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A conquista do voto feminino

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Esse mês de fevereiro, nós mulheres comemoramos 90 anos de conquista de nosso voto. Neste espaço temos abordado vez ou outra as dificuldades que encontramos na sociedade em várias circunstâncias. Mas será que nós sabemos exatamente o que significa essa “conquista”? As mulheres que vieram antes de nós e que alcançaram essa vitória, será que nós as estamos fazendo jus ao seu legado? Ou seja, será que esse direito tão difícil de ser conquistado, chegou à mulher atual junto com a ciência da importância desse ato?

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Estamos já em março, mês que tem o dia 08 dedicado à mulher. Oito de março. Um único dia dedicado à mulher. Neste breve artigo, eu quero homenagear dentre tantas, a nossa ancestral. A minha primeira mãe/avó, Custódia Amorim Valcácer, indígena do povo Cariri, natural de Mamanguape.

Mas não conto uma história recente, remonto ao longínquo século XVII, quando, pela tradição da época, casou-se com o português Pedro Velho, ferido em combate contra os indígenas, após sua recuperação, por gratidão, costume da época, Pedro veio casar-se com a filha da família que o acolheu e o curou. Costume comum em alguns povos indígenas até hoje, que promove alianças entre grupos diversos e impede a endogamia. Custódia foi batizada no ano de 1650, tendo o casamento acontecido nas últimas décadas daquele século. Sabe-se que Pedro Velho nasceu em 1655 em Portugal e faleceu em 1749 no Brasil.

De Custódia para cá, tantas mulheres nos antecederam. Ela é tronco da família Freitas, que depois se tornam donos da fazenda Malta, outrora pertencente ao município de Pombal, mas hoje município com o mesmo nome. Posteriormente, uma de suas descendentes, Joana Alexandrina de Jesus, casa com Francisco Antônio. O Francisco Antônio de Condado meu bisavô por parte de mãe. Nesta grande árvore familiar rendo também homenagem às minhas avós, Vovó Anália Formiga de Assis, de quem guardo as mais carinhosas lembranças de minha infância e Maria Monteiro de Sousa minha Avó por parte de Pai.

Não tenho por intenção detalhar a nossa árvore genealógica neste artigo, mas me orgulho de saber que faço parte de uma sucessão de mulheres fenomenais.

Mulheres que muitas vezes, apesar dos tempos em que viviam mantiveram a sua individualidade independente de seus Maridos, mulheres que perpetuaram através de seus descendentes os nomes e sobrenome de suas mães e avós. Sinto orgulho destas mulheres com as quais compartilho o sangue que corre em minhas veias.

Mulheres que antes mesmo de sequer sonharem em poder votar, foram fundamentais na sobrevivência de seu povo, cruzaram oceanos bravios, apoiaram, inclusive, seus familiares que lutaram pela independência das capitanias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte no que ficou conhecida como revolução de 1817 ou Revolução Pernambucana, outras, mais de um século depois, viram a instauração do voto feminino no Brasil.

Em homenagem a Custódia Valcácer, a Mônica Rodrigues dos Santos, Rosa Formiga, Julita Formiga, minha mãe, que por quatro séculos deram força às raízes de minha ancestralidade, gostaria de trazer para todas as mulheres, a lembrança de nossas antepassadas. Para que através do conhecimento de onde viemos, possamos ter um olhar diferente para várias questões de nossas vidas nos tempos atuais.

Não podemos esquecer, contudo, que temos uma responsabilidade perpétua, perante a justiça divina e terrena, que nos cobra uma dívida histórica com os indígenas, donos das terras que hoje vivemos e onde por tantos anos prosperamos. Uma dívida com os negros, descendentes dos africanos escravizados que foram trazidos para o Brasil, para extrair da terra tudo que o mundo exigia.

Não podemos esquecer que cresce a nossa responsabilidade e a necessidade de pensarmos em nossos débitos, em nossa responsabilidade, antes de apontarmos o dedo para algumas questões sociais, hoje, profundamente inaceitáveis. Precisamos não só lembrar, mas agir e termos atitudes de que possam, se não reparar, ao menos diminuir o impacto das nossas ações e dos débitos anteriormente adquiridos. Atitudes de respeito de valorização da vida e da dignidade humana.

