O título deste artigo foi inspirado em duas frases que são muito intimas de quantos prestaram o serviço militar nos diversos quarteis das forças armadas brasileiras. São frases que fazem parte do script total daquilo que é chamado de ordem unida, que nada mais é do que uma forma de comunicação entre os oficiais e os comandantes subalternos da armada, por ocasião do ordenamento de alguma tarefa, ou missão como dizem eles.
O título, que resolvemos tomar por empréstimo, contém dois verbos entre os vários que são usados no dia a dia, como voz de comando na caserna. O primeiro deles é o verbo volver, derivativo do latim, volvere, que significa mudar de posição.
O segundo verbo é a palavra marche, derivativa de marchar, de se movimentar numa marcha, que pode ser acelerada ou lenta, a qual sempre é precedida do verbete ordinário. Portanto, a frase inteira que compõe o título, nada mais é do que uma simples e rotineira voz de comando.
Nas últimas semanas circulou com intensidade através da imprensa oficial e das redes sociais, uma notícia dando conta da decisão tomada pelo Ministério da Educação, a qual foi oficializada pelo Projeto de Decreto Legislativo-PDL 56/23. O decreto citado revogou um outro decreto de número 1004/19, de autoria do ex-presidente Jair Bolsonaro, em que foi criado o Programa Nacional das Escolas Cívicos-Militares-Pecim. A peça legal foi além e aproveitando a estrutura escolar existente nas escolas e colégios estaduais espalhados pelo país, autorizou também o funcionamento das chamadas Escolas Cívico- militar-Ecim.
É bom que fique bem claro para aqueles que ainda não têm conhecimento, que nada mudou nem foi extinto no ensino militar centenário. Esse tipo de escola que é remanescente ao período do império, é de responsabilidade do Exército e dispõe de uma rede nacional de Colégios Militares para a formação de jovens que optam por seguir a carreira militar.
A propósito os Colégios Militares citados funcionam nas cidades de: Belém do Pará, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Juiz de Fora, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Santa Maria, São Paulo, Vila Militar e Osório.
O Colégio Militar pioneiro, foi criado pelo decreto imperial Nr 10102 de 09 de março de 1.889 com o nome de Colégio Militar da Corte, e hoje em dia é o tradicional Colégio Militar do Rio de Janeiro.
Mas afinal de contas o que é o tal Pecim e o que são as Ecim?
Tanto o Pecim quanto as Ecim nasceram de um dos vários devaneios do ex-presidente Jair Bolsonaro. Vindo de uma origem como essa, torna-se necessária uma boa dose de curiosidade para descer às raízes da questão (por isso somos radicais) e conhecer em profundidade essa fixação militar do ex-presidente, ele que foi quase expulso da corporação.
De acordo com as informações que dispomos, consta que Bolsonaro Iniciou a sua tumultuada trajetória militar na Escola de Cadetes de Campinas em São Paulo, onde ingressou em 1973. Em 1974, período do governo ditatorial de Médice e o mais agudo da ditadura militar, ele foi aprovado e assegurou vaga na Academia Militar de Agulhas Negras-AMAN em Resende no Estado do Rio de Janeiro. Passou a ser integrante da turma Tiradentes como o cadete n° 531, onde ficou conhecido entre os seus pares pelo apelido de Cavalão. O apelido nada lisonjeiro, foi adquirido graças à disposição física demonstrada por ele durante os treinamentos físicos do curso, e com certeza pelos “gestos diplomáticos” que certamente já faziam parte da sua personalidade e do seu comportamento.
A Revista Veja, que sempre foi um órgão de imprensa alinhado e aliado com a direita e a extrema direita, mesmo sendo uma das vozes fieis ao establishment publicou uma matéria datada de 04 de novembro de 1987, sobre a efêmera vida militar de Bolsonaro na AMAN e as razões que levaram o exército a quase expulsá-lo da corporação. Veja a matéria completa em: O artigo em VEJA e a prisão de Bolsonaro nos anos 1980 | VEJA (abril.com.br)
Ao sair do quartel Bolsonaro ingressou na política onde exerceu mandatos variados entre vereador e deputado federal durante 30 anos. Após a experiência de quase 16 anos de governos do P.T, a extrema direita se decidiu a não mais ceder o menor espaço político aos partidos ditos de esquerda. As reformas, os puxadinhos ou quaisquer remendos na economia, que viessem beneficiar o povo, mesmo que de forma mínima e superficial, o modelo liberal capitalista burguês de há muito em uso no Brasil, não iria mais tolerar. Talvez tenham se inspirado na famosa modinha Cantiga de Caboclo onde um é pouco, dois é bom e três é demais.
