Em meus estudos cotidianos eu me deparo com temas desconhecidos pela maioria da população. Na última semana vi o ressurgimento de um tema que há muito não via discutido: o direito do mar.
Quando se diz que o fundo do mar é mais desconhecido pela humanidade do que a superfície lunar, não se trata de uma hipérbole. E além do conhecimento científico, a abrangência legislativa sobre o tema também é mais amplo no espaço do que no fundo dos mares.
No direito internacional estabelece que é responsabilidade de cada país uma zona que se estende 350 milhas náuticas a partir do início da linha d’água na maré baixa. Trocando em miúdos: verifica-se o ponto mais distante que o mar alcança durante a maré baixa, e dali mede-se 350 milhas náuticas, ou cerca de 650km mar adentro. Deste ponto em diante, o mar é tido como uma área “sem dono”, e, consequentemente, “sem lei”.
É aí que entra o direito internacional. No caso, a Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos, braço da ONU que supervisiona o fundo do oceano. Nesta área, todos os recursos são considerados “patrimônio comum da humanidade”, o que por si só já é um tema debatível, que coloca os recursos ali encontrados numa área cinzenta entre o “pertencer a todos” o “não pertencer a ninguém”,
Nos limites territoriais do país, a legislação doméstica é que é responsável pela administração da pesca, navegação, exploração e preservação dos recursos marinhos, sejam eles peixes ou minerais.
No último dia 10, a nação de Nauru, uma pequena ilha do Oceano Pacífico, solicitou à Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos que o direito de mineração no fundo do mar fosse resolvido no prazo de até dois anos (gatilho previsto na legislação do órgão), então, a autoridade internacional tem, a partir de agora, um prazo relativamente curto para deliberar e estabelecer uma legislação que possa ser seguida por todos os países do globo no que se refere a mineração marinha.
Considerando-se apenas a questão legislativa do pedido, isso já seria, por si só, uma questão delicada. Estabelecer diretrizes, normas e regras a serem cumpridas por quase a totalidade dos países do mundo no que se refere ao alto mar e sua exploração não é uma tarefa simples. Além de envolver tempo e um conhecimento científico que ainda não possuímos, exige um nível de cooperação internacional que parece ser inconcebível no cenário global em que vivemos.
Apesar de a Autoridade afirmar que nenhum empreendimento de mineração pode ser desenvolvido nos próximos dois anos, dentro desse prazo deverá ser executada uma tarefa hercúlea para que preservemos ecossistemas dos quais conhecemos muito pouco.
Os que advogam em favor da mineração no fundo do mar, dizem que os recursos minerais que são buscados, são fundamentais para a revolução energética que precisamos criar nos próximos anos antes que o clima terrestre colapse completamente, ainda, dizem que por se tratar de uma mineração subaquática, o gás carbônico, grande vilão do aquecimento global, emitido nas atividades mineradoras, ficaria preso na água não sendo liberado pela atmosfera como ocorre com as estruturas mineradoras convencionais.
Outro exemplo dado em favor da mineração marinha é de que, tirando o continente antártico, cada palmo de terra emersa na superfície terrestre pertence a alguém e, por isso, questões políticas impossíveis de serem contornadas, muitas vezes impedem a exploração de recursos minerais essenciais. A República Democrática do Congo, por exemplo, um dos maiores detentores de reservas de cobre no mundo, hoje passa por questões internas de conflitos étnicos, impedindo, assim, a exploração desse recurso fundamental para o desenvolvimento energético global.
No caso de Nauru, com sua pequena população de apenas 12 mil habitantes e meros 21 quilômetros quadrados de extensão, firmou uma parceria com a empresa de mineração DeepGreen, afirmando que tem muito a perder com as mudanças climáticas e vê nos chamados “nódulos”, pequenas rochas ricas em cobalto e cobre no formato de batatas que polvilham o solo marinho a mais de quatro mil metros de profundidade, uma possibilidade de contribuir com a sua economia e sua população e, ainda, contribuir para o desenvolvimento de alternativas energéticas sustentáveis que precisam desses minerais.
Contudo, a pequena ilha do Pacífico não é a única a se embrenhar na mineração marinha. Mês passado, a Noruega abriu, de forma controversa, áreas no Mar da Groelândia, no Mar da Noruega e no Mar de Barents, totalizando uma área de 280 mil quilômetros quadrados, para que empresas de mineração solicitem licenças para exploração.
Apesar da oposição de países como Suíça, Espanha e Alemanha, empresas como The Metals Company, que tem parceria com a República de Nauru, a República de Kiribati e o Reino de Tonga, três nações insulares do Pacífico, pretendem levar adiante a solicitação de mineração marinha.
O argumento utilizado é o de que o fundo do mar oferece uma fonte promissora de matérias como cobre, cobalto e níquel, que são fundamentais para desde linhas de transmissões a baterias de carros elétricos.
Contudo, ambientalistas argumentam que as áreas a serem exploradas não são suficientemente conhecidas para que se estabeleça com certeza a extensão dos possíveis danos ambientais que a explosão mineral pode acarretar. A biologia marinha, como um todo, é relativamente desconhecida pela ciência moderna em sua complexidade.
Especificamente, a fauna e flora locais são ainda mais desconhecidos, bem como a importância dos chamados “nódulos” na dinâmica biológica local. Já se pôde observar que na área onde há uma maior presença dessas rochas há uma maior presença de vida marinha, e acredita-se que as rochas tenham fundamental impacto no ecossistema.
Para além, ainda é impossível determinar o impacto ambiental em áreas para além da imediatamente minerada, já que durante o processo de mineração se levantam nuvens de poeira que pode prejudicar a alimentação e desenvolvimento de seres filtradores como esponjas e moluscos; sem contar com a poluição luminosa e sonora que as máquinas e o próprio processo de mineração podem causar nos ecossistemas atingidos.
O processo de mineração marinha é um dos exemplos de situações que teremos de enfrentar em um futuro breve: a escolha do que é essencial e do que pode ser sacrificado. Nesse momento, mais do que nunca, países e organizações precisam estabelecer suas prioridades no que se refere a desenvolvimento, preservação ambiental e mitigação da crise ambiental.
Precisamos levar em consideração que sem o desenvolvimento econômico e social, a preservação ambiental é impossível, concomitantemente, precisamos levar em conta que a única possibilidade de desenvolvimento que nos cabe é um desenvolvimento sustentável a longo prazo. Assim, as soluções que existem ou venham a surgir precisam levar em conta não apenas o seu impacto local ou econômico, mas toda uma cadeia de reverberações socioeconômicas e ambientais que impactarão de pequenas nações insulares no Pacífico a países continentais como o próprio Brasil.
Vejamos o que as organizações e países nos reservam para o nosso futuro, e fiquemos sempre atentos já que não temos mais o luxo de nos omitirmos de nada. O futuro depende de nós, e, mais do que nunca, nossa participação e vigilância são fundamentais para que o futuro exista e, mais do que isso, o futuro exista para todos e que nesse futuro desigualdades entre povos e sociedades sejam extintas, e que o mundo em que nós vivemos não se volte contra nós pelos nossos abusos contra ele e os nossos.