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Sob o Domínio do Medo

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O título que utilizamos por empréstimo neste artigo, foi inspirado em um filme de suspense rodado no ano de 1971. Sam Peckinpah foi o roteirista e diretor do filme e no elenco estavam presentes como protagonistas, Dustin Hoffman e Susan George, tendo como coadjuvantes, Peter Vaughan e David Warner entre outros.

SINOPSE:
“O matemático americano David Sumner (Dustin Hoffman) e sua esposa inglesa (Susan George) resolvem se mudar para uma pequena cidade do interior. Logo David se envolve com um grupo de valentões da região e começa a descobrir a violência e o medo. Quando sua mulher é atacada e a sua casa invadida, ele vai começar a lutar para sobreviver e se vingar dos bandidos.” (1)

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Mutatis mutandis, os fatos assustadores que vêm ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro, a rigor é apenas uma amostra real daquilo que ocorre também em São Paulo, em Salvador, e  está presente  em menor escala em outros Estados da Federação, tais como: o Rio Grande do Norte e o Ceará.

O filme ao qual o título deste artigo faz referência, em que pese ser de um nível de violência mais tênue e de motivação diferenciada, com certeza se prestaria pelo menos como inspiração, para a produção de um verdadeiro seriado sobre violência. No enredo, ao invés de apenas um caso, seriam ressaltados dois deles, com ingredientes amargos e mais ou menos semelhantes, porém distintos no conteúdo, na dosagem e na forma.

Em um dos episódios  o seriado apresentaria as ações do narcotráfico, que é uma contravenção bem mais antiga na vida da cidade do Rio de Janeiro, onde já se tornou endêmico. Em tempos passados  até inspirou  um samba de autoria de Miguel Gustavo, lançado em 1961, interpretado por  Roberto Silva, então considerado o príncipe do samba.

No outro episódio serviria para escancarar o que vem sendo convenientemente camuflado, que é a constituição de facções criminosas que são  organizadas à guisa de “vender segurança.” Essas facções implantaram um regime de terror, que já se espalhou por mais de 50% do sitio urbano da cidade que um dia já foi cantada em verso na marchinha de carnaval de autoria de Mario Filho: Cidade Maravilhosa.

Dito isso, poderemos definir as facções como organizações criminosas que são denominadas  “milícias protetivas,” com  profundas raízes no aparelho policial, jurídico e político-partidário,  chancelado por  nomenclatura própria, com propósitos e práticas idênticas: Comando Vermelho; Terceiro Comando; Amigos dos Amigos ou simplesmente Milícias.

Em ambos os casos são originárias da omissão e da  quase completa ausência do Estado que, de maneira omissa se afastou do papel que lhe cabe no sentido de manter um permanente diálogo com a sociedade, a fim de que a sua presença seja a mais próxima possível dos anseios e das necessidades do povo.

Todos nós aprendemos através das  aulas de física, que nem no vácuo perfeito o espaço vazio estará presente. Aristóteles, considerado o pai da filosofia negava peremptoriamente essa ideia de espaço vazio. Para ele, todo Universo estaria permeado por um quinto elemento que é praticamente intangível, chamado de “quintessência” que se soma aos outros quatro: terra, água, ar e fogo.

Em sendo assim, para apreciar e perceber em detalhes as causas da ausência do estado, teremos de puxar um fio que vai perpassar por vários estágios que envolvem: filosofia, história, política, economia, enfim, todo conteúdo filosófico do aparelho de Estado Liberal burguês. Assim, se lançarmos o olhar crítico  sobre a superestrutura do Estado, iremos constatar que a sus infraestrutura deverá, ou pelo menos deveria, financiar o custeio de toda superestrutura do aparelho de estado, inclusive as famílias  com todos os seus personagens e todas as suas necessidades, como: educação, saúde, habitação, saneamento básico, cultura e artes.

É fato que o Estado brasileiro, fez a opção por um modelo de desenvolvimento econômico excludente, onde a responsabilidade social é tida como despesa evitável e está subordinada a fatores limitantes como o famigerado teto de gastos. Além disso quaisquer gasto social é tratado como um gasto público perdulária, que precisa ser controlado através de mecanismos legais geridos  a ferrum manus.

Por sua vez a macro economia mantem a devoção à sacralidade de um necessário mas exagerado superávit primário que, associado a uma taxa de juros escorchante é totalmente voltado para o beneplácito da banca internacional. Os poderes executivo e legislativo, cuidarão com todo zelo do grande capital,  totalmente indiferentes aos anseios populares. Juntos, preservam a todo custo a sacrossanta responsabilidade fiscal, em acintoso detrimento da responsabilidade social. Então o orçamento federal é elaborado de forma a  assegurar o compromisso indeclinável com a multiplicação do rico dinheirinho do “pobre” sistema financeiro.

