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Quando eu não mais te conhecer

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Inúmeras vezes utilizei este espaço para falar de enfermidades e, dentre elas, o Alzheimer, por ser uma das doenças que têm sido rotineiras em minha família. Ultimamente, contudo, vi uma sena que me fez sentir ser necessário debater para que os familiares e cuidadores saibam como melhor contribuir com o bem estar de quem está passando por essa enfermidade. É fundamental que se saiba que do outro lado dessa história, além de existir um ser humano, existe uma pessoa que é muito importante para alguém. Costumo dizer que essa pessoa é ou foi o amor de alguém.

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Não pretendo parecer profunda conhecedora das demências e do Alzheimer, pois para isso eu precisaria, além das vivências que tive, ter também o diploma de médica. A minha experiência e meu aprendizado começaram a partir de quando nossa mãe recebeu o diagnóstico desta doença e nada sabíamos a respeito dela nem o que viveríamos a partir daquele momento. Depois dela veio a segunda irmã, a terceira, e assim, cada uma até partirem e nos deixaram um grande legado de aprendizado.

Hoje, com o que aprendi, posso me arriscar a ajudar a outras pessoas que como nós, sofremos, aprendemos e desenvolvemos a capacidade da resiliência, compreensão e de amor, que para alguns de nós, achávamos não existir.

E de certa forma por essa vivência que algumas pessoas me pedem pra falar da doença e de como superamos tantas dificuldades. O aprendizado ainda não acabou, estamos ainda no processo de exercício diário no convívio com essas pessoas que tanto amamos e tanto nos desafiam.

A Espiritualidade Amiga nos previne que a doença que já foi chamada por “Mal de Alzheimer”, na verdade é o bem do Alzheimer. Explico: Do ponto de vista Espiritual, a doença faz com que o paciente vá esquecendo sua história de vida aos poucos. Esses mesmos irmãos nos dizem que quem desenvolve a doença, recebe um lenitivo para não ter acesso às lembranças de seu passado, pois em muitos, esse passado não poderia ser suportado se não existisse ao “esquecimento”.

Não estamos fazendo nenhum juízo, pois não temos o poder de julgar ou sentenciar ninguém. Isso ficará para vida após a passagem para outro plano. Espero, ainda que ninguém tente fazer esse julgamento. O que importa é a oportunidade que a doença nos traz. Não só para o paciente, mas para toda família.

Para início de conversa, o que posso garantir é que ter alguém que você ama com qualquer tipo de demência, dentre elas o Alzheimer, em qualquer idade é uma grande oportunidade que Deus nos oferece para testar nosso amor em sua maior expressão. É por misericórdia divina que recebemos este presente. Pois à medida que vamos tendo contato com ele, passamos por uma avalanche de sentimentos, e posso garantir que feliz dos que dentre esses sentimentos, descobre o amor.

As dificuldades com esse paciente surgem como quem atira uma pedrinha na água. Vão surgindo de dentro do núcleo mais próximo, sejam familiares ou cuidadores, até atingirem os parentes mais afastados, vizinhos e “conhecidos”. Os parentes que não convivem com o paciente, ao ouvirem sobre o diagnóstico, aparecem, de vez em quando, para fazer uma “visitinha”, como que para testar o paciente, e começam a relembrar histórias por eles vividas, da família, dos velhos amigos, dos tempos de escola e etc.

Muitas dessas pessoas saem da casa do paciente com um diagnóstico (como se fossem profundos conhecedores da enfermidade), que aquele parente e ou amigo está em plena saúde mental. Essa é uma difícil situação para a família, e quando digo família me refiro não àqueles que possuem laços de sangue, mas àqueles que têm uma conivência diária com o paciente.

É muito comum você conversar com um paciente por alguns momentos, ele conta casos e histórias que parecem verdadeiras e o visitante como não sabe da real situação, acredita na história contada. Quando não, para piorar a situação, a visita estimula ao paciente a sair de casa, desenvolver suas atividades normais, sem saber que com estes conselhos, podem estar contribuindo para a sua piora ou sua morte física.

Exemplo disso, é que o paciente ao ser diagnosticado, inicia o uso de vários medicamentos que ao lutarem contra os sintomas mais graves da doença, infelizmente, ainda só são capazes de retardar o seu avanço. E nesse processo, alguns medicamentos têm efeitos colaterais que aliados aos próprios sintomas degenerativos da doença, impedem o paciente de desenvolver atividades simples cotidianas, como cozinhar (esquecem panelas no fogo, o gás aberto, ou ascendem o fogo com a tampa de vidro que cobre o fogão fechada, causando explosões, e até mesmo incêndios) ou dirigir (além da incapacidade de manejar o veículo, passam a dirigir sem se atentarem à sinalização, ao pedestres e até mesmo esquecendo o caminho que devem tomar para ir para casa ou outro local familiar). Quem tem algum idoso em casa, sabe que é difícil que ele aceite não poder fazer ou desenvolver algumas dessas atividades, e como muitas vezes nos vemos encurralados entre permitir que um ente querido desenvolva uma atividade que lhe é tão corriqueira, sem, contudo, querermos magoá-los ao dizer que não são mais capazes de fazê-las.

O paciente que tem demência, seja ela qual for e em que estágio for, pois só o médico, após vários exames, pode identificar o tipo e o estado da doença, geralmente só perde a memória antiga nos casos mais avançados da doença, um dos mais dolorosos para a família. De repente, ele começa a desconhecer a esposa, os filhos, netos, e essa é uma dor que só cresce conforme você começa a sentir que aquele ser amado está partindo… mas por quanto tempo vamos conviver com essa dor, com essa despedida? Não sabemos.

