A bola da vez dos últimos dias, tem sido a tramitação que vem ocorrendo no Congresso Nacional, em caráter de urgência, de um tão comentado marco temporal das terras indígenas. Essa é uma questão real, que se arrasta há séculos e sobre a qual muitos têm mistificado, a mídia venal tem desinformado, e poucas pessoas têm entendido.
O tema é polêmico e despertou um grande interesse do parlamento, porém não que tenha sido por preocupação com o destino e o bem estar dos povos originários, nem tampouco do povo brasileiro. O parlamento, andando na contra mão da história, contrário à decisão do presidente Lula e resistindo em cumprir o que prescreve a carta constitucional de 1988, interpôs no parlamento, um Projeto de Emenda à Constituição-PEC tratando de um permissivo marco temporal das terras indígenas.
A intempestiva PEC foi votada e aprovada nas caladas da noite, por uma ampla maioria de 283 votos a favor e 155 votos em contrário.
Na verdade os números expressos no placar de votação da câmara federal, representou uma derrota da boa intenção governamental, em resolver de uma vez por todas um grave problema de relações com as comunidades primitivas, que são a rigor, os verdadeiros donos da Terra Brasilis.
A famigerada PEC contou inclusive com o voto e o apoio da maioria dos membros das bancadas de oposição, que têm se autodeclarado apoiadores do governo do presidente Lula. Eles têm insistido com veemência naquilo que chamam de reciprocidade. De fato, um apoio vinculado ao toma lá dá cá, que inclui a troca por generosas nomeações e preenchimento de ministérios e/ou cargos federais diversos.
Nós, que fazemos o sitio de João Vicente Machado, temos destinado generosos espaços no nosso endereço eletrônico: www.joaovicentemachado.com.br, que tem sido uma trincheira de luta em defesa das causas de interesse maior do nosso povo. Temos repercutido com frequência as demandas que dizem respeito: às perseguições cruéis e preconceituosas contra as diversidades; às agressões e massacres praticados contra os povos originários; além da encarniçada luta que enfrentamos no dia a dia, sempre ao lado da grande massa trabalhadora.
Temos a convicção de que estamos em meio a uma luta de classes secular. Portanto, precisamos acumular forças suficientes para vencê-la em favor dos interesses da maioria da população.
Também temos a clareza, de que as redes de comunicação oficial e todas as milícias digitais que gravitam economicamente em torno delas, fazem parte do aparelho ideológico do estado burguês. Mediante esse pré requisito inerente ao liberalismo, eles só divulgarão as notícias que forem do estrito interesse e da conveniência da classe dominante.
Sem embargo, para furarmos o bloqueio da informação e fazer com que a nossa mensagem chegue sem distorção até a classe dominada, é necessário fazer uso da criatividade. Nesse sentido, um pequeno e heroico grupo de humildes comunicadores, estão nessa trincheira juntos conosco, e têm procurado fazer com que isso aconteça.
Alguém já disse que informação é poder, e a classe dominante que o detém nas mãos, conhece muito bem essa assertiva. Não é à toa que a burguesia, atuando em bloco, tem mantido propositadamente uma grande parte da população politicamente analfabeta, isolada da vida do país e mal informada.
Mas afinal de contas o que viria a ser e a quem serve esse tão temido marco temporal das terras indígenas?
O direito dos povos originários ao usufruto da terra, mesmo não tendo tido um registro legal de origem, sempre foi entendido pelas pessoas de bom senso, como um direito consuetudinário, desde o ano da invasão do Brasil pelos portugueses em 1.500.
Contudo, desde aquela época, a ambição que teve início com a coroa portuguesa e prosseguiu através da ação criminosa dos bandeirantes, hoje em dia tem continuidade com os detentores do poder econômico e financeiro, que vem massacrando os povos nativos e submetendo-os a um violento esbulho expropriatório.
Com o advento Constituição Federal de 1988, o direito dos povos originários foi enfim legitimado. Todavia, indiferentes à C.F que é a Lei Maior, as diversas nações autóctones têm sido vítimas: do aculturamento; das invasões de suas terras; das contaminações por doenças contagiosas diversas; do esbulho e expropriações; da promiscuidade; dos assassinatos e do extermínio cruel.
A Constituição Federal no seu Capítulo VIII, Art. 231 e incisos nos ensina:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
Como já foi dito, os direitos dos povos indígenas que adquiriram amparo constitucional na carta magna, devem ter a garantia de cumprimento por parte dos ministérios afins como o Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, juntamente com o Ministério dos Povos Indígenas do Brasil.
Portanto, o presidente Lula nada mais fez do que exercer o seu mister em rigoroso cumprimento ao texto constitucional.
