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O mundo encantado de Chico Buarque

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A versatilidade de Chico Buarque é mesmo impressionante. Ele transita livremente, eficientemente e tranquilamente em todos os espaços, gêneros, tempo e em todo O sentimento de todas as gerações, ninguém melhor que ele para definir aquilo que só sabemos sentir. Chico Buarque não tem idade sente o cansaço do velho, a euforia do jovem e a ingenuidade da criança, sem falar nas emoções mais profundas do universo feminino.

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As letras de suas canções revelam, interpretam e mostram as mais diversas realidades e as mais diferentes fantasias, sempre representadas ou apresentadas por personagens reais com nomes fictícios ou personagens fictícios com nomes reais. Chico Buarque se veste e se reveste de guri, carnavalesco, romântico, trovador, malandro, cronista, irreverente, politico, aliás, ele faz o que bem quer e bem entende com muita maestria e autonomia.

Foi assim com a sua linda “João e Maria,” música de Sivuca e letra de sua autoria, uma parceria com uma certa distância cronológica, pois Sivuca compôs a melodia em 1947, nesta data o letrista tinha apenas três anos de idade. Fato que o remeteu a infância, aos contos e as brincadeiras infantis. Foi observando as brincadeiras de suas filhas e o jeito de como contavam histórias que percebeu o tempo verbal empregado por elas, um tempo que ele denominou de passado onírico: “agora eu era”, num tempo em que tudo era assim: agora eu era o dono da casa, agora eu era o carteiro, agora eu era o rei, agora eu era o palhaço. Um tempo relacionado aos sonhos, às fantasias e ao que não pertence ao chamado “mundo real”.

Tomando o imaginário infantil como ideia ele fez uma letra com as brincadeiras de crianças, tornando a música de Sivuca um primor, um verdadeiro clássico do imaginário e da linguagem infantil, nas representações das ideologias próprias da década de 1950 no Brasil, vivida pelo próprio compositor que nascera em 1944. A letra é composta de pares contraditórios baseados sobre as ideias de passado e presente, de sonho e realidade, de impotência e onipotência, de pessimismo e otimismo.

A criança que vive na letra da canção imagina ser o herói, o protagonista da história, o mais importante, a importância era tanta que o seu cavalo só falava inglês, alusão feita à hegemonia dos Estados Unidos que se firmava no pós-guerra, cowboy do cinema americano que exerceu forte influência na construção da ideologia da criançada brasileira da época, especialmente, nos filmes de Bang-Bang, onde o cowboy era o herói e sua fama atraía as mocinhas, e ele elegeu uma para sua noiva, e claro, tinham outras que disputavam seu coração.

A dualidade temporal é visível em todo o texto e os fatos históricos narrados mostram claramente a influência do cinema dos anos de 1950 no comportamento daquela geração. A mensagem usada pela telona mostrava a necessidade de uma união com os soviéticos a fim de derrotar o inimigo em comum, a Alemanha nazista. De forma surpreendente, traz uma visão positiva da política socialista soviética ao espectador capitalista americano. Destaca-se o poder de convencimento do cinema ao utilizar sua linguagem a serviço da propaganda de guerra.

A presença dos alemães no imaginário do nosso cowboy que usou apenas um bodoque (atiradeira de criança) ou arma infantil para enfrenta-los no seu mundo do faz de conta onde tudo é possível, até mesmo abandonar a arma (bodoque) e ensaiar um rock, ritmo importado muito influente na juventude brasileira no final da década de 1950 e toda década de 1960.

O menino agora vai mais além: agora eu era rei, bedel e juiz. Cargos que lhe proporcionavam poder, e, ele se aproveita disso para estabelecer leis, ou melhor, ele era a lei, a lei que atendia a sua vontade infantil: a felicidade obrigatória e a escolha arbitrária de uma linda princesa (você), que por tão grande beleza era obrigada a exibir sua nudez por todo o país. A nudez pode ser interpretada como inocência, a não malicia.

A dualidade e o verbo no passado continuam sendo usado até mesmo quando ele entra na fase adulta e tenta resgatar os sonhos da infância, e pede a princesa que não o abandone, agora ela estava com o poder, o poder de imaginar, de fingir que ele era um brinquedo, um pião, um animal de estimação com quem ela pode contar. E num gesto simbólico de segurança (me dê à mão), de caminhar juntos para enfrentar as maldades do mundo (juntos seremos mais fortes), no sentido de malicia que a criança não percebe, pois, é inocente. Nesse caso o compositor também pode ter se referido ao estado ditatorial brasileiro (tempo da maldade), pois quando ele nasceu nada disso existia.

Agora como todo homem adulto ele era fatal e começa a constatação do presente, o rompimento com o mundo do faz de conta infantil, esse mundo lúdico ficou por trás do muro que protegem as fantasias da infância (pra lá desse quintal é uma noite eu não tem mais fim) ficará para sempre na sua memória. A travessia desse muro é a passagem da fase de criança para a fase adulta, tudo se torna mais sério, mais difícil, perigoso e cheio de malicias. As dificuldades e os problemas não terão mais fim, sempre os acompanharão dentro do universo complexo da fase adulta.

Ao perder a inocência de criança ele perde também a princesa que sumiu no mundo sem deixar nenhum aviso e nem paradeiro, talvez tenha sumido do seu imaginário infantil. Sozinho, desamparado (agora eu era um louco a perguntar o que é que a vida vai fazer de mim). Em busca da criança que se perdeu dentro dele, ele continua brincando de ser, mas não são mais aqueles personagens poderosos da infância, seus personagens agora são fantasmas que o adulto cria na imaginação: louco, inseguro, e sem perspectiva de vida por causa da ausência da inocência da criança que tudo pode. Por que, na infância somos o que queremos ser.

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