Precisa-se levar em consideração que, conforme a doença avança, o paciente pode reviver personalidades inteiras que estavam guardadas no subconsciente ou até mesmo trazidas de outras existências. Em cada uma das pessoas das quais convivemos a doença desenvolveu-se de uma forma diferente. Se o paciente já era uma pessoa agressiva, essa agressividade é potencializada em alguma faze da doença. Familiares e cuidadores passam por mentirosos muitas vezes, pois quem conhecia, por exemplo, a nossa mãe, sabia de sua educação primorosa, elegância no falar e no proceder. Quando chegávamos a contar para outras irmãs e sobrinhos algum ato fora de sua costumeira personalidade, não acreditavam que ela fosse capaz de fazer.

A doença, logo no início, não dá pra identificar o que realmente está acontecendo. Lembro-me que quando nossa mãe começou apresentar os sintomas, não sabíamos na verdade o que estava acontecendo. Ela perguntava muitas vezes a mesma coisa, e até achávamos que ela estava nos testando.

Depois começou a esconder dinheiro, ou mesmo por desconhecer as notas, o salário desaparecia como fumaça. Em seguida, escondia a medicação que já tomava. Ela e as irmãs, assim que os sintomas da falta de sono ocasionado pela idade começaram a aparecer, conseguiam, escondido de todos os filhos, receitas de medicamentos fortíssimos com médicos amigos, e com o passar do tempo, tornaram-se dependentes vitalícias dessas medicações.

Como já apresentava sinais do esquecimento, perdia a medicação, e aí era um grande problema porque tudo que ela guardava e não lembrava onde deixava, achava que alguém tinha roubado. Veja a dificuldade de convivência com uma pessoa que você conheceu a vida toda e agora você não merece mais a confiança daquela pessoa. Nesta fase iniciam-se as dificuldades de relacionamento com todos. O paciente, muitas vezes, passa a ter “surtos”, em alguns casos com muita agressividade desconhecendo as pessoas e o lugar onde mora.
É muito comum pedir para ser levado para casa. Como, de certa forma, estou falando da experiencia que tivemos nossos familiares, não conseguimos identificar as fases das doenças como são colocadas no livro da Associação Brasileira de Alzheimer: Eles classificam como leve, moderada e avançada. Talvez por esse choque de personalidade, essas fases se confundam, ou não apareçam nesta mesma sequência.

A confusão, o se ver em um ambiente desconhecido e rodeado por pessoas que não lhes são familiares, muitas vezes levam a surtos que podem ser perigosos. Muitas vezes os pacientes atiram quaisquer objetos que lhes estiver à mão sejam eles almofadas, louças ou mesmo facas. Ainda nesses momentos, lembre-se de que não é ao filho, neto, ou sobrinho que ele está tentando machucar, mas a um desconhecido, que em sua mente confusa, o está mantendo longe de tudo aquilo que lhe é caro e familiar.

O mais difícil para quem tem um pai, mãe, marido ou familiar com a doença, é vê-lo partir aos poucos, é, a cada amanhecer, encontrar uma pessoa diferente. No caso das minhas tias, necessário se faz dizer que depois da nossa mãe, duas tiveram o diagnóstico, iniciando com a depressão – que é o primeiro sintoma a ser diagnosticado, mas logo após, foi dado o diagnóstico. Mas cada uma agia de uma forma. Uma delas surtava com mais frequência, mas quando eu chegava, abraçava com muito carinho, ela se acalmava.

As perguntas vinham logo em seguida, eram as mesmas:
-Você viu mamãe?
-Passei na casa dela agora.
-Mas mamãe vai dormir sozinha?
– Mãe vai dormir com ela. Não precisa se preocupar.
Só para esclarecer que a nossa avó desencarnou em 1961 e a nossa mãe em 2011. Para os médicos esses são delírios, assim como são considerados delírios as visitas que eles dizem receber já se aproximando do desencarne. A orientação de Médiuns videntes quando estão presentes durante estas visitas, é que realmente são os Espíritos amigos que estão os preparando para o retorno a Casa Espiritual.

Jamais dê a entender que não são verdadeiras essas visões. Eles fiam tranquilos quando não são questionados. Se insistirem mudem de assunto ou lhes responda de forma que lhes tranquilize.

Compreender, amar e jamais rejeitar. Para quem está vivendo fora do processo, deixe que a família e os médicos cuidem desse paciente. Além do mais, não questione o diagnóstico. Ele só poderá ser dado com 100% de certeza, se após o desencarne, o cérebro for analisado. Assim, só nos resta dizer: tudo passa, mas o amor por ele ou por ela permanece em seu coração.

Para finalizar, quero dizer, como contribuição para quem está vivendo esse triste processo, que aproveitem para viverem esses momentos agradecendo a Deus ou a divindade que se acredite, por termos tido a oportunidade do aprendizado. E apesar de haver qualquer discórdia, se houver, não deixem para depois os pedidos de perdão e a oportunidade de um grande abraço de carinho e gratidão. Pode não haver um amanhã. E mesmo que ele ou ela olhe pra você e diga: – Mas eu não sei quem você é! Apenas responda, mas eu te conheço e te amo muito.

Pois de todos os sentimentos nobres, estão o perdão e o amor. Quando partimos só levamos nossas ações e nossos sentimentos. Que sejam nobres!

 

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