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O essencial é visível aos olhos

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Cotidianamente eu me deparo com uma enorme quantidade de bugigangas e quinquilharias absolutamente inúteis, mas que fazem meus olhos brilharem. São jogos de porcelana, estatuetas de alabastro, migalheiras de prata, sem falar na infinidade de obras de arte que fazem com que eu suspire. Há, ainda, uma infinidade de berloques e balangandãs com os quais eu gostaria de me enfeitar. Contudo, a pouca prudência financeira que possuo (ou talvez o baixo limite no cartão de crédito) me impedem de adquirir toda coisa bela na qual meus olhos repousam.

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Contudo, apesar de não adquirir os ditos itens eu tenho a consciência de que a beleza, ou o “belo” (tudo aquilo na arte capaz de nos gerar emoções, sejam elas boas ou ruins) como chamam os especialistas, é, sem dúvida alguma, a coisa mais essencial à vida. A engenhosidade humana já é capaz de sustentar a vida ainda que sem órgãos vitais.

Corações, pulmões e rins mecânicos são uma realidade no meio médico. Contudo, a emoção que uma música ou um pôr do sol nos causam são algo totalmente intrínsecos à condição humana. E, talvez por isso mesmo, a coisa mais importante na vida.

Nunca fiz segredo dos desafios que enfrento cotidianamente com minhas doenças psiquiátricas, contudo tive a sorte de a depressão ser uma companheira breve, ainda assim, pude experienciar o vazio de emoções que essa doença causa. Lembro-me que chegava a me esbofetear na tentativa de sentir algo, lembro também que saí da crise ao ouvir uma música. Claro que o acompanhamento médico foi fundamental em toda a minha jornada, mas aquela música me fez sentir que o mundo fazia sentido outra vez. Ouso “corrigir” uma frase muito conhecida: sinto, logo existo. Os sentimentos são os frutos eternos da alma humana.

Oscar Wilde dizia que “A beleza é a única coisa que o tempo não pode prejudicar. Filosofias desmoronam como areia, e credos seguem um ao outro como folhas murchas de outono; mas o que é belo é uma alegria em todas as estações e um domínio para toda a eternidade”. E é sobre a falsa crença de que o belo não é útil que eu quero falar.

É famosa a história de que, durante a Segunda Guerra Mundial, batom virou um item de necessidade assim como comida, porque aquela pequena barrinha de cera pigmentada era a última coisa que separava as mulheres dos horrores da guerra. A leste e a oeste do Atlântico, com a partida dos homens para o front de batalha, as mulheres se viram com o dever e a oportunidade de ocuparem os cargos deixados por seus maridos, filhos, irmãos e pais. Assim, uma geração que nascera na expectativa de ser, como suas mães e avós, donas de casa, talvez professoras ou secretárias, tornou-se mecânicas industriais, oficiais militares, cientistas e médicas. E era o batom que mantinha o equilíbrio dessa balança tão instável entre o conhecido mundo da feminilidade tradicional e o mundo em que as mulheres se viram forçadas a se descobrirem capazes de tudo.

Como o batom vermelho na Segunda Guerra, a música, os filmes e séries nos mantiveram sãos por meses e meses de isolamento social. É verdade que o trabalho de profissionais da saúde, cientistas e todos os trabalhadores essenciais foram a barreira que nos protegeram de um número ainda maior de mortes, contudo, feliz ou infelizmente, os seres humanos são animais um tanto complexos demais para serem considerados sãos apenas com alguns exames laboratoriais que constatem a ausência de doenças em nossos corpos.

Durante a pandemia, e eu acredito que todos os dias de nossas vidas, o que nos mantém sãos e verdadeiramente vivos é a beleza, seja ela numa paisagem, numa flor, seja ela em uma canção.

Hoje já é amplo o debate a respeito do bem estar animal. Pobres galinhas poedeiras que passam suas vidas em pequenas gaiolas já não são mais consideradas saudáveis por não contarem com patologias ou parasitas. Hoje já se entende que as aves precisam de sol, de poleiros confortáveis, espaço para caminharem e uma alimentação variada. Aos seres humanos os mesmos parâmetros se aplicam, mas para além disso precisamos de hobbies, relações saudáveis com amigos e familiares, sem contar em conceitos mais profundos e, por isso mesmo, mais importantes como felicidade e realização pessoal.

Ainda que moradia digna, uma alimentação composta de todos os nutrientes que o nosso corpo precisa, serviços de saúde e educação sejam a base de uma vida, não são apenas de casas que precisamos, precisamos de lares, não são apenas de nutrientes que precisamos mas sim de uma comida que nos agrade, que nos faça sentir bem, não é a ausência de doença que nos torna sãos, é a capacidade de termos corpos que nos permitam sermos felizes dentro deles, e não é apenas uma educação bancária constando de português e matemática que precisamos, precisamos de uma educação que nos mostre o tamanho do universo e a infinidade de possibilidades que temos para as nossas vidas.

Talvez estejam nos extremos do espectro econômico algumas luzes sobre a questão do que é essencial. Ainda que uma casa seja composta de paredes e teto, um jardim com flores ou belas folhagens é um dos elementos universais daquilo que nos trazem felicidade. Seja esse jardim feito de baldes velhos e garrafas reutilizadas contando com uma miscelânea de plantas na frente de uma casa pequenina ou um bem aparado gramado e plantas exóticas na frente de uma mansão murada.

O instinto de trazer as belezas da natureza para perto de nós é algo quase orgânico. Flores, em alguns momentos, podem ser mais importantes que fortes muralhas. Por mais difícil que esteja o nosso dia, as vezes o perfume de um jasmim em flor nos para em uma calçada estranha e nos diz que ainda há coisas boas no mundo. A violenta florada de um ipê no meio da cidade nos diz que, ainda que por um breve período de tempo, a vida pode ser toda flores.

No mesmo diapasão, unhas bem feitas e um cabelo cortado são algo que, ainda que varie de 5 a 5 mil reais, é algo que universalmente nos ajuda a sentirmos bem com nós mesmos.

A beleza no mundo e em nós é o que nos dá combustível para vivermos num que muitas vezes pode ser tão feio.

A beleza, seja ela na forma de uma flor ou de uma escultura, continua bela, ainda que não saibamos quem foi o artista ou o significado daquela peça ou que não saibamos o nome da flor, e a que planta pertence. Séculos passaram e ainda nos encantamos com a beleza de obras feitas no antigo Egito ou com as rosas que crescem em jardins ao redor do mundo.
Ainda que os meandros do culto a Atena tenham se perdido nos séculos, estátuas da deusa ou seu templo na capital da Grécia continuam encantando multidões mesmo depois de séculos de intempéries, terremotos e guerras.

Pouco nos interessa, e até nos choca, as práticas de sangrias, pequenas cirurgias e práticas odontológicas feitas pelos barbeiros do século 17, contudo, a pintura, a música e a arquitetura daquela era ainda nos enche o peito de alegria e os olhos de beleza.

A ciência, as contas pagas, as fortunas adquiridas e toda sorte de coisas “úteis” e “importantes” fenecem com o passar do tempo, só a beleza permanece. Que sejamos prudentes e nos asseguremos do necessário, mas que não nos esqueçamos que o que é verdadeiramente essencial, aquilo que nos dá vontade de viver e nos traz alegria, muitas vezes é visível e sempre é belo.

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