A chacina a que vinha sendo submetida a nação Yanomami, era do conhecimento do governo passado que permaneceu silente, inerte e indiferente aos crimes do garimpo ilegal. Com a posse do presidente Lula, o país foi informado dos fatos e a ação governamental se fez sentir. Através de um mutirão multidisciplinar de ministérios, o qual contou com o suporte legal do ministério da justiça e de outros órgãos governamentais de segurança, houve o enfrentamento firme, decidido e enérgico contra garimpo criminoso, praticado ilegalmente com o sacrifício e o massacre da nação Yanomami.
A rigor o crime praticado foi um crime contra a humanidade e foi veementemente repudiado por diversos organismos internacionais e pela ONU. Todos enxergaram no massacre um crime duplamente tipificado, ou seja: as brutais agressões contra o meio ambiente e contra as nações Munduruku e Yanomami.
O garimpo criminoso, desde então vem sendo desarticulado. Todavia a ação enérgica dos órgãos de governo parece ter provocado nos costumazes agressores, uma apreensão contagiosa. Os grupos econômicos que vêm devastando os diversos biomas deste país e que têm se apropriado de forma predatória dos recursos naturais, enxergaram nessa ação de governo, um precedente perigoso e passível de correção.
A prestação de saúde aos povos massacrados até então que era inexistente, teve inicio e tornou-se permanente. Quando porém, tudo parecia se encaminhar para a normalidade, eis que surge ou se insurge de repente o parlamento com uma proposta ameaçadora e indecorosa, que é esse permissivo marco temporal. A rigor uma espécie de regulamentação à fórceps da CF, desfigurando o seu artigo 231.
Vejamos o que diz o texto da PEC ou parte dele:
“O PL foi aprovado na forma de um substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA). Segundo o texto, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram ao mesmo tempo habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
Dessa forma, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.
O substitutivo prevê ainda:
• permissão para plantar cultivares transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas;
• proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas;
• adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e
• nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.
Fonte: Agência Câmara de Notícias.“
Opiniões sobre o Marco Temporal das Terras Indígenas, que ameaça desfigurar o artigo 231 da CF:
Greenpeace:
“Sabe-se hoje que não é possível defender a Amazônia sem defender os seus moradores e habitantes. Os povos originários e populações tradicionais, além de guardiões de hábitos e costumes milenares, são também grandes defensores das florestas – no Brasil, por exemplo, as Terras Indígenas perderam apenas 1% de sua vegetação nativa nos últimos 30 anos, estando entre os territórios mais protegidos e conservados do país.”Rachel Biderman da coalizão Brasil Clima:
“Em termos de direitos originários, o marco temporal representa uma violação. E, em termos climáticos, é arriscadíssimo, se a gente pensar no volume de gases do efeito estufa que pode estar associado ao desmatamento que vai decorrer das terras que não serão preservadas porque não vão parar nas mãos dos indígenas. Eles são os maiores guardiões da floresta;”Artur Lira:
“Nós não temos nada contra povos originários, nem o Congresso tem e não pode ser acusado disso. Agora, nós estamos falando de 0,2% da população brasileira em cima de 14% da área do País. Só temos 20% da área agricultável e 66% de floresta nativa”, disse. Ele defendeu que os povos originários tenham possibilidade de explorar suas próprias terras.”
Fonte: Agência Câmara de NotíciasGleisi Hoffman:
“É muita vergonha ver a Câmara aprovar o PL do marco temporal diante da emergência climática e do compromisso feito por Lula com os povos indígenas. Brasil está indo na contramão das nações mais modernas. Torço para que o Senado pare esse absurdo porque aqui na Câmara o bolsonarismo faz o estrago.”
Enfim, observando o conteúdo do que está posto no tal marco temporal das terras indígenas, e também nas entrelinhas do inditoso documento, a nossa humilde capacidade de percepção nos sugere que a negação dos direitos aos povos originários não se cinge apenas aos interesses de uma das vertentes do poder econômico, mas de toda uma classe dominante.
A exploração indiscriminada dos nossos biomas, atende a interesses diversos, como é o caso da mineração e da extração de madeiras para fins de comercialização, que perpassa pela produção de grãos e a criação de gado bovino, sem observar a lei e às normas.
Essa é uma das questões de origem e a causa maior de todo desastre ambiental que vem ocorrendo em todo Brasil e vem ameaçando inclusive a espécie humana. Se levarmos em conta apenas o bioma da amazônia legal, poderemos perceber que a totalização dos números mostrados no topo das partes do histograma da figura seguinte, entre os anos de 2016 e 2022, justo no período de vigência do golpe parlamentar, constatamos que foi desmatada uma área de 33.876 Km2 de floresta virgem somente na amazônia.
Para termos uma simples ideia de grandeza, a área devastada em apenas 06 anos, é correspondente a 59,89% do tamanho territorial do Estado da Paraíba. É uma área maior do que o somatório das áreas dos Estados de Alagoas e Sergipe. Em sã consciência essa anarquia ambiental pode se sustentar?
Pois bem, o Congresso Nacional muito pouco ou quase nada fez em termos legais para impedir a continuidade desse absurdo. Pelo contrário tem permanecido silente e contribuído pela omissão, para o agravamento dessa morte anunciada e para a aceleração da sexta extinção das espécies que está em curso.
