Na última quarta-feira, 14 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou a toque de caixa um projeto de lei que tipifica o crime de negar a abertura ou manutenção de conta e concessão de crédito a pessoas politicamente expostas. A lei englobaria, ainda, pessoas jurídicas das quais elas participam, seus familiares, sócios e colaboradores. A lei prevê pena de reclusão para todos aqueles que se negarem a entenderem seus serviços a políticos e afins, a menos que esses tenham condenações já transitadas em julgado.
De acordo com o Portal da Transparência, seriam pessoas politicamente expostas todas aquelas que ocupem cargos e funções públicas listadas nas normas PLD/FTP (Normas de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa) editadas pelos órgãos reguladores e fiscalizadores. Ou seja, um enorme balaio que abrange de enteados de políticos a generais do exército.
A partir da edição de normas como essas, somos tentados a incorrermos no discurso de combate à corrupção, ou no antigo discurso de que a política e os políticos são algo sujo, perdido, ou qualquer outro adjetivo que valha à ideia de que isso não tem mais jeito e que não pertence mais ao povo.
Contudo, esse discurso, apesar de muito fácil e corriqueiro incute em dois grandes problemas conceituais. O primeiro, e mais óbvio, é o de que ao condenarmos a política à esfera do condenável, imoral etc. condenamos a esfera mais púbica e popular de qualquer democracia à mesma condição, e isso, é incontornável dizer, condena as decisões populares a serem algo sem valor e, ainda, fazem com que passemos a nos desinteressar por um tema tão fundamental para as nossas vidas.
Outro ponto, é o de que, incontornavelmente, ao abordarmos qualquer questão referente a política e criminalidade entramos na esfera do racismo e desigualdade, que é fundamental para entendermos qualquer debate na sociedade brasileira. Não podemos discutir política, seja ela no sentido mais amplo ou estrito, sem nos depararmos com o fato de a maior parte da nossa sociedade ser composta por pessoas não brancas e de baixa renda, as quais são ainda pouco representadas nas esferas governamentais.
Assim, mantemos, de acordo com os interesses das classes dominantes (que são as mesmas desde a chegada dos portugueses), os mesmos grupos no poder, e assim, o status quo político imutável apesar das mais diversas evoluções e mudanças sociais.
Ainda, é fundamental levarmos em conta que quaisquer ações que envolvam medidas de repressão e controle de violência e criminalidade são, necessariamente, ações que também são influenciadas pelo caráter racista não só da sociedade brasileira como um todo, mas como do próprio sistema jurídico e legal que visa, desproporcionadamente essa população historicamente periférica e vulnerável.
Nos limitarmos, portanto, a um discurso de que a política e a corrupção são os maiores problemas do país ou que são esses problemas que nos impedem de crescer como povo e nação é um pensamento totalmente míope. Reproduzirmos esse discurso nos mantém num lugar comum do discurso que ignora problemas fundamentalmente mais atentes para grande parte da população.
Políticas e práticas racistas das forças estatais e governamentais, aliados a um histórico de exclusão de grande parte da população do sistema gerador de riquezas do país, faz com que sejamos um país absurdamente violento e desigual. Somos um país rico com uma população pobre. Somos um país multiétnico com um governo branco, somos formados majoritariamente por mulheres e são os homens que comandam o país.
Volto a insistir que o problema não está apenas na existência de políticos ou uma estrutura governamental corrupta, mas na cegueira que temos em relação aos corruptores. A quem interessa, por exemplo, que políticos e seus afiliados mais diversos não percam o acesso ao sistema bancário, ainda que essas pessoas constituam um risco para a instituições financeiras? A quem interessa a manutenção de uma estrutura que permite e facilita a lavagem de dinheiro?
É muito fácil reproduzirmos um discurso histórico e confortável de que o problema está na política e nos políticos e de que toda a sociedade é uma vítima dessas ações. Mais complexo, contudo, é compreendermos que essa estrutura se mantém independentemente de governo ou administração aliada a uma elite econômica histórica.
É fácil condenarmos a pobreza generalizada, atrelando-a a corrupção ou as ações de políticos e não às verdadeiras forças econômicas que tanto se beneficiam da manutenção do sistema posto.
Também é muito cômodo para essas elites que os pobres permaneçam pobres, e que o discurso que gira em torno da violência, por exemplo, seja centralizado em questões mais abstratas como tráfico, milícias etc. e não nos poderes econômicos que estão por trás de toda essa estrutura.
Na sociedade, como na medicina, é mais fácil tratarem os sintomas que as causas. Contudo, sem o tratamento das causas, o problema não se resolve. Os sintomas mudam ou pioram e o paciente perece.
Nossa sociedade, nosso povo, os mais desvalidos e vulneráveis não aguentam mais 500 anos de uma doença que lhes relegue às margens sociais e a pobreza geracional. O problema não é a política, não são os políticos. Estes são apenas “sintomas” de um mal muito maior e profundo.