Conta a lenda que um perverso salteador, depois haver praticado as ações menos aconselháveis em período infeliz vivido aqui na Terra, viu-se segregado às calandras do Purgatório a fim de receber o soldo das coisas ruins que deixara para trás.
Os danos da estrada do vício lhe retornavam agressivos, por força das leis eternas, achando-o envolto nas sombras da desesperança, cheias de noites e dias tristes. Era o remorso, as mágoas, ausência de cores, emoção não resolvidas, nenhum trabalho ou realização de qualquer sorte.
Ao lado, cercava-se de fantasmas pegajosos, companhia de misérias morais em forma de gente. Quisera frutos melhores, porém plantara sementes adversas, em tudo, por tudo.
Sofria de causar dó, ritmo de relógios abandonados numa outra dimensão de pura monotonia. Nada adiantava esconder, pois essas possibilidades reclamariam rumos de procurar aonde se dirigir. Não havia, destarte, alternativas de outras chances, outros rumos quais fossem.
Bom, creio deixar clara a estagnação daquele espírito no universo, jogado às larvas do desamor que produzira na sua vida pregressa.
Nesse quadro, certo dia, lembrou-se de uma criança a quem mitigara a fome, nas margens de caminho deserto, quando quase indiferente lhe atirara resto seco de alimento. E na hora concentrou-se em sua imagem e pediu, com todas as ganas que ainda lhe restavam, um socorro dos céus de misericórdia. E foi valido.
Demorou pouco daí, viu descer, no meio da fumaça escaldante, corda grossa a balançar em sua frente, na qual se pendurou ansioso e começou a subir no rumo dos altos desconhecidos.
Qual vindo de sonho distante, o cabo a que se agarrava nutria intenções de liberdade e veio, aos poucos, alçando-se noutros espaços de brisas suáveis e claridade penetrante.
Chegava a perceber paisagens venturosas, estendidas no horizonte que suavizaram as covas fundas dos seus olhos.
Avançara metros, quilômetros, talvez, quando resolveu olhar para baixo e calcular a distância percorrida. Abaixo dele, aflitos, excitados com a chance de felicidade, novos postulantes também subiam. Vários, vários dos habitantes das sombras acreditavam, como ele, na saída próxima.
Ao ver-se acompanhado, o antigo marginal retornou aos sentimentos anteriores de egoísmo e exclusividade. Pensou muito mais em si. Calculou o peso daquela gente toda na corda retesada.
– Fora! Fora! Intrusos, me deixam sozinho – gritava empurrando com os pés quem se aproximasse. – A salvação compete a mim que descobri essa possibilidade. Fui eu que consegui de Deus o auxílio – esbravejava revoltado.
Indiferentes aos protestos, apegavam-se à corda os degredados em fuga. O salteador, aos pulos, empregava todo esforço para se livrar dos seguidores, quando descomunal estalo rompeu de vez a grossa corda, mergulhando a multidão no fosso da profunda escuridão.
Após o rápido instante de frustração, bruma friorenta envolveu no silêncio o resto de enigma, mistérios íntimos daquelas almas à espera de luz.