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Mulheres sós –

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Acredito que o tema que hoje abordo, neste artigo, terá olhares diversos e uma picada de ironia de quem nunca pensou na mulher como protagonista de sua própria vida. Seguindo minha forma de abordar temas que, de certa forma, vivenciei, seja no trabalho, na vida profissional e até mesmo na família, resolvi, ao falar desse tema, homenagear algumas mulheres que conheci de perto, assim como suas dificuldades e história de vida.

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Como já abordei alguns temas que envolveram minha família, gostaria de contar as histórias de algumas que por opção, ou por preconceito familiar, não casaram.

Com algumas delas, tive a oportunidade de conversar de forma mais íntima, por termos laços mais próximos e partilhamos muitas conversas da vida da mulher.

Sempre houve conversas em minha vida sobre a mulher, seja a que não constitui uma família, por não ter se casado, e pelo pré-conceito familiar também, “optaram” por não ter filhos.

As mulheres às quais me refiro, algumas não estão mais entre nós, mas de certa forma a presença delas em nossas vidas, foi tão forte que eu não poderia falar dessa problemática sem abordar suas histórias. Vou utilizar a metodologia da história oral, que permite, dentre outras coisas, substituir o nome dos personagens como forma de preservar suas verdadeiras identidades. Assim, sendo irei chamá-las de: Violeta, Jasmim, Hortênsia, Tulipa e Margarida.

Nascidas numa família tradicional e criadas com muito rigor moral, e, se me permitem a sinceridade, demasiadamente reprimidas. Mesmo considerando o tempo, as mulheres do início do século, como elas, não tinham perspectivas de alçarem uma vida profissional diferente. Seu destino era direcionado ao magistério ou ao casamento. É evidente que encontramos na história mulheres que saíram desse arquétipo, mas venhamos, foram poucas. E, em nosso relato, precisamos compreender que nasceram no interior do Nordeste com pais que tiveram a mesma educação e comportamento.

Várias autoras, dentre elas, Zilah Eisenteim (1993) , situam o feminismo, que eu conceituo como “as manifestações da mulher voltadas para seu valor e auto estima”, só se organizou enquanto força política no final do século XIX e primeira metade do século XX. É evidente que para a mulher nordestina do interior, essa organização não chegou até ela neste período, e posso garantir para nossas personagens ele nunca existiu.

Essas moças, tiveram uma excelente educação para época, bem relacionadas e como as famílias tinham um número muito elevado de filhos, tiveram seus primos e primas, companheiros e companheiras para as aventuras, das festas da padroeira, novenas e aniversários da cidade. Moravam no sítio (Zona Rural), saiam para essas festividades e para escola. Algumas delas, levaram o estudo mais a sério como foi o caso de Violeta, Tulipa e Margarida. As outras duas, desenvolveram como poucas, habilidades manuais voltadas para a costura e bordado.

Violeta ainda chegou à noviça no colégio de freiras em Campina Grande, mas até hoje, não descobrimos a causa de sua desistência. Logo que voltou para casa, dedicou-se ao magistério, tendo exercido sua profissão com grande zelo, indo morar temporariamente nas fazendas nas quais os proprietários tinham a preocupação de dar pelo menos a educação básica aos seus filhos. Alguns desses alunos, se considerarmos os padrões de hoje, foram apenas alfabetizados. No entanto, muitos desses alunos se tornaram grandes comerciantes não só na cidade onde nasceram, mas chegando até a Capital.

Continuando a história de Violeta, veio a se casar com um de seus alunos, o que provocou uma enorme insatisfação em sua família. Dessa união, que resultou em uma relação muito difícil, acredito que em função de sua religiosidade e do grande amor por seu marido, nunca desistiu dele. Teve cinco filhos e muitas dificuldades.

Se separaram quando aos 25 anos de casados, ele constituiu outra família, mas nunca deixaram de ser amigos. Se falavam todos os dias, e ele a visitava uma vez por mês. Quando ela, já com idade bem avançada, desenvolveu Alzheimer e teve várias complicações de saúde, ele foi visitá-la, mas não suportou vê-la doente. Ela desencanou em janeiro e ele nunca mais foi o mesmo homem. Ele partiu em novembro do mesmo ano.

