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Ah, as más línguas…

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Já há algum tempo que quero escrever sobre o tema de hoje, mas estava vivendo um pequeno dilema moral. Acho que nunca mudamos muito o nosso comportamento infantil que, em momentos de dúvida, nos voltamos para os adultos em busca de um referencial de ação. Assim, meu termômetro moral e intelectual também se baliza por aquilo que pensam pessoas a quem considero referenciais.

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Desde o “deslize”, para sermos corteses, do presidente Lula a respeito da guerra na Ucrânia fiquei, no primeiro momento, torcendo para que não houvesse passado de um faux pas presidencial, muito comum no estilo espontâneo do presidente. Todavia, a militância petista abraçou a causa russa e, na contramão do ocidente e da própria história diplomática brasileira, saímos da histórica posição de neutralidade frente a um conflito dessas proporções.

Os comentários que faziam mais sentido para mim residiam no sentido de que, de fato, o posicionamento do presidente fora um “tiro no pé”, ainda que ex-líder sindical e revolucionário do proletariado, Lula, hoje, ocupa o mais alto cargo de um país inegavelmente relevante da esfera política e econômica global. Contudo, aqueles que teciam comentários a respeito de tanto, tendiam a serem pessoas mais conservadoras, posição que tenho uma aversão visceral. Por outro lado, os “progressistas” abraçaram a fala presidencial como algo indiscutível. Qual referencial seguir?

Foto: Confederação Sindical das Comissões de Trabalhadores

Ao afirmar que a Ucrânia tem culpa no conflito em que o gigante euroasiático invadiu (desde 2014, aliás) o território do país, o presidente brasileiro, por mais bem intencionado que pudesse estar, fez o inescusável no mundo do direito: culpabilizou a vítima. Ainda que a democracia Ucraniana fosse falha, ainda que os grupos étnicos habitantes dos territórios, hoje ocupados, fossem russos, ainda que Volodymyr Zelesnky tivesse matado Odete Roitman, não há justificativa para, em pleno 2023, justificarmos um conflito armado entre dois países.

Acredito que há uma grande diferença entre não tomar lados e neutralidade. Em 1982, durante a Guerra das Malvinas entre Argentina e Reino Unido, o Brasil apesar de ter se declarado neutro no conflito, permitia que jatos argentinos utilizassem seu território e espaço aéreo, cortesia que não foi estendida ao governo da então Primeira Ministra Margareth Thatcher. Fomos neutros, mas com um certo “jogo de cintura”. No nosso histórico diplomático, pouco menos de um século atrás, mantivemos relações comerciais frutíferas com o regime Nazista de Adolf Hitler. Que além de nos render alguns dividendos internacionais, sinalizou aos EUA que o gigante latino-americano que somos não era organicamente alinhado com seu vizinho do norte.

O chamado “jogo duplo” de Getúlio Vargas durante a Segunda Guerra Mundial nos rendeu, dizem alguns estudiosos, a tão sonhada indústria nacional. Vargas pôs a prêmio o apoio brasileiro em troca de financiamento para a industrialização do país. Àquela altura já se sabia que os alemães, que estavam enfiados até o pescoço no conflito, que já se arrastava por anos, não teriam fundos nem condições de dispensar a ajuda necessária que o Brasil precisava, mas para os aliados, o gigantesco e estratégico território ao sul das américas era valioso demais, assim, quase no final da Guerra, o Brasil entra no conflito a tempo de celebrar a vitória com os vencedores.

Ao estilo de Vargas e utilizando o mesmo modus operandi dos outros membros dos BRICS, poderíamos ter nos calado ante o conflito europeu e nos valido das antigas alianças com a Rússia para intensificarmos nossos fluxos comerciais. Ou ainda, poderíamos ter continuado com a estoica posição de neutralidade e aproveitado a situação para nos catapultarmos de volta para o centro do tabuleiro global como um fundamental mediador do conflito.

A oportunidade, aparentava, ter se perdido categoricamente e o incidente presidencial poderia ter nos estagnado novamente nas periferias da política internacional. Contudo, não diferente do que ocorrera nos anos 1940, somos importantes demais para sermos deixados de lado. Ao invés de termos sidos cotados como favas contadas no apoio russo, a Ucrânia nos convidou para uma visita, os minguados recursos norte-americanos para o Fundo Amazônia decuplicaram, e o incidente presidencial foi, no final das contas, um divisor de águas na política atual que mostrou que, apesar da gafe inegável, o Brasil é uma peça fundamental no trânsito de influências global que circunavega o globo atualmente.

Mas não abusemos da sorte. Entendo que a abertura para uma autocrítica da esquerda no passado nos levou a um desmoronamento democrático que nos prendeu, de 2013 a 2022, numa espiral de reacionarismo e retrogradação política. Contudo, apesar do perigo de um retorno às trevas que nos encontrávamos até há pouco, não podemos deixar de sermos democráticos por medo de que a democracia nos abandone.

Nossos direitos não são algo que irão acabar se nós os usarmos, o errado não se tornará certo se não o corrigirmos. Demos sorte de a conjuntura global e nacional estarem numa posição que permitiu que a fala de Lula nos engrandecesse, que o debate fosse trazido à baila e que, apesar de posta a prova, a diplomacia e a credibilidade brasileiras se mostraram firmes e inabaladas, mas não podemos nos dar ao luxo que isso se repita.

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