Muitas mulheres, que vieram antes de nós, lutaram pelo direito ao voto. “Mas para que mesmo?” Alguém pode perguntar. Para termos voz, para defendermos nossos direitos e avançarmos nas conquistas, para tirarmos, juntas, da mulher, o estigma de objeto, que ainda hoje muitas, por falta de consciência ou de ciência do seu poder, se deixam levar por qualquer razão menor e não utilizam seu voto pensando no seu lugar, no seu direito, na sua força e na sua responsabilidade.

A mulher, seja a artista, a escritora, a professora, a intelectual, a que exerce cargo político, a mãe, a dona de casa, a agricultora, a artesã, todas elas igualmente merecem, cada uma em sua profissão e sua escolha de vida, ser homenageada.

Homenageio as mulheres que ainda vivem e convivem com Mãe Terra. A mulher que apesar do avanço de toda tecnologia, continua tirando da terra seu sustento, continua nos alimentandos. A mulher que vai para o mangue pegar o caranguejo que se transforma, também pelas mãos das mulheres, nas mais diversas receitas, que gera renda, que é capaz de trazer o turista à nossa terra, e que se torna, infelizmente, mais uma “mão de obra invisível”, esquecemos do sacrifício que essa mulher faz para garantir seu sustento.

A mulher marisqueira, que fica a beira mar a espera do marisco, para após um dia de trabalho, ter um valor mínimo do retorno de seu trabalho. Precisamos lembrar que a maioria são mães, que em sua grande maioria não conta com um companheiro para dividir suas atividades, suas necessidades que precisam ser sanadas.

A mulher que luta, literalmente, a cada amanhecer, a que vai muitas vezes, como único membro da família, arar a seu pequeno pedaço de terra, utilizando, às vezes, apenas uma enxada, um cesto para colocar o alimento do dia, uma garrafa térmica com a água resfriada em uma geladeira de modelo ultrapassado, mas a única que seus recursos financeiros permitem comprar.

Quero homenagear a mulher que após nove meses cuidando de sua plantação, chega a hora de arrancar o resultado de seu plantio. Pode ser a macaxeira que após retirada da terra, vai para o mercado, através de um atravessador que levará mais da metade de seu lucro, ou mesmo após a retirada de seus produtos, juntamente com outras mulheres, vai para feira do pequeno produtor. Ali, juntamente com outras mulheres que plantaram o feijão, a alface, a batata doce, o mamão, passam o dia tentando vender seus produtos e, à noitinha, volta para casa, para no dia seguinte, começar tudo de novo.

Pode até ter aproveitado a macaxeira para fazer a massa puba, para o bolo que a mulher da cidade vai fazer seu bolo, ou a goma para a guloseima da moda, a tapioca. Já no final do plantio, quando a macaxeira não está muito boa para ser vendida, vai para as pequenas e poucas casas de farinha que ainda existem. Um trabalho incansável, descascar a macaxeira, lavar, passar no moedor, lava uma parte para tirar a goma e a outra, vai para o forno para ser torrada e se transformar na farinha.

Essa mulher que tem sua pele queimada pelos raios do sol, suas mãos ásperas pelo manuseio dos produtos, do manuseio da terra, seus cabelos, entretanto não deixam de receber o melhor tratamento que seu suado dinheiro lhe permite ter, suas unhas, sempre que pode, serão cuidadas pela manicure da comunidade, que capricha no visual de sua cliente, e esta também tem sua parte no crescimento da comunidade feminina que se apoia e cresce.

Não posso deixar de lembrar da mulher que precisa levar seu filho para roça, porque na maioria das vezes não encontra uma creche perto de sua casa, ou talvez porque não tenha as condições necessárias para ir levar e buscar as crianças menores na escola. Essa mulher, que luta por dias melhores para sua família, sonham em tirar seus filhos daquela vida tão sofrida. Ela prefere trabalhar na roça, vender seus produtos para que seus filhos possam ir à escola.

