No primeiro dia de dezembro de 1640, um golpe de Estado promovido por setores da aristocracia portuguesa acabava com seis décadas de domínio espanhol sobre Portugal. Apesar do rompimento oficial do que comumente se chama de União Ibérica, a restauração da independência portuguesa ainda demoraria um alongado tempo para se consolidar de forma efetiva. Para a historiadora Ana Paula Megiani, “foram necessários ainda 28 anos de lutas no interior da península, entre portugueses e espanhóis, que se desdobraram nas colônias ocupadas, tal como ocorria com os holandeses no Nordeste do Brasil”.
A nova situação decorrente da ruptura luso-espanhola alterou radicalmente as alianças de Portugal na Europa. Durante o período de 1580 a 1640, em razão da subordinação lusitana à monarquia castelhana, Portugal, que anteriormente à união das duas Coroas ibéricas tinha uma posição de neutralidade com relação aos conflitos europeus, havia sido levado a se envolver nos enfrentamentos que o Reino de Castela mantinha com outras nações, como foi o caso dos Países Baixos. Com o novo ambiente que sucedeu à restauração da independência portuguesa, “a Portugal e à Holanda interessava o aliarem-se a guerrear o inimigo comum”, a Espanha, como escreveu Francisco Adolfo de Varnhagen.
Em junho de 1641, portugueses e neerlandeses firmaram, em Haia, um Tratado de trégua que suspendia as hostilidades entre as duas nações. Apesar disso, no Brasil, Maurício de Nassau aproveitando-se do fato de que o Tratado ainda não havia sido ratificado por Portugal (o que só ocorreu seis meses depois da sua assinatura) empreendeu, durante o ano de 1641, expedições de conquista a territórios portugueses no Brasil e na África ocidental, o que fez com Sergipe, Maranhão, Angola e São Tomé passassem ao domínio dos batavos.
As novas conquistas dos neerlandeses requeriam, por consequência, novos encargos. A incorporação dos territórios exigia reforços militares para conservá-los, mas a Companhia das Índias Ocidentais – WIC passava, naquela época, por enormes problemas financeiros e, segundo Evaldo Cabral de Mello, “pretextou a assinatura da trégua luso-neerlandesa de 1641 para reduzir drasticamente seus efetivos no Brasil, dispensando igualmente inúmeros oficiais”. Nassau, em correspondência enviada aos Países Baixos, no ano seguinte, expunha a situação que, segundo ele, prenunciava uma rebelião dos luso-brasileiros:
“Em nenhum momento da guerra, nossas possessões no Brasil estiveram em maior perigo do que atualmente, porque os portugueses, apesar do juramento de fidelidade que prestaram ao nosso governo […] afirmam que o seu rei não pode manter-se sem o Brasil, o reino de Angola e a ilha de São Tomé […] Queixam-se com amargura de que […] privamo-los de seus conventos; e que membros do seu clero haviam sido expulsos da colônia […] devem à Companhia mais de 5,7 milhões de florins. O fruto do seu trabalho incessante mal lhes permite pagar os juros dessas dívidas […] Todos esses motivos […] serão suficientes para induzi-los a empreender alguma tentativa; e oferecida a ocasião pela fraqueza de nossas forças, farão uma revolta geral”.
Para Evaldo Cabral de Mello, “desde fins de 1641, no apogeu de um governo que acabara de expandir os territórios da WIC dos dois lados do Atlântico Nassau começara a dar-se conta de que a independência portuguesa poderia ter sido um mau negócio para o Brasil holandês”. Além da redução nas forças batavas na região, do desagrado dos portugueses com os ataques traiçoeiros dos holandeses aos seus territórios, quando a paz entre as nações já estava firmada, um fato foi determinante para criar no Brasil holandês um ambiente de intranquilidade: a situação econômica decorrente da queda do preço do açúcar no mercado europeu. Conforme expôs Evaldo Cabral de Mello:
“Sob o impacto da queda do preço, o valor dos imóveis no Recife reduziu-se em um terço; a receita fiscal da WIC sofreu na mesma proporção; e em quatro anos o tráfego marítimo entre metrópole e colônia contraiu-se de 56 embarcações para catorze”.
