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A Carta do Povo

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Mal acredito que já se passaram dez anos desde que entrei no antigo prédio da faculdade de direito da Paraíba pela primeira vez. Aquele final de 2012, depois de uma das maiores greves da história da Universidade Federal, quase um ano em casa, em antecipação pelo que viria a seguir.

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É verdade que aquele primeiro período, naquele prédio que outrora fora o colégio dos jesuítas, foi um dos mais importantes em toda a minha formação acadêmica senão humana. Além de amizades que se mantém até hoje, foi ali que comecei minha caminhada na vida adulta, comecei a entender “como o mundo gira”. Não é segredo para ninguém que a parte jurídica, forense, da carreira nunca me interessou, contudo, ali aprendi a bases humanas da formação da carreira.

Por mais nobre que seja o ofício dos juristas, nunca me vi naquela posição de litigio, de defender o meu ponto de vista, ou como eu gosto de dizer, de arengar. Minha personalidade é muito mais pacifista do que o necessário para tanto.

Contudo, ali aprendi lições sobre o direito, sobre todos os direitos, aliás, que acredito serem muito mais importantes do que qualquer prazo ou forma de se entregar um pedido a um tribunal. Mais do que a própria lei em si, aprendi os motivos que embasar a criação de uma norma, os sujeitos envolvidos no processo, e talvez tão importante quanto tudo isso, o tempo histórico em que tudo isso está inserido.

No último dia 5 de outubro, completou-se 35 anos na promulgação da nossa atual constituição, a chamada “Constituição Cidadã”. Uma das sete que já tivemos em toda a nossa história. Se considerarmos a Constituição Imperial de 1824, outorgada por Dom Pedro I, que apesar de não ter passado por um processo legislativo no qual representantes do povo elaboram sua própria constituição, foi, de certa forma, vanguardista em si mesma. O novo império que surgia nas Américas, dava ao seu povo uma norma escrita que restringia os poderes de seu monarca. Um luxo que muitas nações europeias desconheciam até então.

Depois dos inúmeros golpes que moldaram as mudanças no poder em nosso país, cada um deles veio acompanhado de seu novo conjunto de normas. Com o golpe militar que pôs fim ao Império, tivemos a Constituição de 1891, que durou até o novo golpe, dessa vez encabeçado por Getúlio Vargas e seu Estado Novo que nos deu as Constituições de 1934 e 1937; Com o fim do Estado Novo e a renúncia de Vargas em 1945, tivemos uma nova carta em 1946 (a primeira até então elaborada por representantes eleitos em um regime plenamente democrático), esta que durou apenas até a outorga da nova Constituição elaborada pelo Regime Militar em 1967, após ela e os 21 anos de regime de exceção no Brasil, apesar de ainda não ter sido elaborada em um regime plenamente democrático (ainda não havia acontecido a primeira eleição direta para Presidente da República), promulgou-se uma constituição que hoje, 35 anos depois, ainda podemos chamar de progressista.

A elaboração da Constituição Cidadã, se deu num cenário que apesar de não ter contado, em 1985, com eleições diretas para Presidente da República, já contava com governadores, senadores e deputados diretamente eleitos pelo povo. Eleição esta realizada no final de 1986 em que foram eleitos os futuros membros da Assembleia Nacional Constituinte.

O trabalho de redação da Constituição foi árduo e longo. Isso se deu, em grande medida, pela novidade da amplitude de grupos ali representados, não mais sendo a assembleia formada apenas pela elite econômica que sempre esteve no poder. A democracia tem seus custos. Inclusive temporais. Foram enviadas 122 emendas populares para a Constituinte, essas continham a assinatura de mais de 12 milhões de pessoas.

A Assembleia Constituinte teve a participação de 559 congressistas, focados em garantir que o novo regime democrático assegurasse os direitos e liberdades que os cidadãos tanto almejaram durante as décadas de regimes autoritários no país. Mas principalmente, de que as novas instituições formadas a partir dali fossem capazes de se sustentar em momentos de crise política para que não voltássemos ao vai e vem de golpes e implantação de regimes autoritários tão comuns em nosso país e em toda a América Latina.

Durante um ano e oito meses em que se debateu até a falta de banheiros femininos no Palácio do Congresso Nacional, Ulysses Guimarães, o presidente da Constituinte, apresenta no dia 5 de outubro o texto final da Constituição. Símbolo máximo do período pós-ditadura, conhecido como Nova República.

De lá para cá vimos impeachments, ex-presidentes condenados e presos, outros violarem a mais simples noções de democracia e senso de Coisa Pública. Sem falar na constante falta de decoro parlamentar que se tornou cotidiana nas câmaras do Congresso Nacional. Vimos também, membros eleitos por um sistema que preza e prega a democracia, discursarem e defenderem abertamente a extinção do sistema democrático e as suas instituições, defenderem o retorno de regimes de exceção e o fim de liberdades civis e políticas que foram conquistadas através de décadas, senão séculos, de luta do povo deste país.

Mas aparentemente, o trabalho feito pelos constituintes de 88 foi robusto e resistente. A trancos e barrancos estamos sobrevivendo. Ao mesmo tempo que vimos deputados bradando pela volta do regime militar, também estamos vendo negros, indígenas, mulheres, pessoas trans, homossexuais, e tantas outras pessoas que por séculos foram relegados a posições de marginalidade na sociedade, tomarem o centro do debate para si e para os seus e garantirem, através da lei e das bases dadas pela Constituição, pela Carta do Povo, para que cada dia mais nossas leis, nossas instituições nosso povo e nosso país gozem de mais direitos e liberdades e que possamos, juntos, lutar para que nunca mais nos vejamos na posição de nos vermos tolhidos do direito de sermos livres.

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