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No tempo em que o México invadiu o Brasil

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O artigo que se segue é da lavra do engenheiro, advogado, pesquisador e escritor Flavio Brito e foi publicado originalmente no nosso sitio no ano de 2022.

Na sexta feira próxima passada fomos entrevistados na nova Radio Borborema rediviva,  pelos radialistas Fátima Silva e Júlio César Bronzeado. A saudosa emissora fundada em agosto de 1949 feneceu no ano 2000, deixando um legado indelével na história de Campina Grande.

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Pelo seus microfones e pelo seu auditório passaram expoentes da musica, do cinema, das artes cênicas e da política, entre os quais um nome internacionalmente conhecido que foi o mexicano/espanhol Agustin Lara, presente no magistral texto do articulista  Flavio Brito.

Depois da entrevista recebemos vários pedidos de  informações sobre a saudosa Radio Borborema de Campina Grande, recentemente resgatada sob o formato digital por um grupo de abnegados da história e da arte. Daí a decisão da editora chefe Gorette Wanderley,  de editar o texto com uma roupagem nova para fugir um pouco do amadorismo compreensível dos primeiros passos do sitio de Joao Vicente Machado.

Vem comigo, vamos ler juntos ?

 

 

Costuma-se chamar de Invasão Britânica a avalanche de bandas de rock inglesas que, em meados da década de 1960, inundou o mercado fonográfico dos Estados Unidos, e, em decorrência, o do restante do mundo. Comandados pelos Beatles, formavam na tropa os Rolling Stones, The Animals, The Herman’s Hermits, The Kinks, The Dave Clark Five, dentre outros grupos.

O Brasil, também, havia sido submetido, anos antes, a uma invasão musical semelhante àquela provocada pelas bandas inglesas nos anos 1960, que foi a do gênero musical bolero, majoritariamente de origem mexicana. Durante parte das décadas de 1940 e 1950, o bolero entrou, de forma avassaladora nos rádios e nos espetáculos de música no País, chegando a exercer inegável influência sobre a música popular brasileira que era feita na época e que se estendeu, também, pelas décadas seguintes, como mostram os exemplos de três obras-primas da nossa canção, que são boleros típicos:

Começaria Tudo Outra Vez, de Gonzaguinha: […] Ao som desse bolero / Vida, vamos nós / E não estamos sós / Veja meu bem / A orquestra nos espera / Por favor! / Mais uma vez, recomeçar.

Anos Dourados, de Tom Jobim e Chico Buarque: Parece dezembro / De um ano dourado / Parece bolero […]

Dois pra Lá, Dois pra Cá, de João Bosco e Aldir Blanc: […] Meu coração traiçoeiro / Batia mais que o bongo / Tremia mais que as maracas / Descompassado de amor […]

O bolero, na forma que hoje se conhece, era originário da Espanha, de onde foi para Cuba, tendo lá se miscigenado com a música negra existente na ilha, transformando-se em uma música ritmada e dançante. De Cuba, o bolero migrou, através da península próxima de Yucatan, para o México, onde perdeu parte da sua força rítmica e se suavizou em langorosas canções que, invariavelmente, cantavam desilusões, amores impossíveis ou desfeitos. E foi, principalmente, esse bolero asteca que aportou no Brasil, atraído, de início, pelos shows que eram realizados nos vários cassinos que aqui, então, funcionavam regularmente, em número que chegou a atingir, em todo o País, quase oitenta casas de jogos devidamente legalizadas.

Para o cronista Rubem Braga, naquele tempo “era tudo bolero, e o bolero era tão forte que pressionou o samba-canção, criou o sambolero. Única força a enfrentá-lo foi o baião, mas quem o derrubou foi o general Dutra, fechando os cassinos; sem o dinheiro do jogo, adeus bolero”. Apesar da existência de lei que estabelecia que os impostos provenientes da operação dos cassinos deveriam ser destinados para obras beneficentes, isso era feito de forma discutível, ao ponto de um importante jornalista da época, J. E. Macedo Soares, escrever que o Brasil se tornara “uma formidável empresa de pano verde” e que o governo de Getúlio Vargas “era sócio da jogatina”.

O decreto de proibição dos cassinos, editado três meses após a posse do general Eurico Gaspar Dutra, considerava que “a tradição moral, jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à exploração dos jogos de azar”. Mas, dizem, que a inspiração maior da decisão do Presidente, foi mesmo de Dona Carmela, a mulher do general, conhecida com Dona Santinha, pela sua extrema religiosidade, a tal ponto de ter sido construída uma capela no Palácio Guanabara para que ela pudesse cumprir suas alongadas orações.

O fechamento dos cassinos estancou a enxurrada de artistas internacionais que vinham se apresentar no Brasil, que eram, majoritariamente, cantores mexicanos de bolero, como Pedro Vargas, Tito Guizar, Trio Los Panchos e outros. Esses artistas mexicanos eram tão populares, na época, quanto Orlando Silva, Francisco Alves, Dalva de Oliveira ou qualquer outro dos mais conhecidos cantores brasileiros. Que não se confunda este relato da grande penetração do bolero no Brasil naquele tempo, um fato incontestável, com qualquer ilação relacionada com má qualidade das músicas de bolero, o que, com efeito, não é verdadeiro. O gênero produziu, e vem produzindo, canções de grande qualidade. E o México se equipara a Cuba quando se trata de grandes compositores de boleros.