Se nos ativermos na apreciação das planilhas menores inseridas na figura anterior, iremos encontrar as minguadas dotações orçamentarias de obrigação do Estado, as quais são destinadas às necessidades da grande massa obreira, entre as quais pinçamos:

. Assistência social: 4,77%
. Saúde: 3,37%
. Educação: 2,70%
. Agricultura: 0,54%
. Segurança pública: 0,29%
. Habitação: 0,00001%
. Saneamento: 0,0072%

Subtotal: 11,68%

A soma é um verdadeiro escárnio e um faz de conta por parte do Estado brasileiro, que investe o “fabuloso percentual de 11,68%” na prestação social, prejudicando as atividades e/ou serviços de  interesse  do povo.

Paralelamente e sem nenhum acanhamento compromete cinicamente 46,30% do orçamento com juros e amortizações da dívida, ou seja, alimenta sem questionar, a hidra gulosa da banca internacional à guisa de  “serviço e de amortização” de uma dívida que deveria, pelo menos, ser  auditada para checar a sua veracidade diante de tanta mentira.

Comparemos por fim, os números mostrados na pizza anterior, com aqueles  que serão apresentados  a seguir na pirâmide social e veremos que não será necessário muito esforço mental para perceber que 82% do nosso povo tem uma renda familiar máxima de apenas R$3.390,00. Ou seja, o Brasil é pobre.

Renda familiar para quem ainda não sabe, vem a ser o somatório dos ganhos daqueles que são trabalhadores ativos e dividem a mesma moradia familiar. Assim sendo se dividirmos a renda familiar de R$ 3.390,00 por 3, concluiremos que a renda de cada membro ativo de uma  família  de 3 pessoas  é de apenas  R$ 1.130,00 por mês, valor que é menor do que o salário mínimo.

Aproveitando-se desse cenário e no espaço vazio deixado pelo Estado,  entram em cena as facções criminosas. Elas se apoderam à força de uma determinada  área residencial pobre, que via de regra é arrancada das mãos e do  domínio do  narcotráfico. Em seguida, como conhecedores tanto da radiografia social da área, quanto da  omissão do Estado no tocante às suas obrigações, as milícias “oferecem” uma cesta de serviços essenciais por elas prestados, onde  a receita decorrente passará  a ser  fonte de financiamento e de lucro da máquina de guerra do crime organizado naquela área do exemplo. As milícias oferecem então  ao povo desassistido:

. Proteção contra as investidas do tráfico;
. Serviço de transporte coletivo através de vãs;
. Gás de cozinha a preço módico;
. Energia elétrica mais barata;
. Distribuição de água gratuitamente;
. Serviço de operação de telecomunicações. (sinal de televisão e telefonia)

Como já foi ressaltado, a primeira providencia das milícias, é  escorraçar da área sob seu domínio as facções do narcotráfico. Não o fazem por zelo ou porque tenham a intenção de preservar a adolescência e a juventude da dependência das drogas, ou conferir aos adultos uma maior tranquilidade. O fazem para assegurar exclusividade de mercado, para manter intacto o espaço  que será a partir de então a fonte de renda e de lucro da facção criminosa.

Na rotina do dia a dia, os serviços de transportes coletivo através das vãs são oficializados no interior da área de domínio, porque em assim o fazendo, além de oferecerem um transporte pontual e mais em conta aos moradores, estarão gerando  emprego de motoristas e mecânicos para operar a rede de vãs de sua propriedade.

Essa é uma atitude bem simpática, que agrada de certa forma  os ocupantes do espaço que seria de competência  de um Estado omisso. Ora, como os gestores políticos são  pregoeiros da ideia do Estado mínimo, o governante matará dois coelhos com uma única paulada. Por um lado se desincumbirá da obrigatoriedade da prestação dos serviços, e por outro lado agradarão ao  ultraneoliberalismo dando continuidade do processo de desindustrialização em curso.

O Gás de cozinha se torna mais barato porque ou compram direto e repassam sem o incremento de impostos, ou porque desviam os caminhões de entrega das distribuidoras de gás para o interior da comunidade, assalta-os e comercializam os botijões por um preço mais em conta.

Com relação ao fornecimento de água, energia e telecomunicações, as milícias instalam precariamente uma rede clandestina e assumem a sua operação e  distribuição no âmbito das suas áreas de ocupação, sem a permissão, em nenhuma hipótese, da entrada dos trabalhadores das concessionárias, os quais com medo, param de fazer a leitura e a consequente  cobrança pelo serviço.

Alguém haverá de se interrogar o porque das concessionárias não suspenderem  os serviços.  A resposta é muito simples: não o fazem por puro medo de represálias, tanto contra a Empresa concessionária, quanto pessoalmente contra os trabalhadores externos e contra as suas famílias.

