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Está pago, varrido, esquecido

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Umas das minhas memórias extemporâneas é a da minha adolescência francófila. Aos quatorze ou quinze anos eu decidi que iria estudar francês. Depois de quase uma década dedicada (com muita má vontade) à língua de Shakespeare, atravessei o Canal da Mancha e me dediquei à língua de Victor Hugo. Dou graças a Deus todos os dias por essa decisão, pois acredito que sem o super cérebro que os jovens são dotados eu jamais aprenderia a infinidade de verbos auxiliares e conjugações irregulares.

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Fato é que enquanto a juventude de muitos foi sonorizada por seus contemporâneos, eu tive a minha embalada pela “chnaçon” francesa, uma espécie de MPB ou Bossa Nova deles. Consegui ser demodé em três línguas. De fato, uma proeza para poucos (a César o que é de César, nos tempos antediluvianos em que eu estudava a língua dos gauleses, aprendi a contar em Francos, moeda anterior ao Euro que fora instituído em 2002).

Com a música francesa ressoando em meus ouvidos e em minha mente, uma estrofe sempre se mantém em minha mente. A primeira de “Non, je ne regrette rien”, de autoria de Michael Vaucaire e Charles Dumont, imortalizada na voz de Édith Piaf
Non, rien de rien
Non, je ne regrette rien
Ni le bien qu’on m’a fait
Ni le mal
Tout ça m’est bien égal
Non, rien de rien
Non, je ne regrette rien
C’est payé, balayé, oublié
Je me fous du passé

A canção diz assim: “Não, nada de nada. Não, eu não me arrependo de nada. Nem o bem que me fizeram. Nem o mal.” Sempre achei isso de um desprendimento enorme. Uma coisa é se desprender do mal que nos é feito, outra ainda mais difícil é se desprender do bem que nos é feito. Nos desprendermos de qualquer dívida de rancor ou gratidão. De fato, é um exercício para vida. A canção continua: “Não, nada de nada. Não, eu não me arrependo de nada. Está pago, varrido, esquecido. Que me importa o passado.” Piaf segue, como é seu hábito, a encerrar a canção explicando que seu desapego ao passado se dá por uma nova paixão que surge e a faz esquecer de tudo e que sua vida só começa a partir daquele momento. Mas tirando o desprendimento de uma paixão que tudo entrega, ainda acredito que a letra da música é uma inspiração principalmente nesse momento em que encerramos o ano.

Trechos traduzidos da música “Non, Je Ne Regrette Rien”

Curioso pensar que o Calendário Juliano e o seu herdeiro (adotado até hoje), o Calendário Gregoriano, são calendários solares, contudo, a passagem de um ano para o outro se dá sem que haja nenhum evento celeste digno de nota. Herdamos dos pagãos o hábito de se celebrar os solstícios de inverno com as fogueiras de São João e o solstício de verão com as luzes que celebram a chegada do menino Jesus. As celebrações de Ano-Novo são, em geral, mais importantes em culturas que adotam os calendários lunares como a cultura judaica e a chinesa, por exemplo.

No caso da tradição judaica, essa celebra o seu ano novo concomitante com o primeiro dia da primeira lua nova de outono (no norte, ou de primavera no sul), já o Ano-Novo Chinês começa na noite da lua nova mais próxima do dia em que o sol passa pelo décimo quinto grau de Aquário. Nossas tradições de ano novo chegam a ficar tímidas depois de tanto simbolismo. Aliás, de semente de uva a pular sete ondinhas, puro sincretismo. Nada cristão, muito menos ocidental. Apenas a nossa amada massaroca de culturas que chamamos de Brasil.

Ressoando esse diapasão, deixar para trás o passado não é apenas um desejo, mas uma necessidade. Se não deixarmos um pouco da nossa bagagem conforme caminhamos pela vida, uma hora o seu peso nos vence e simplesmente paramos sob o peso da nossa história. Varrer e esquecer é preciso.

Aqueles que leem os astros afirmam que o ano de 2023 será o início da saída do fundo do poço. Um ano que traz uma esperança há muito perdida. Um ano em que as colheitas serão fartas e a economia voltará aos trilhos de outrora. Então, que os astros no guiem por 2023 e nos abençoem com seus bons auspícios. Contudo, nem os astros são capazes de nos catapultar do lugar escuro em que estamos enterrados há alguns anos.

Preciso é, e será mais do que nunca, resiliência de nossa parte para que esse ano regido pela melindrosa lua não nos enlouqueça de vez com seu temperamento emocional. Saúde mental será uma necessidade aliada a um possível alívio financeiro e econômico. 2023 ao que tudo indica será o ano em que a canção que diz “levanta, sacode a poeira dá a volta por cima” fará mais sentido. Contudo, antes da “volta por cima” preciso será que tomemos a iniciativa de levantarmos e sacudirmos a poeira. A volta por cima é, inexoravelmente, atrelada a nós mesmos, tomarmos a iniciativa da mudança.

Então, caros leitores, muito obrigado pela companhia nesse longo ano, cheio de emoções, algumas vitórias, mas sempre nos lembremos que da democracia à felicidade tudo que possuímos é construído a partir da ação. Em um mundo sofrendo de aquecimento global, nem chuva está mais caindo do céu, então façamos a nossa parte para que daqui a um ano nos encontremos mais uma vez, desta vez celebrando um ano gordo, próspero e feliz, não um ano de soluços e solavancos como o franzino 2022. Que os deuses e os astros nos abençoem a todos e até o ano que vem.

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