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Enquanto os homens exercessem seus podres poderes e usam a grana para destruírem e erguerem coisas belas

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Escrevi um texto onde comparo a minha terra, Lavras da Mangabeira, a um velho soldado romano que cansado de guerra, senta-se a beira do caminho e ver a tropa passar. Há anos este lugar assiste passivamente a destruição, descaracterização e aniquilação do seu Patrimônio Histórico, consequentemente da sua memória. Com o objetivo de apagar a história do adversário e de lucrar acabam destruindo sua própria história e de toda a coletividade. São uns verdadeiros boçais que de posse do poder saem cometendo verdadeiras atrocidades para não dizer crimes.

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Nasci em 1963 à cidade era antiga, bucólica com todas as prerrogativas que uma velha cidade do interior do Nordeste podia desfrutar. Nossa Praça era um verdadeiro jardim com grandes fícus-benjamina, rosas, bancos de madeira e um coreto no centro, que em tempos passados servia de palco para a Banda de Música do Maestro Bezerra, depois do Maestro Leonel. São muitos os depoimentos e poesias saudosas desses eventos, dessa banda e dessa praça.

Todo o comércio funcionava naquele quadrilátero: o Mercado Público construído em 1870, a Casa de Câmara e Cadeia, construída desde a emancipação política do Povoamento em 1816, sendo a parte superior construída em 1890 no início da República, o prédio da Prefeitura, a Igreja Matriz de São Vicente Ferrer, o Parque Elson Férrer, o suntuoso prédio comercial que fora construído por um rico comerciante por nome de Bernardo Jucá, o Patronato São Vicente Ferrer, e duas ruas que fechavam o quadrado com belas casas avarandadas. Tudo harmoniosamente distribuída.

As nossas ruas eram de terra batida, nossos postes de energia elétrica eram de madeira baixinhos com pouca fiação, nosso amanhecer era nas primeiras horas da manhã e nossas brincadeiras na Praça se encerravam às 21 horas. Brincadeira de roda, bigorrilho, macaca, esconde-esconde, o mestre mandou, cobra cega, passa anel e em algumas salas realizávamos dramas com muitas atrações e sempre no final uma peça teatral. Missas aos domingos, feira, banhos na barragem, piqueniques no Boqueirão, sem perder a famosa e prazerosa passagem do trem.
Em 1967 começa a nossa transformação, substituição e os primeiros sinais de descaracterização com a chegada do progresso. As nossas ruas foram vestidas de calçamento de excelente qualidade e todo o centro recebeu paralelepípedo.

Durante décadas ficou lá perfeito, intacto. Em compensação a nossa bela praça com suas árvores frondosas e seu animado coreto foi completamente demolida, nosso parque infantil com todos os brinquedos também teve o mesmo triste destino; e toda população assistiu em silêncio tamanho crime. O mais grave aconteceu depois, o passeio perdeu seu nome de origem, a Praça Cel. Gustavo Augusto Lima passou a se chamar Praça Marechal Castelo Branco. Sua identidade foi completamente anulada na forma e na denominação.

Não posso dizer que a nova praça ficou feia, ela ganhou mais espaço, nova arborização e novos bancos, dessa vez os assentos eram de cimento com o nome gravado de cidadãos e até mesmo autoridades seus doadores. No final do passeio foi construída uma quadra aberta de futebol de salão. Lembro que na conquista do tricampeonato mundial de futebol a praça foi palco das comemorações.

No começo da década de 1970 a cultura de massa propagada pelos Estados Unidos da América repercutiu em todo território nacional, a moda era demolir o velho e construir o novo, de modo que nada de antigo prevalecesse. A nova onda chegou e virou moda em todas as cidades brasileiras, em especial as mais longínquas, e Lavras da Mangabeira não fugiu a regra, cada prefeito que sucedia o outro foi responsável por mudar a estrutura da velha e bucólica cidade colonial. Nosso campo de futebol, diversão da mocidade aos domingos, foi ocupado por construções de novos prédios comerciais, um Centro Social e o Parque de Eventos.

Não houve um cuidado, um estudo, e acabaram deixando as ruas do entorno estreitas, ocuparam quase toda a beira do rio Salgado, sem respeito ao meio ambiente muitas das velhas árvores nativas que encontraram pelo caminho foram tombadas. E para fechar o programa de destruição e descaso com o meio ambiente, o nosso paralelepípedo foi coberto com asfalto. Somos uma cidade ribeirinha que de vez em quando a cheia do rio Salgado invade a cidade e as casas próximas ao rio ficam inundadas.

Anos depois, em 1975, chega à cidade uma agência do Banco do Brasil. Precisando construir o prédio para funcionamento solicitou da gestão municipal um terreno para sua construção, mais uma vez a falta de conhecimento, de sensibilidade e senso de preservação imperaram e a nossa praça foi suprimida. Cortada quase ao meio o prédio em concretos foi construído no meio do passeio, tirando a visão daqueles que moravam nas ruas laterais numa arquitetura desarmoniosa do velho conjunto dos antigos casarões do século XVIII e XIX. E para não ficar atrás o Banco do Nordeste construiu seu prédio destruindo a quadra de futebol e tomando a visão da Casa de Câmara e Cadeia. Construção do inicio da República datada de 1890.

O Mercado Público de Lavras, construído em 1870, mostrando o apogeu econômico e a importância política do Município, da mesma data dos mercados públicos de Icó e Aracati, em 2019 foi completamente descaracterizado, numa verdadeira falta de respeito não somente a história local, mas a história de toda Região do Cariri e do Estado do Ceará. E dessa vez a população aplaudiu e disse ser a construção do século. A reforma acabou com a estrutura de mercado e sua horizontalidade feita com a intenção de ser um shopping não tem funcionalidade está completamente vazio e ocioso, e os feirantes continuam com suas bancas nas ruas. Dinheiro público jogado na lata do lixo.

Os prédios antigos foram perdendo muitas das suas estruturas e adornos, casarões demolidos e em seu lugar prédios altos de vidro, típicos da arquitetura pós-moderna que refletem quem está fora e nunca quem está dentro. Somos uma cidade de 207 anos que não reflete nenhuma data. Somos o velho com remendo novo e mal acabado.

Infelizmente, a maioria dos estados brasileiros não tem uma Política de Conservação de Patrimônio Histórico. Os prédios, as praças e os monumentos não sobrevivem a uma geração. São jovens e serão adultos e velhos que não sentirão saudade, que não terão o que contar, sem identidade e sem memória.

Fotos: Recortes da História de Lavras da Mangabeira.]

Foto Mercado Publico: Blog do Amaury Alencar

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1 COMENTÁRIO

  1. A maioria das cidades brasileiras passa por esse processo de incineração do passado.
    No estado do Ceará são raras as excessões de preservação: Viçosa do Ceará, Aquiraz, icó são belos exemplos de ptlreservacao.
    Cristina Couto nos traz o exemplo de Lavras da Mangabeira, a nossa cidade natal.
    Me entristece revisitar nossa terra! A destruição da memória arquitetônica nos faz crer estarmos em outra cidadeestamos.
    Contudo, devemos a ela Cristina essa cruzada pela preservação!

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