Os que já me conhecem através desses textos sabem que vez ou outra estou falando de minha relação com as plantas. Para uns pode parecer coisa de doido, afinal não são todas as pessoas que desenvolvem amizade com uma planta, não é mesmo? Não pense que é por carência ou por desajuste psicológico não, é que às vezes sou esquisita mesmo.
Também não é segredo que gostamos de construir e reformar nossas casas. Meu filho, andou falando de sua experiencia com esse nosso modo de ajustar nosso lugar às nossas necessidades, e porque não, para nosso conforto.
Moramos em um pequeno sítio que quando adquirimos, era só mato, alguns cupins e muitos formigueiros. Como meu marido resolveu comprar as terras assim mesmo, começamos a construir nossa primeira casinha, que começou sendo um pequeno depósito para as ferramentas e logo depois passou a ser nossa pequena cozinha. Não se espantem: foi construída de taipa, ou sapê, como alguns conhecem. Aos poucos, a pequena casinha foi aumentando, e dessa forma ainda moramos lá por uns vinte anos. Um lugar simples, como casa de sertanejo que gosta de um bom terraço para ver o sol nascer, a lua aparecer no horizonte para ser bem apreciada. Parte de nossa história com os filhos pequenos, tias que já partiram, meus queridos pais que vinham, irmãos e suas famílias e, a cada reunião de família um belo final de semana.
Entretanto, a casinha não nos oferecia mais o conforto que desejávamos. Decidimos então, construir uma nova casa, mais sofisticada e em lugar mais alto para termos uma melhor visão do horizonte. Quando se marcou a sapata, eu apareço e logo de cara vejo uma de minhas futuras amigas. Uma pequena mangueira, nascida ao acaso, fruto de um caroço jogado após o fruto ser consumido, quando não se tinha a ideia de aqui nada construir.
Alguém que não sabe o que é a vida de uma planta, sugere o seu corte. Parecia que ela me olhava pedindo socorro. Não foi fácil convencer a todos, mas sugeri cortar apenas uma parte de seus galhos e assim, ela passaria por dor do corte da serra elétrica, mas não morreria.
Nestes últimos quatro anos, que em função da pandemia e por questões familiares, tivemos que sair da cidade e vir morar em um lugar mais aberto e tranquilo. Esta mangueira, como era a única vizinha que eu tinha e já muito conhecida, desenvolvemos nossa amizade.
Ela quieta, me “escutava” muitas vezes, sem me interromper, me deixava falar de minhas angústias, tristezas e também das alegrias e conquistas. Era nossa testemunha nas conversas na varanda, das noites em que nos reuníamos para as festas de Natal e São João. Nos ofereceu por longos 12 anos, sua sombra, seus gostosos frutos e sua quietude. A amiga que todos precisamos quando procuramos alguém que nos ouça sem nada dizer.
No título falei de ciclos, por acreditar que a nossa trajetória neste orbe, tem tempo para abrir-se realizarmos as tarefas que nos foram atribuídas e depois de tudo cumprido, partimos.
Infelizmente a minha amiga partiu. Não sei se por ela ter cumprido sua missão, mas mais uma vez a mão “invisível” de alguém contribuiu para não só ela, mas uma quantidade imensa de mangueiras nesta região padeça de uma enfermidade incurável e altamente contagiosa. Sinto muito por estarem terminando com sua missão de serem amigas, produzirem flores e frutos e nos acolher em sua sombra. Aqui muitos chamam a doença o “mal do Recife”, não sei se esse o nome desse mal, mas com certeza, pelo alto índice de contaminação das plantas, acredito que a nossa gostosa manga espada, deixará de nos alimentar.
A doença é traiçoeira. Transmitida por um besouro que infecta um galho, que se cortado à tempo pode impedir que a doença se alastre para o resto da planta, ou se infectada através da raiz, nada há o que ser feito. Se entranha em seu caule e aos poucos a planta vai perdendo suas folhas e deixa de produzir os frutos. Hoje, ao ser cortada, identificamos que uma espécie de mofo, faz soltar a casca do restante do caule. Não permiti que fosse totalmente cortada. Ela receberá ao seu redor, e espero que tenha forças para ser abraçada por galhos de Bougainville e que não nos deixe totalmente. Ela será “adornada” por belas flores. Espero que dê certo.
Essa doença assim como o famoso, “bicudo” dizimou nossa plantação de algodão herbáceo e arbóreo que por muitos anos, foi a cultura que teve tanto destaque em nossa economia que chegou a ser chamado de o “ouro branco”. Esse ouro, foi o sustento de muitas famílias em todo Nordeste, mas sem nunca ter sido descoberto ou melhor, sem nunca ter tido a devida atenção dos estudiosos, o nosso algodão morreu aqui, mas vive intensamente no Centro Oeste brasileiro. Nunca entendi essa dinâmica, nem esse “mistério” como bem dizia uma personagem de uma novela de grande sucesso no passado.
Mais uma vez, ficaremos sem nosso ouro verde. Nossa “manga espada” – que serviu de alimento para muitos, por estes lados. Lembro-me que, quando comecei a trabalhar com comunidades rurais em nosso litoral paraibano, já se comentava o quanto as crianças ficavam nutridas na safra da manga. Quando estudei um pouco sobre a fome no Brasil e no Mundo, li certa vez que as mães na África, comiam até a casca da manga para produzir leite e poderem amamentar seus filhos.
Nossa mangueira, mangueiras de todos nós, estão sendo dizimadas e mais uma vez, uma das fontes de alimentos mais barata e acessível à população rural, está nos deixando sem concluir seu ciclo de vida que a Mãe Natureza preparou. Essa é a minha maneira de falar que mais uma vez a Natureza chora pelo descaso dos homens.