamentos com as raças zebuínas ou taurinas. Hoje em dia, temos animais premiados, com larga produção de leite ou carne, como ocorreu com os rebanhos bovinos, caprinos e ovinos.
As limitações climáticas passaram a ser cientificamente estudadas, interpretadas e mais racionalmente compreendidas. Não como castigo divino, mas como um fenômeno natural com o qual é possível a adaptação e a convivência.
O despertar dessa consciência propiciou ao longo do tempo, uma grande mudança conceitual e tecnológica, que nos obrigou a um maior aprofundamento cientifico. Atualmente o instrumental necessário para o aperfeiçoamento dos estudos climáticos é uma realidade. A mudança de enfoque foi tão significativa que obrigou até a correção da sigla equivocada Departamento Nacional de Obras Contra a Seca, que passou a ser chamado Departamento Nacional de Obras de Convivência com as Secas-DNOCS.
Os estudos científicos evoluíram a tal ponto de modo a nos permitir o estudo em maior profundidade dos fenômenos climáticos que nos aflige. Atualmente é perfeitamente possível fazer prognósticos climáticos mais detalhados, precisos e confiáveis para nortear as ações de planejamento, inclusive do uso das águas do PISF.
As experiências empíricas dos profetas, centenariamente nascidas da sabedoria popular, foram incorporadas pela ciência à guisa de informação por não ser prudente subestimá-las. Nesse sentido a Universidade Federal do Ceará reúne anualmente na cidade cearense de Quixadá, os profetas e os cientistas do clima para prognosticarem juntos a estação chuvosa seguinte, conscientes que as ciências naturais é filha primogênita do experimento.
Foi esse consórcio da ciência com a experiência, que nos permitiu enxergar um fenômeno de existência milenar até então desconhecido chamado El Niño e decodificar os seus efeitos. Pelas informações do Instituto de Pesquisas Espaciais-INPE, atualmente o El Niño está ativo desde o mês de maio de 2023 e vem agravando diversas as diversas catástrofes que temos presenciado. Em vista disto, há em vigor um prognóstico controvertido que estabelece um longo prazo de irregularidades climáticas, que poderá se estender ou não, até o mês de janeiro de 2025.
Essa notícia assustadora nos sugeriu ouvir o grupo de meteorologistas da Agencia de Aguas da Paraíba-AESA, sem favor nenhum um dos mais capacitados do Brasil. A AESA emitiu recentemente um prognóstico climático endógeno, para a quadra situada entre os meses de janeiro a março de 2024, do qual destacaremos as conclusões que se seguem:
JANEIRO/2024:
“No mês de janeiro é natural ocorrer maior variabilidade das chuvas com prováveis eventos significativos devido aos tipos de sistemas meteorológicos atuantes, os quais ocorrem de forma transiente, principalmente pela atuação de Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN) sobre o Nordeste do Brasil. De acordo com as condições oceânicas e atmosféricas globais em conjunto com os resultados dos modelos de previsão climática, a tendência é que as chuvas deverão ocorrer com valores dentro da faixa de normalidade. Vale salientar, que essa condição de normalidade poderá implicar no registro de chuvas mais significativas em uma determinada área do que outras.
FEVEREIRO/2024:
A Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) representa o principal sistema meteorológico indutor de chuvas, para as regiões do Alto Sertão, Sertão e Cariri/Curimataú. Diante das condições oceânicas e atmosféricas globais, em conjunto com os resultados dos modelos de previsão climática, a tendência, é que as chuvas deverão ocorrer com certa irregularidade, mas, com valores dentro da faixa de normalidade. Vale salientar, que essa condição de normalidade poderá implicar nos registros de chuvas mais significativas em uma deteminada área do que outras.
MARÇO/2024:
Climatologicamente, março é considerado o mês mais chuvoso da Quadra1, quadrimestre mais chuvoso de fevereiro a maio, nas regiões do Alto Sertão, Sertão e Cariri/Curimataú. Assim, de acordo com as condições oceânicas e atmosféricas globais, somadas ao resultado de modelos de previsão climática e baseado na fase final do fenômeno El Niño, e melhoria das condições da TSM do Atlântico Tropical, a tendência é de que as chuvas deverão se comportar também próximo a normalidade, podendo ter alta variabilidade na magnitude dos totais em virtude da alta climatologia do mês. “(1)
Notamos uma certa divergência conceitual entre o prognóstico do INPE que é bem mais amplo, e o prognóstico da AESA que é endógeno e mais voltado para as nossas especificidades, sendo a nosso ver mais confiável.
Todavia, como nordestinos e catingueiros nascidos no semiárido, devemos ter presente que a escassez de chuvas já foi um problema bem maior. Principalmente para a parte setentrional da região Nordeste, contemplada nos governos Lula/Dilma, com o Projeto de Integração de Aguas do São Francisco-PISF.
A decisão foi tomada no primeiro governo Lula mesmo a contragosto do agronegócio instalado no oeste da Bahia. Hoje graças a essa obra redentora, além do acesso a água independente de chuva temos mais, temos a garantia e a segurança hídrica.
Destarte, não há mais sentido falar em seca na região semiárida, pois a água para consumo e dessedentarão animal estará disponível desde que as condições de funcionamento pleno do sistema como um todo estejam satisfeitas.
. Será que as manutenções preditivas, preventivas e corretivas das unidades de operação dos dois eixos foram e continuam a serem feitas?
Esse foi o primeiro protocolo constante dos manuais de operação e que vem sendo repetido exaustivamente como um mantra, desde o início da execução da obra.
Se tudo tiver em ordem e se necessário for, é só reiniciar o bombeamento nos Eixos Norte e Leste, em vazões mínimas, controlar rigorosamente as perdas, desperdícios, e roubo, e conviver democraticamente com a estiagem que o El Niño possa nos trazer.
Referências:
O Semiárido Brasileiro — Instituto Nacional do Semiárido – INSA (www.gov.br);
nota-tecnica_aridas.pdf (www.gov.br)-Elaboração de mapas de índice de aridez;
AESA: boletim de prognóstico climático de janeiro a março de 2024;
Blog do Edy : Agricultora do Distrito do Carrapateiras faz experiência das pedras de sal que indica um bom inverno em 2023 (edyfernandes.com.br);
Fotografias:
Processo de Desertificação do Semiárido Aumenta Desafio das Mulheres Vivendo na Região • modefica;
Caatinga Imagens – Procure 4,718 fotos, vetores e vídeos | Adobe Stock;
Prova de leite a pasto vai testar raças zebuínas no Cerrado — CompreRural;
Como as estações meteorológicas automáticas ajudam na agricultura | Florença Agro – Flores da Cunha – RS (florencaagro.com.br);
El Niño, La Niña – esquentam e esfriam o Pacífico – Mar Sem Fim ;