Me pergunto se essa guerreira da terra, filha e mãe da terra e produtora de nossa alimentação, sabe o valor que tem seu voto? Será que ela já parou para pensar o quanto custou a outras mulheres, guerreiras como ela, para que a mulher pudesse votar?

A nossa história é feita de decepções, conquistas, falta de afeto, falta de conforto e, muitas vezes, falta de amor, falta de amor próprio até, pois a muitas, foi negado o direito e a possibilidade do conhecimento, por não terem tido a oportunidade de irem à escola, a qual hoje tanto luta para que seus filhos frequentem.

Só a título informações trago um pouco de nossas conquistas, pois precisam ser reconhecidas. Desde o início de século XX nossa história aponta alguns avanços: em 1910, foi criado o primeiro partido político feminino – PRF (Partido Republicano Feminino), instituído no Rio de JANEIRO, ainda a Capital federal, que tivera como principais objetivos a reivindicação do direito do voto feminino. Que só foi conquistado em 1932, oficialmente garantido pelo Código Eleitoral através do DECRETO Nº 21.076, de 24 fevereiro.

FOTO:Wikimedia Commons

Nesse meio tempo, e 1943 conquistamos o direito da licença maternidade que nos assegurava um período de estabilidade no emprego. Infelizmente, só em 1962 com o “Estatuto da Mulher Casada”, nós deixamos de ser consideradas incapazes, equiparadas a “menores, pródigos e silvícolas” precisando da autorização do marido para exercermos quaisquer atos da vida civil, inclusive ingressarmos no mercado de trabalho. 15 anos após o Estatuto, foi decretada, em 1977, a Lei do Divórcio, que nos permitiu pormos fim a casamentos nos quais não desejávamos mais.

Depois de um grande vácuo de tempo, e após muitos sofrimentos e dores sofrido por inúmeras mulheres neste país, em 2006 foi instituída a Lei Maria da Penha, “uma das legislações mais populares do país, através da Lei 11.340/02, assinada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionada para combater a violência contra a mulher”. A Lei leva o nome da mulher que vitima de dupla tentativa de feminicídio pelo marido, deixando-a paraplégica, mas só condenando 20 anos depois.

Outro avanço importante conquistado por nós, foi quando em 2015 foi sancionada a Lei 13.104/15 do Feminicídio, assinada pela Presidenta Dilma Rousseff.

Finalmente a Constituição Federal reconheceu, a partir desta Lei, o assassinato de mulheres como crime de homicídio. Para mais uma vergonha desse país, o Brasil é 5° país no mundo com maior número de feminicídios. Avançamos um pouco mais quando em 2018, a importunação sexual feminina passou a ser crime, através da Lei 13.718/18, assinada por José Antônio Dias Toffoli.

São Leis que podemos considerar enormes avanços, mas ainda precisamos nos empoderar dessas Leis e não termos medo de denunciar e de nos defendermos da violência masculina, histórica desde a criação de nosso País.

Para concluir, já que iniciei falando de nossa ancestralidade, anda precisamos ser protagonistas para os avanços das Leis e das mudanças de paradigmas, para que nossas filhas, netas e toda nossa descendência, tenham vidas mais seguras e que sejam reconhecidas pelo real valor que todas nós, mulheres, temos como todos os seres humanos.

E para complementar com poesia, recorro a Bráulio Bessa, que diz assim:
Que todo dia seja dia de tu ser admirada
Pela força, pela garra
Pela coragem estampada, de ser verdadeira e justa
Mesmo sendo injustiçada.
Que todo dia seja dia de você ser mais ousada
De amar quem quiser amar e por alguém ser amada,
O amor é o melhor transporte pra seguir essa jornada
Que todo dia seja dia de não ter a voz
Calada e se alguém ousar calar
Que essa voz seja elevada. Que todo dia seja dia
Da mulher ser respeitada.

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