A direita liberal burguesa, mesmo padecendo de uma anemia eleitoral crônica que sempre a obriga a comprar votos e fazer barganhas eleitorais, nunca se conformou em fazer quaisquer concessões à classe explorada. Nesse sentido fez uso exatamente da figura caricata e histriônica de Jair Bolsonaro, que era um Xerife fanfarrão ambicioso que com certeza iria fazer valer os seus anelos. O celebrou casamento foi perfeito enquanto durou.
Por um lado, o poder econômico precisava riscar da história um grande “mau exemplo” dos 16 anos de governos reformistas do PT, que houvera feito “concessões absurdas” aos párias. Por outro lado, Bolsonaro precisava se apaziguar com a Caserna de onde foi egresso e quase expulso. Na concepção dele, uma vez investido da condição de presidente da república, seria a sua volta triunfal à caserna. Em sendo ele o chefe supremo das forças armadas, além de ser a gloria total, seria o seu (dele) nivelamento por cima para a sua tão sonhada reabilitação total do fiasco da AMAN. Com a caneta na mão, ele poderia atender a todos os mimos sonhados pelos militares e reintegrar-se ao seu habitat, para exercer a velha prática coercitiva que sempre foi a sua marca registrada.
A ideia de criação de uma rede de colégios cívicos militares fazia parte do seu processo de reabilitação e lhe acompanhou desde a campanha eleitoral de 2018. Durante toda campanha ele personificava a imagem do paladino da moralidade, do valentão, do briguento, do fanfarrão e justiceiro que iria “salvar a pátria das garras do comunismo.”
CAPITULO I
DISPOSIÇÕES GERAISArt.1° Fica instituído o Programa Nacional das Escolas Cívicos Militares-Pecim, com a finalidade de promover a melhoria na qualidade na educação básica no ensino fundamental e no ensino médio.
§ 1° O Pecim será desenvolvido pelo Ministério da Educação com o apoio do Ministério da Defesa e será implementado em colaboração com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal na promoção de ações destinadas ao fomento e ao fortalecimento das Escolas Cívico-Militares – Ecim.
CAPÍTULO III
DAS DIRETRIZES
Art.5° São diretrizes do Pecim:I – elevação dos índices de desenvolvimento da educação básica, por meio de integração transversal com os programas do Ministério da Educação;
II – utilização de modelo para as Ecim baseado nas práticas pedagógicas e nos padrões de ensino dos colégios militares do Comando do Exército, das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares;
III – implementação do modelo das Ecim de forma gradual, nas modalidades fomento e fortalecimento, nos Estados, nos Municípios e no Distrito Federal;
IV – celebração de acordos de cooperação no âmbito da Administração Pública;
A Agencia de Notícias Brasil informou na edição do dia 12 de julho de 2023 que:
“O governo federal irá encerrar o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Esta semana, o Ministério da Educação (MEC) enviou um ofício aos secretários de Educação informando que o programa será finalizado e que deverá ser feita uma transição cuidadosa das atividades para não comprometer o cotidiano das escolas.
O Pecim era a principal bandeira do governo de Jair Bolsonaro para a educação. O programa era executado em parceria entre o MEC e o Ministério da Defesa. Por meio dele, militares atuam na gestão escolar e na gestão educacional. O programa conta com a participação de militares da reserva das Forças Armadas, policiais e bombeiros militares.”
A decisão do Ministério da Educação de encerrar o Pecim, serviu de pauta para os pescadores de águas turvas, costumazes saudosistas do bolsonarismo démodé. Essas figuras amorfas existem naturalmente, mas alguns delas são remanescentes ao governo passado. Portanto estão habituadas naquilo que mais sabem fazer que é espalhar notícias alarmistas, falsas e mentirosas.
À guisa de repor a verdade, é pertinente chamar a atenção de todos os leitores e internautas para alguns detalhes, inclusive para o desenho do esboço legal do projeto, que não pode nem deve passar desapercebido. Todos sabemos que o ex-presidente da república intelectualmente é sub-medíocre, e sem cognição suficiente para elaborar. Porém ele tinha e ainda conserva, os seus devaneios, os seus amuos e os seus caprichos, que muitas vezes passavam desapercebidos pelos outros dois poderes. Bolsonaro sempre teve o aval do real núcleo do poder que é o poder econômico e financeiro. Assim sendo, enquanto as tropelias dele não contrariassem os interesses nem os seus ditames do poder de fato, ele viveria um Lassey Faire e os demais poderes apenas se abstraiam.