No exaustivo jogo do morde e assopra que vai se desenhando entre o governo e o parlamento, uma palavra está em voga: articulação! ($)
Os parlamentares oportunistas de plantão, têm se queixado com frequência da falta de articulação politica por parte do governo.
Recorremos ao dicionário para procurar o significado desse verbete e encontramos que trata-se de um substantivo feminino derivado da anatomia que significa: “ação ou interesse de unir pelas articulações, pelas juntas.” O verbete pode também ser entendido como: uma conversa cujo tema é contraditório, conflituoso, antagônico; discussão. ($)
Provavelmente, na ausência da tão reclamada articulação entre o governo e o parlamento, a solução encontrada para aliviar a mordida dada pelo governo, foi a $alomônica decisão de assoprar, com a liberação de R$ 1,7 bilhões em emendas impositivas.
Essa verba, fazia parte de um recurso orçamentário que o governo pretendia investir no novo Programa de Aceleração do Crescimento-PAC para gerar emprego e renda. A rigor, é de fato um filho bastardo do famigerado orçamento secreto, que foi retido e depois liberado como um mimo, para “pacificar” a ira dos deputados e senadores. Além desse mimo pacificador, o governo aceitou ainda a alteração da MP que havia enviado ao congresso e resolveu acatar as mudanças pretendidas por eles na estrutura dos ministérios.
Houve uma celebração governamental efusiva da aprovação, com um expressivo número de votos, 337 a favor e 125 contra, mas não deixou de ser uma vitória de pirro que foi referendada pelo senado.
Vejamos:
“O texto aprovado na Câmara dos Deputados altera a estrutura original do governo desenhada durante a transição. Por conta da pressão da bancada ruralista, composta por deputados do Centrão, a nova versão da MP retirou poderes dos Ministérios de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. A Pasta de Marina ficou sem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e sem a Agência Nacional de Águas (ANA). Já o Ministério dos Povos Indígenas perdeu poder de definir demarcações de reservas, função que foi repassada ao Ministério da Justiça.”
Atentem para a figura abaixo:
Conclusão: a massa explorada que representa uma imensa maioria, tem obrigação de apoiar o presidente Lula nesse processo explicito de sabotagem, e isso só se faz ocupando às ruas com uma grandiosa mobilização popular.
Esse será um apoio temporão que lhe foi negado pelo próprio povo nas urnas de outubro de 2022. Naquela ocasião foi eleita essa escoria política que aí está. Se não houver pressão como acontece em todo mundo explorado, com certeza esse galo duro não irá cozinhar. Podem ter a certeza que os políticos afinam a viola com o toque que vem das ruas. Destarte, vamos dar o nosso tom para afinação das violas deles!
Só temos uma única coisinha a dizer para Artur Lira, Rodrigo Pacheco et caterva:
não pensem que Lula é Bolsonaro e que vocês estão tratando com um amador. Poderão cair do cavalo!
Agora dá para todo mundo entender porque no auge da crise política de 2016 quando o golpe parlamentar estava em curso, esses mesmos personagens do cenário da atual sabotagem, chegaram ao extremo de interceptar o telefone da presidenta Dilma para impedir que ela o nomeasse Lula como Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência. Lembram!
Repetimos mais uma vez para a maioria oprimida que não tem ideia da força que têm:
“Se um boi soubesse a força que tem, jamais permitiria alguém o levar para o matadouro para tirar-lhe a vida.”
Referências:
Constituição (planalto.gov.br);
Câmara aprova projeto do marco temporal para demarcação das terras indígenas – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br);
Pelos direitos dos povos indígenas, Todos os Olhos na Amazônia! – Greenpeace Brasil;
Terras indígenas freiam desmatamento, e aprovação do marco temporal no STF seria ‘catástrofe’, diz ambientalista – Jornal O Globo;
Gleisi Hoffmann no Twitter: “É muita vergonha ver a Câmara aprovar o PL do marco temporal diante da emergência climática e do compromisso feito por Lula com os povos indígenas. Brasil está indo na contramão das nações mais modernas. Torço para que o Senado pare esse absurdo porque aqui na Câmara o…” / Twitter;
MP dos Ministérios: Senado vota texto hoje, horas antes do limite para aprovação; acompanhe ao vivo (msn.com);
Fotografias:
Leia como votou cada partido e deputado no marco temporal (poder360.com.br);
“Informação é poder, porém se tens… Ivan Teorilang – Pensador;
Constituição Federal de 1988: qual seu real sentido? – Jus.com.br | Jus Navigandi;
Grupo de judeus compara situação do índios yanomamis a campos de concentração (novoeste.com);
Mineração na Amazônia bate recordes de desmate nos últimos dois anos e avança sobre áreas de conservação | Natureza | G1 (globo.com);
PIRÂMIDE DO CAPITALISMO – heliopaz (wordpress.com)