Agravando a situação naquele momento havia uma grande insatisfação por parte dos proprietários luso-brasileiros que haviam contraído, a partir de 1640, financiamentos com os holandeses, segundo Evaldo Cabral de Mello, “a taxa de juros, que chegou a 3%, 4% e até mais ao mês”, na expectativa de que a armada luso-espanhola comandada pelo Conde da Torre, que restou fracassada, conseguiria reconquistar a região, o que os desobrigaria de pagar os empréstimos. No relato de Joan Nieuhof, empregado da WIC em Pernambuco naquela época, “assim, ante a contingência de pagarem quantias exorbitantes e a alternativa de se arruinarem completamente, os senhores de engenho passaram a defender suas propriedades pela força. A situação, portanto, se encaminhava francamente para uma insurreição geral”.
Em março de 1942, segundo Evaldo Cabral de Mello, “Nassau já se dera conta de que, em vez de consolidar o Brasil holandês, a restauração da independência portuguesa constituía uma ameaça a seu futuro” e o historiador pernambucano, com a autoridade de respeitado estudioso desse período histórico, foi afirmativo quando escreveu que “o Brasil holandês começou a desandar em 1642”.
Por essa época, começaram as divergências entre Maurício de Nassau e a direção da Companhia das Índias Ocidentais nos Países Baixos, em razão das dificuldades financeiras por que passava a Companhia e que motivaram a redução das tropas batavas no Brasil holandês e na própria manutenção pessoal de Maurício de Nassau em Pernambuco. Além disso, o grande poder concentrado nas mãos de Nassau desagradava aos demais membros da administração holandesa no Brasil que, também, denunciavam os elevados custos que a WIC tinha com ele. Segundo Evaldo Cabral de Mello, “como sempre, Frei Manoel Calado achava-se bem informado do que se passava nos bastidores do Brasil holandês”, tendo o frade escrito sobre a situação no seu livro “O Valeroso Lucideno”:
“Neste tempo, chegou uma nau de Holanda, e trouxe ordem para que ao conde de Nassau se lhe tirasse a metade do estipêndio que lhe davam […] porquanto a Companhia estava mui pobre e não podia fazer tantos gastos, nem sustentar ao conde tão grande número de criados como tinha; e também os do supremo Conselho lhe tinham ódio, e o desejavam ver fora da terra, porque ele era o que despachava tudo […] e eles estavam postos ao canto, sem proveito algum […] e assim pediram aos de Holanda que lhe tirassem o cargo, e o mandassem ir de Pernambuco, porque havia de resultar em grande proveito da Companhia”.
Nassau soube que a WIC o havia sido dispensado em abril de 1642. Por interferência do governo neerlandês, foi prorrogada a sua permanência no Brasil, mas, segundo Evaldo Cabral de Mello, “ao receber finalmente sua dispensa pela Companhia, ele recusou-se a transmitir o governo até o recebimento da correspondente ordem dos Estados Gerais, de quem era igualmente delegado”. Por fim, em maio de 1644, Nassau deixou o Brasil. Na narrativa de Frei Manoel Calado:
“Chegou o dia em que o Conde de Nassau se partiu de Pernambuco para a Holanda […] e foi por terra a se embarcar na Paraíba, e na jornada o acompanharam […] muitas das pessoas graves dos portugueses por se mostrarem agradecidos a alguns favores que haviam recebido de sua mão”.