Para citar somente alguns compositores mexicanos de bolero, do final da primeira metade do século 20, com suas músicas mais conhecidas:

Alvaro Carillo, Sabor a Mi e Sabra Dios; Luiz Demetrio, La Puerta e Quién Será? (Sway, nos EUA); Alberto Dominguez, Perfídia e Frenesi; Roberto Cantoral, La Barca e El Reloj, Regalame esta Noche. E as mulheres: Maria Grever, Te Quiero Dijiste e Cuando Vuelva a Tu Lado que, de tanto ser regravado nos EUA como What a Difference a Day Makes, há quem pense que a música foi feita lá; Consuelo Velasquez, a grande pianista e compositora de Cachito e Besame Mucho.

Mas, o artista mexicano que deu projeção internacional à música do seu país foi Ángel Agustín María Carlos Fausto Mariano Alfonso Rojas Canela del Sagrado Corazón de Jesús Lara y Aguirre del Pino, mais conhecido, simplesmente, como Agustín Lara. Pianista, compositor, cantor, chefe de orquestra e poeta, Agustín Lara era chamado por seus conterrâneos de El Flaco de Oro (O Magro de Oro).

Agustin Lara teve a sua vida marcada por casos nebulosos, que ele próprio se encarregava de tornar ainda mais ambíguos ao dar veracidade às várias versões que sobre eles corriam. Esses episódios dramáticos que envolveram Lara compunham um autêntico dramalhão mexicano. Agustin Lara não era, efetivamente, o que se poderia considerar, como se dizia antigamente, um indivíduo bem apessoado, ou um sujeito “guapo”, como se diz na língua espanhola. Muito magro, sisudo, usava dentadura postiça desde os vinte anos e ostentava na face uma funda cicatriz, que ia do canto da boca até a orelha. Como teria surgido a cicatriz é um daqueles fatos misteriosos da vida de Lara. Dentre as muitas versões, escolhi a do brasileiro Zuza Homem de Melo, que diz que Lara teria comunicado a uma namorada o fim do romance, “inconformada, ela atacou-o enquanto dormia com uma adaga […] É o primeiro episódio de uma série que o converteu em um verdadeiro mito do bolero mexicano”.

Apesar dos seus parcos atributos físicos, Agustin Lara teve amores com incontáveis mulheres, dentre eles seis casamentos de papel passado, um deles com a atriz de cinema Maria Félix, que era considerada uma das mulheres mais bonitas do México na época.

As músicas compostas por Agustin Lara eram atribuídas a supostas motivações, que nem sempre eram verdadeiras, o que, também, contribuía para que ele se tornasse, cada vez mais, uma figura lendária. Para Maria Félix, ele teria feito duas das suas mais conhecidas músicas: Maria Bonita e Noche de Ronda.

Um dos maiores sucessos de Agustin Lara teria sido composto para ser interpretado por Jose Mojica, cantor e ator mexicano.

Apesar de adorado pelas moçoilas da época, Jose Mojica deixou a carreira artística para se devotar ao amor de uma única Maria.

Entrou na Ordem dos Franciscanos passando a ser o Frei José Francisco de Guadalupe Mojica. E, foi vestindo o hábito religioso, que Frei Jose Mojica participou, em 1950, da primeira transmissão de televisão no Brasil, cantando os amorosos versos de Solamente Una Vez, uma das grandes canções feitas por Agustin Lara.

Outra faceta do El Flaco de Oro foi, sem nunca ter ido antes à Espanha, compor uma série de canções dedicadas a cidades espanholas, Toledo, Sevilha, Madri, e a mais famosa delas, Granada. Dizem que Lara teria recebido, do então ditador espanhol Francisco Franco, como gratidão por ele ter reverenciado as terras castelhanas, uma mansão na cidade de Granada.

Em junho de 1952, em uma das vezes em que esteve no Brasil, Agustin Lara veio à Paraíba. Comandava a sua orquestra com vinte componentes e que tinha Consuelo Vidal como principal cantora. Fez apresentações na capital do Estado, na Rádio Tabajara e no Clube Astréa, e, em Campina Grande, apresentou-se sob o patrocínio da Rádio Borborema, que fazia parte do mais poderoso grupo de comunicação do País na época, pertencente ao paraibano Assis Chateaubriand.

Agustin Lara morreu, em 1970, na cidade do México. Tinha 70, ou 73 anos (até a sua idade é incerta). Foi enterrado no Panteão dos heróis nacionais, onde estão os restos mortais de outros artistas mexicanos, como os pintores Diego Rivera e Siqueiros. Existem estátuas de Lara em várias cidades mexicanas. Mas, não é somente na sua terra que Agustin Lara é reverenciado. El Flaco tem estátuas suas em Los Angeles, em Havana e em Madri.

Na capital da Paraíba, não existem ruas ou praças com nomes de Dorival Caymmi, Pixinguinha, Cartola, Antonio Carlos Jobim ou mesmo dos paraibanos Zé Marcolino ou Zé do Norte. Mas, um atuante edil do município, muito provavelmente amante dos boleros, não se esqueceu do Magro de Ouro. Existe na Cidade de Nossa Senhora das Neves uma rua com o nome de Compositor Agustin Lara.

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