. Primeiro: em verdade o governo federal não acabou com o ensino militar no Brasil, até porque os centenários colégios militares espalhados pelo país continuam funcionando. Eles são em número de 14 unidades escolares, e estão funcionando normalmente e cumprindo o papel para os quais foram criados, ou seja, a formação militar opcional do oficialato.
. Segundo: entre as razões apresentadas para o encerramento do programa das Ecim está o desvio de finalidade das forças armadas, além de problemas com a sua execução orçamentaria, como o atropelamento da isonomia de tratamento, a ponto de criar uma casta salarial nas atividades meio, em detrimento da remuneração das atividades fins.
Como se tudo isso não bastasse, ainda provocou uma total falta de coesão e sintonia com o sistema educacional brasileiro e também com o modelo pedagógico adotado nas escolas.
. Terceiro: as escolas que a partir de agora deverão abandonar o Pecim não serão fechadas como querem fazer crer os pescadores de águas turvas. Elas permanecerão abertas, como abertas estavam ao serem transformadas em Ecims. As medidas administrativas para finalizar o Pecim e reincorporar os espaços físicos à rede regular de ensino serão de total responsabilidade de cada Estado.
Diante de tudo quanto foi informado neste artigo, algumas indagações e considerações são pertinentes, não para fazer valer nosso ponto de vista, mas para abrir um debate sério sobre uma questão primordial para as gerações futuras:
. Considerando que o estudo militar ministrado pelos Colégios Militares espalhados pelo Brasil é direcionado exclusivamente para a preparação militar e para a formação de oficiais.
. Considerando que o número de alunos matriculados nos Colégios Militares tradicionais espalhados por vários estados do Brasil é de aproximadamente 15 mil jovens.
. Considerando o número de 935 alunos matriculados na Ecim de Pernambuco e extrapolando esse número para as 219 Ecims existentes teremos um total 204.765 alunos matriculados.
. Considerando que o numero atual aproximado de militares na ativa no Exército Brasileiro é de 235 mil soldados.
. Considerando a adição dos dois itens anteriores que representa um total de 219.765 militares, concluiremos que corresponde a 93,5% da tropa aquartelada.
. Considerando por fim que não estamos em estado de guerra com nenhum país para uma mobilização militar dessa magnitude, perguntamos:
. O país iria passar a formar apenas militares, em detrimento da formação profissional necessária para uma gama de atividades profissionais que vão de agrônomos à zootecnistas, ou seja de A até Z?
. O que estamos formando dentro de um método onde o militarismo pontifica como pedagogia? são profissionais para atender à demanda do mercado ou militantes para defender uma determinada ideologia?
. Por que o pessoal paraescolar que por serem militares não fazem parte das profissões escolares são incluídos no plano administrativo de apoio as atividades escolares, com uma remuneração maior do que os professores?
. Por que as crianças são abordadas, tratadas, educadas e conduzidas com a voz de comando e as ordens unidas características dos quarteis?
Com certeza as indagações encontrarão resposta no CAPÍTULO III, Art. 5° inciso II DAS DIRETRIZES:
“Utilização de modelos para as Ecim, baseados nas práticas pedagógicas e nos padrões de ensino dos Colégios Militares, do Comando do Exército, das policias militares, e dos corpos de bombeiros militares.”
Precisa acrescentar mais alguma coisa?
Referências:
Jair Bolsonaro: vida familiar, militar e política – Brasil Escola (uol.com.br);
Jair Bolsonaro: a trajetória militar e política do presidente que busca a reeleição em 2022- JOTA;
O artigo em VEJA e a prisão de Bolsonaro nos anos 1980 | VEJA (abril.com.br);
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1º Fica instituído o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares – Pecim;
Governo federal vai encerrar programa de escolas cívico-militares | Agência Brasil (ebc.com.br);
Governo Lula decide encerrar programa de escolas cívico-militares, implementado por Bolsonaro | GZH (clicrbs.com.br);
Fotografias:
O artigo em VEJA e a prisão de Bolsonaro nos anos 1980 | VEJA (abril.com.br);
O tradicional Colégio Militar do Rio de Janeiro – Pesquisa Google;
General da AMAN destaca trabalho da Prefeitura – Prefeitura de Resende;
dia da facada no bolsonaro – Seu Foco;
Escolas cívico-militares 2023: Inscrições e como funciona – HPG;