Gaspar Barléu, escritor holandês que nunca esteve no Brasil e que escreveu um livro sobre os anos de Maurício de Nassau no Nordeste brasileiro, obra encomendada e paga pelo próprio Nassau, narrou de forma triunfal e afetada o cortejo que levou, do Recife para o porto da Paraíba, o destituído governador do Brasil holandês, de onde ele embarcaria para a os Países Baixos:
“Achava-se prestes nas costas da Paraíba a frota que ia levar Maurício para a pátria […] Abalaram-se as cidades e as vilas, as aldeias e os campos. Dos engenhos e casais havia confluído ingente multidão para significar o seu pesar pela partida daquele cujo governo equitativo havia experimentado. Era de ver a turba de pobres, de ricos, de velhos e de jovens, em bandos promíscuos, que ora lhe vinham ao encontro, ora o acompanhavam e logo o rodeavam, manifestando-lhe, com lágrimas e aclamações a sua simpatia”.
Nas narrativas de Frei Manoel Calado e de Gaspar Barléu um fato desperta a natural curiosidade do leitor. O que teria motivado Maurício de Nassau a deixar o Recife para embarcar na Paraíba de volta para a Holanda? E por qual razão, também havia embarcado na Paraíba retornando para os Países Baixos, em outubro de 1639, o Conselheiro neerlandês Adriano van der Dussen? E Krzysztof Arciszewski, o capitão polonês que participara da conquista da Capitania da Paraíba pelos batavos, que partiu para Holanda, em maio de 1639, do porto da Paraíba?
Talvez a resposta mais razoável para as partidas de navios para a Holanda que eram feitas na Paraíba tenha fundamento no regime dos ventos na região, que eram direcionados favoravelmente, em determinados períodos do ano, para a navegação para o norte. Como um exemplo da atuação das correntes marítimas no litoral nas proximidades da barra do rio Paraíba pode-se apresentar um episódio narrado pelo francês Pierre Moreau, que prestava serviços à WIC, no qual ele relata que, em determinado momento, se encontravam no porto “sete navios carregados de açúcar e prestes à partir para a Holanda, esperando só o vento” quando foi dada uma ordem para que “quatro navios voltassem ao Recife, mas o vento contrário jogou-os no Rio Grande, a sessenta léguas além para o norte”.
No relato de Gaspar Barléu, quando da partida de Maurício de Nassau da Paraíba, um grupo da nação Tapuia, aliada dos holandeses, enviado pelo chefe Janduí, veio se despedir de Nassau, tendo alguns indígenas o acompanhado na viagem para a Holanda “a fim de verem terras, astros, povos ignotos”, conforme as palavras de Barléu. E o escritor neerlandês descreveu uma cena com os Tapuia ocorrida no embarque de Nassau:
“tão grande o empenho de cada um em testemunhar-lhe o seu afeto que, empurrando para trás os holandeses como por emulação, tomaram-no sobre os ombros, conduziram-no carregado desde a praia e através das ondas até o escaler, e, voz em grita, repetiam-lhe, a seu modo e em sua língua, os seus adeuses”.
Das treze naus da esquadra que transportou Maurício de Nassau para a Holanda, duas embarcações levavam a sua mudança. Dentre as variadas peças, iam pinturas e gravuras, botijas de farinha de mandioca, frutas cristalizadas, toros de jacarandá e, conforme a narrativa de Barléu, “muitas cousas exóticas, que aqui os batavos admiram como raras e nunca vistas”, inclusive uma simples rede de dormir na qual, tempo depois, o embaixador inglês em Haia encontraria Nassau aboletado.
A partida de Maurício de Nassau para os Países Baixos atiçaria, entre os luso-brasileiros, a chama da insurreição. Para o historiador inglês Charles R. Boxer, Nassau “teve a perfeita compreensão da importância de conciliar os agricultores e moradores com a administração holandesa”. Com esse seu procedimento, segundo o português Diogo Lopes Santiago, que residia na época em Pernambuco, Nassau conseguiu ter o apoio de parte dos moradores do Brasil holandês “porque sempre os favorecia por ser bem inclinado, e assim era benquisto de todos”. Com o retorno de João Maurício de Nassau para a Holanda, os holandeses, nas palavras de Frei Manoel Calado, “começaram a molestar de novo aos moradores” e, conforme escreveu Evaldo Cabral de Mello, “a conspiração luso-brasileira tomou vulto”.