O governo Lula se apresentou, desde seu nascedouro, como um governo de transição entre o fascismo tentado pelo governo Bolsonaro e a democracia que nunca tivemos em sua substancialidade. Não é tarefa fácil.
O Brasil sempre ficou em algum lugar intermediário entre o fascismo plenamente desenvolvido, que nunca chegou a ter, e a democracia plenamente desenvolvida, que também não chegou a ter.
Por prevenção chamamos de fascistas os seus pretendentes e por comodidade chamamos de democratas os antifascistas, mas são coisas diferentes.
Não é possível chamar de democracia um regime político onde os direitos fundamentais (inclusive o direito a uma alimentação digna) são violados impunimente.
Não há liberdade civil onde existe fome. Uma democracia também não convive com o abuso de autoridades e, mesmo nas democracias moderadas que conhecemos, quando uma autoridade abusa do seu poder é imediatamente processada e levada a julgamento. Não é essa a tradição do Brasil e pagamos o preço por isso.
O governo Lula vai fazer essa transição? Muito pouco provável. O mais provável é a implantação no Brasil de mais um governo de conciliação onde estejam presentes elementos de concentração de renda e alguns elementos de sua distribuição, alguns avanços no sentido democrático convivendo com bunkers ameaçadores de fascistas. Mas estamos numa situação tão ruim, o retrocesso foi tão grande nos últimos seis anos, que até isso está sob forte contestação.
Quando o presidente Lula empunhou o discurso de chamar o impeachment de Dilma de golpe, não está fazendo isso em defesa de Dilma, mas em sua própria defesa, ou em defesa do seu mandato presidencial. Essa situação mostra bem que a atual correlação de forças somente será alterada com algum elemento novo que entre no jogo das disputas políticas, algum elemento que construa um novo cenário de disputas sem desprezar os velhos cenários já montados para uma disputa sem solução.
Para tanto é necessário que um novo discurso e uma nova narrativa histórica seja apresentada, fundamentando um novo caminho a seguir para uma verdadeira transição do atual estado de coisas para outro modelo de país e de sociedade.