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João Pessoa

As estações

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Como vivemos em uma latitude tropical, as mudanças de estações passam por nós quase de forma imperceptível. O sol muda sua rota no céu, se mudando temporariamente para o norte do firmamento, o que permaneceu sombreado durante o nosso verão passa a se iluminar nessa época. Chuvas começam a se precipitar, mas fora isso nada muda muito por aqui.

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Talvez a mudança mais significativa das estações se dê na caatinga onde com as primeiras chuvas a mata esbranquiçada se torna verde e pulsante. Do dia para a noite as plantas se tornam verdes, o chão se torna fértil e os rios correm com mais alegria.

Contudo, não posso falar desse tema com muita propriedade.

Sou de coração e de formação totalmente atlântico. Durante minha vida nunca me distanciei do mar e de sua brisa salgada.

Ainda que tenha passado anos sem visitar os domínios de Netuno, a visão do verde azul no horizonte sempre se fez presente na minha vida, quase como uma âncora de segurança que me diz que independentemente do que se passe aqui na terra, o mar sempre estará lá.

Aqui, nas terras baixas espremidas entre o mar o Planalto Atlântico, o cenário permanece imutável aos olhos desatentos durante todo o ano. O calor é abrandado pela brisa oceânica constante que mantém a umidade do ar em níveis muito confortáveis para respiração, mas um tanto exagerado para a pele, que tem algum trabalho para regular a temperatura do corpo com tanta água no ar.

Ao invés de o suor evaporar de nossas peles e resfriar o nosso corpo, ele simplesmente permanece lá sem ter para onde ir, sem ter como competir com a umidade relativa do ar na casa dos 80%. Nos transformando em anfíbios terrestres com a pele sempre úmida.

Para mim, essa é a primeira impressão de estarmos aqui: nosso peito se enche do melhor ar do mundo, nossa pele se encharca e nossos olhos se deleitam com a imagem do paraíso ao nosso redor.

Não sei se mais alguém compartilha desse sentimento, mas eu tenho a constante impressão de não pertencer a esse lugar.

Não sei se os primeiros europeus que chegaram aqui sentiram a mesma coisa. Mas ao avistar os pedaços de matas que nos restam, com suas árvores gigantescas que crescem sem se perturbarem por séculos e séculos das mais férteis terras, das mais abundantes águas, das temperaturas mais quentes, eu tenho a impressão que sou um intruso no paraíso.

Nas minhas buscas botânicas, em que sempre busco plantas, se não nativas, ao menos adaptadas ao nosso clima, ainda me deparo com vídeos e artigos de outras áreas do mundo que me tiram do lugar em que vivo e me transportam para outras realidades. Épocas específicas de plantio, podas, preparo de terreno para geadas, estufas e lâmpadas que imitam a radiação solar. Enquanto isso eu tenho que me preocupar apenas com a quantidade de sol e de água que as plantas precisam.

Nosso inverno se resume ao mesmo clima de sempre, mas com chuvas, o que me poupa horas e mais horas manejando uma mangueira. Fora isso, nada demais. Um pouco menos de luz, é verdade, mas passadas as nuvens o sol se faz presente outra vez. O equilíbrio de 12 horas de luz sucedidos de 12 horas de escuridão fazem os vegetais crescerem sem nenhuma timidez.

Bougainvilles e rosas do deserto explodem em flores em meio aos temporais. E as podas são sempre necessárias para que as plantas não invadam os espaços das construções ou de suas vizinhas.

Devo admitir que meus conhecimentos em relação aos animais são mais limitados. Sei apenas que emboás pelas paredes, formigas apressadas ou formigueiros altos indicam chuva iminente. Depois das primeiras chuvas, as proles reais dos formigueiros e cupinzeiros vão povoar a casa com suas asas esvoaçantes. E ultimamente venho notando que enquanto não ouvir as maracanãs com seu cantado alegre revoando pelo céu, não vale a pena sair de cassa porque ainda terá muita chuva.

Outro fato que aprendi é que maio a agosto (os meses sem a letra R), as plantas entram em um estado de dormência vegetativa em que não estão muito focadas em produzir flores e frutos, apenas em estocar nutrientes do solo úmido e macio, para explodirem com sua abundância habitual no alto verão.

Talvez seja o efeito da quantidade de adubo que venho botando nas plantas ou algum dos componentes tóxicos contidos nas folhas que venho podando, mas tenho pensado muito em todos esses processos naturais e cíclicos que envolvem esses seres que apesar de estáticos são altamente mutáveis.

Comecei esse artigo pensando em falar na experiência de plantar flores. Em como os meus jacarandás demoraram uma década para florirem, as amarílis que minha mãe cultiva desde que estava grávida de mim demoram 3 anos até estarem prontas para colocarem suas flores anuais, e como as roseiras se enchem de flores uma semana depois de plantadas.

Mas agora vejo que as flores são apenas um momento do processo. Plantar em abril é mais fácil do que em dezembro, por termos a ajuda das chuvas. O jardim vai estar mais bonito em setembro do que em março, já que é quando as árvores colocam suas flores. Antes disso, virão milhões de folhas caídas, que podem ser ótimas para os canteiros por ajudarem a manter o chão úmido e toda vida que habita nas raízes das plantas feliz. Aprendi que quanto mais “feio” o chão mais feliz ele está.

Nisso tudo, venho tentando tirar a cabeça do antropocentrismo em que vivemos e tentar entender qual a parte do homem em todo esse ciclo. A vezes realmente precisamos de paciência e tempo para florir. Plantas tão diferentes quanto cactos e orquídeas demoram muito para florescerem, suas flores são efêmeras, mas a beleza é estonteante e vale a pena todo o tempo que levamos cultivando. Outras plantas são como as rosas e os bougainvilles, que tem suas flores cotidianas rodeadas de espinhos. Outras flores são quase invisíveis, mas o seu perfume as denuncia a metros e metros de distância.

Acredito que somos assim, naturezas diversas, e apesar de vivermos todos no mesmo jardim temos características só nossas e que, em sua individualidade nos fazer sermos seres insubstituíveis e valiosos pela nossa essência. Ainda que incompreendidos, ou por mais tempo que demore para nossas flores levem para surgir, elas são o resultado de anos e anos de trabalho para nos tornarmos a melhor e mais completa versão de nós mesmos.

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