Não sei se o leitor já teve a oportunidade de observar uma tartaruga, que por algum motivo, caiu de costas. Nós temos a impressão que a pobre coitada vai agonizar balançando as patinhas até o seu fim, contudo, suas colegas cascudas sempre correm ao seu auxílio. Em passos firmes e vagarosos os répteis encarapaçados ajudam uns aos outros a manterem as patas no chão.
Infelizmente, para pessoas “não neurotípicas” como eu, ou seja, para os colegas com parafusos soltos na cachola, nossa mente parece ser uma tartaruga eternamente com labirintite, que volta e meia se vê debatendo-se de pernas para o ar completamente incapaz de se mover. Por mais que tenhamos alguns colegas que queiram nos desemborcar, algumas vezes não conseguimos sair do estado em que nossos mundos se viram de cabeça para baixo e nos vemos sem chão.
Sejam psicólogos, psiquiatras, remédios, amigos ou familiares, nem sempre nossa tartaruguinha é capaz de se desvirar, ainda que conte com toda a ajuda do mundo.
Mesmo que tenhamos o mundo aos nossos pés, nada parece ser suficiente para que voltemos a pôr os pés no chão. Sou completamente averso à narrativa de que tudo depende de nós mesmos e que a cura está em nós. Ninguém diz a quem quebrou uma perna que não precisa imobilização nem medicamentos, contudo essas “doenças invisíveis” são constantemente vítimas do discurso da cura autônoma.
Acho, inclusive, um pouco cruel, ou no mínimo incessível, a sugestão que a cura só depende de nós mesmos, que precisamos de disciplina ou de força de vontade.
Aqui falo em primeira pessoa: ninguém que tenha algum distúrbio psiquiátrico, alimentar ou comportamental estaria vivendo o pesadelo de uma doença se pudesse se livrar dela apenas com força de vontade ou determinação. O buraco é mais embaixo.
Só quem convive com sua “tartaruguinha virada” dentro da cabeça sabe que nós precisamos de ajuda. Muitos de nós passamos a descuidar de cuidados básicos com nós mesmos e nosso entorno. Tomar banho, escovar dentes, limpar a casa, se alimentar… tarefas que são simples para a maioria das pessoas para nós passam a ser tarefas homéricas. Se você tem pessoas na sua vida as quais podem fazer alguma tarefa dessas para você, aceite a ajuda. As vezes o caos que reina na nossa cabeça e se materializa no ambiente em que vivemos pode dar uma trégua se acharmos um ambiente limpo e organizado, as dificuldades de alimentação podem ser diminuídas se não formos responsáveis pelo preparo dos alimentos.
Aprendi com os anos que, muitas vezes, além de não serem suficientes, palavras, por mais bem intencionadas que sejam, se não apenas infrutíferas, passam a ser projéteis mortíferos na nossa já abalada saúde. Ações, contudo, são capazes nos mover às lágrimas.
Um prato de comida, uma roupa dobrada, ou um singelo presentinho que nos lembre quem nós realmente somos e o nosso valor, isso não tem preço.
Minha mãe costuma utilizar a metáfora da pena que fez o camelo desabar. A gota d’água que faz o copo transbordar. Contudo, eu acho que isso não se aplica exatamente a quem, como eu, tem uma mente “peculiar”. Por mais que não seja nada tão poético quanto o conto contado por minha mãe, eu sinto que nós somos mais voláteis que o pobre camelo da história. Não sei se o leitor já teve a oportunidade de presenciar uma assadeira refratária explodindo depois de sair do forno. Se não, resumo: um espetáculo pirotécnico.
O vidro de sílica, temperado e resistente a altas temperaturas, se exposto a uma brusca mudança de temperatura (como ser posto em cima de uma pia úmida após sair do forno) explode em milhares de pedacinhos que vão aparecer na sua cozinha pelos próximos dois anos. No caso do camelo, acredito que qualquer outro camelo desabaria sob o peso daquela singela pluma. No caso do refratário, uma prosaica forma de alumínio, amassado e manchado pelo tempo, não reagiria da mesma forma que a cristalina travessa refratária.
Assim somos nós, normalmente estamos em uma situação a qual estamos acostumados, e em que outras pessoas também estão acostumadas. Contudo, em nós provoca explosões inesperadas e nos destrói por completo, enquanto em outros provoca apenas um chiado de desagrado.
Acredito que nunca vou me esquecer de uma médica que, ao procurar tratamento para as minhas questões, me disse: “Você não tem ansiedade. Você é ansioso”. O que me fez ter de lidar com o fato de que nunca estarei realmente curado de nenhum dos meus males. Poderei, um dia, controla-los, descontinuar o uso dos medicamentos, etc. Contudo, é a minha natureza ser quem e como sou.
Poderei morrer sem me curar, ou poderei ver a morte chegar sem a lembrança distante dos percalços que enfrento hoje. A essas alturas, acredito que nem Deus sabe o que o futuro me aguarda.
O fato é que, não diferente das tartarugas que precisam da ajuda dos seus, nós precisamos de ajuda também. Seja de onde vier e da forma que for. A cada mal um remédio. Contudo, muitas vezes nos vemos num “mato sem cachorro”, e, infelizmente, nós temos que encarar o fato que, por mais assistência que tenhamos, não virá ninguém ao nosso resgate. Simplesmente porque não há como sermos resgatados de nós mesmos.
Existem situações, condições, males que não têm “cura”. E talvez o “segredo” seja entender que não precisamos fazer limonadas com os limões que as vida nos dá. Talvez o segredo de vivermos como somos seja aceitar que os limões são apenas limões, não um mal azedo, mas algo que as vezes, com um pouco de açúcar, se torna um doce, e as vezes nos faz fazer caretas com seu azedume. São o que são. Somos o que somos.
Honestamente, eu não posso passa r uma receita de como lidar com essas situações porque eu mesmo ainda não descobri como lidar quando minha cabeça resolve ficar de pernas para o ar. Particularmente, quando eu me encontro no, já familiar e proverbial, fundo do poço, se abate sobre mim um sentimento de pedir aos céus e aos deuses que me mandem um anjo ou um herói que resolva todos os problemas que eu sei que causam as minhas aflições, mas a realidade se abate sobre mim com a sua crueza de que esse é um problema o qual eu mesmo tenho que lidar. Com ajuda, sim, mas também sozinho.
Os budistas acreditam na filosofia que a receita pelo sofrimento seja a busca incessante para o prazer. Assim, a vida vive de solavancos, altos e baixos, e o que devemos, verdadeiramente, almejar é o “caminho do meio”, um caminho de contentamento e serenidade que nos proporcione paz. Mais fácil falar do que fazer.
Contudo, acredito sim que o devemos buscar na nossa vida não é vivermos transformando limões em limonadas, nem tampouco esfregando os limões em nossos olhos, mas simplesmente aprender a lidar com o, as vezes prazeroso, as vezes travoso, sabor dos limões.
Antônio Henrique Couras nos brinda com mais um artigo da sua lavra que repercutiu muito bem.
Antônio apesar de jovem vem se revelando uma enorme capacidade de elaboração.