Mas afinal quem são esses milicianos contraventores que já dominam mais de 50% da cidade do Rio de Janeiro, armados até os dentes, portando armamento de última geração e de grosso calibre?

Vejamos as definições e diferenças entre eles:

“Os quadros das milícias são formados por agentes de segurança, como policiais militares, civis, penais ou bombeiros, com a bandeira do combate aos traficantes, as milícias cresceram no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, com a aceitação das comunidades e a tolerância do estado.” (2)

“Facções criminosas são grupos de pessoas que atuam de forma organizada e articulada para a prática de crimes — o principal deles é o tráfico de drogas. Essas organizações existem em todo o mundo e, no Brasil, exercem grande influência.

Segundo especialistas em segurança pública, a formação de facções é relativamente recente no Brasil —data do fim da década de 1970.

Hoje, a principal facção criminosa brasileira é o PCC (Primeiro Comando da Capital), que contava até 2020 com pelo menos 33 mil membros, segundo investigações da PF (Polícia Federal) e do Ministério Público de São Paulo.

O PCC foi criado em agosto de 1993, na casa de custódia de Taubaté, conhecida como “Piranhão” —à época, era a prisão mais segura de São Paulo.” (3)

Apesar do cenário de guerra em que vive a população da cidade do Rio de Janeiro neste momento, a ação de grupos contraventores também está presente em outros estados do Brasil, como pode ser visto no mapa ilustrado que se segue. Nele, a referência é o período entre os anos pré e pós  golpe parlamentar de 216, quando o governo de Jair Bolsonaro se avizinhava de arminha na mão, eleito por obra e graça da farsa da operação lava-jato. obra prima do então juiz  Sergio Moro e do promotor federal Deltan Dallagnol.

Hoje a situação está bem pior, em decorrência da liberação da aquisição de armas de forma indiscriminada.

A continuar nesse passo, o Brasil em breve será transformado numa Chicago dos anos 1930, numa Colômbia com seus carteis ou num Equador onde se pretende influenciar definitivamente na política.

Já chegamos a atingir um estágio de entrelaçamento de tal forma em que  políticos que são eleitos com forte apoio das milícias, estariam intervindo junto ao governo do estado, no sentido de nomear as autoridades policiais até chegar a nível de delegados de polícia zonais.

Consta que na esfera da justiça, de cada 10 presos julgados, 4 são liberados por falta de provas. Seria mesmo falta de provas, ou estaria acontecendo prisões de inocentes que serviriam de bode expiatório?

As entrevistas concedidas pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, que se diz ameaçado de morte, nos  parece  um conjunto de palavras soltas sem apontar soluções e  nos passa a impressão de assombro, de medo de represálias. Será? o governador não estaria fugindo das suas obrigações?

O competente ministro Flavio Dino teria declarado em O Globo que: “as Milícias foram plantadas e cultivadas pela política”. A ser verdadeira essa afirmação, em que o ministro provavelmente quis se referir à má politica, a situação é mais grave do que aquilo que  imaginamos.

O leitor pode estar até ansioso em saber a solução para esse grave impasse como nós também estamos. Entendemos porém, que sem que haja a ruptura  dos elos de ligação entre o narcotráfico e os órgãos públicos  responsáveis pela segurança  pública, quaisquer paliativo  será como enxugar gelo, pois pelo que sabemos o Rio de Janeiro não tem uma Secretaria de Segurança o que já é estranho. E mais estranho ainda  é saber que o Chefe de Polícia é um influenciador digital e foi indicado por um deputado ligado às milícias. É pouco ou quer mais?

 

 

 

 

 

 

 

Referências:
Sob o Domínio do Medo – Filme 1971 – Adoro Cinema; (1)
O que são as milícias e como elas evoluíram no Rio de Janeiro – Sociedade – Carta Capital; (2)
PCC, facção e milícia: veja a diferença entre os grupos criminosos (uol.com.br); (3)
Não é só no Rio. Milícias estão em 15 estados de norte a sul do Brasil (metropoles.com);

Fotografias:
Sob o Domínio do Medo – Versátil Home Vídeo (dvdversatil.com.br);
Afinal o que é o Marxismo?. Para compreender o que é o marxismo, é… | by Um Marxista | Médium;
Arquivos Gráficos – Auditoria Cidadã da Dívida (auditoriacidada.org.br);
Gastos com a dívida consumiram 46,3% do orçamento federal em 2022 – Auditoria Cidadã da Dívida (auditoriacidada.org.br);
Pirâmide social do mundo e do brasil – Pesquisa Google;
Não é só no Rio. Milícias estão em 15 estados de norte a sul do Brasil (metropoles.com)

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