Jasmim, não casou. Se tornou a administradora e organizadora da casa e como atividade que a remunerava bem pouco, levando em consideração a qualidade do trabalho, de bordado usando pedrarias, um dos mais belos que já vi. Nas horas vagas e de conversas que as levávamos a volta ao passado, como forma, de tentar perceber o que ficou em cada uma delas dessa forma de vida, Jasmim, respondia com certa tristeza que teve um único amor, mas como era “moreno” o pai proibiu o namoro. O Rapaz foi embora e ela nunca mais soube dele. Mas não se tornou uma pessoa amarga, dava boas risadas quando dizia que ia para as festas para tomar os namorados das amigas. Também passou pelo Alzheimer, de forma serena e desencanou sem causar nenhum trabalho próprio da doença. Quando tinha raiva era causado pela incompreensão da doença por uma das irmãs. Nada que um abraço, não a fizesse voltar ao presente.

Estou relatando a vida dessas mulheres, obedecendo a idade de cada uma. Ou seja, da mais velha a mais nova, independentemente da data de seus desencarnes, que não se deram em função da idade.

Assim, passaremos a falar Hortênsia, que se encontra com 96 anos, não desenvolveu Alzheimer, mas a demência já se encontra em estado bem avançado.

Essa sim, em função da vida reprimida e proibida de se casar com único homem que amou, porque segundo o pai, não teve filha pra casar com homem filho de uma mulher “da vida” –essa qualificação foi atribuída à mãe do rapaz por ser “mãe solteira”, como se dizia. Quero lembrar que isso aconteceu por volta de 1950. Imaginemos o quanto a mulher já passou para se impor na sociedade cruel e desumana, e que sobrevive até hoje. Por um lado, uma mulher que deixou de ser feliz porque não teve a audácia de confrontar o pai em defesa de seu grande amor; do outro, uma outra mulher que teve a coragem de ser “mãe solteira”, e que até seu filho sofreu a mesma falta de amor de compreensão dessa mesma sociedade.

Tulipa, foi uma das mais lindas mulheres não só pela sua aparência externa, mas pelo amor e humanidade que carregava dentro de si. Ajudava a todos que a ela procuravam. Se tornou funcionária pública, e não casou por opção. Dizia que nenhum homem era digno dela. Será que tinha autoestima? Como maravilhosa amiga, profissional, tia e irmã, educava seus sobrinhos dentro do mais alto grau de etiqueta e educação para vida. Também desenvolveu Alzheimer, sem nunca ter deixado sua vaidade dignidade e amor ao próximo. Simplesmente desistiu de viver.

Fechou seus olhos, e não os abriu mais como não se alimentava, teve desidratação que a levou ao hospital. Passou quinze dias numa UTI, mas sem nenhum diagnóstico de qualquer doença, até que seus órgãos pararam de funcionar. O Médico que a acompanhou durante todo processo do Alzheimer, nos disse: “Ela desistiu de viver”.

A ultima a nascer, foi Margarida. Essa, nunca levou desaforo para casa. Também teve um grande amor na juventude, e por ser um rapaz negro, também foi proibida de casar. Ele foi embora, ela casou muitos anos depois, separou-se e voltou a encontrar seu grande amor que já se encontrava viúvo e ela divorciada.

Casaram-se e viveram todas as aventuras que a vida os permitiu. Não desenvolveu doenças mentais, mas o alcoolismo foi a causa do desenvolvimento de várias patologias que a levaram embora.

Este meu relato, o faço como homenagem a essas grandes mulheres, que lutaram para sobreviver, sem a dependência financeira de nenhum homem, mas tiveram suas vidas partidas, pelo costume de uma época que ainda existe. Estamos no século XXI, e a mulher ainda passa por várias questões ligadas a esses relatos. O direito de amar, ainda não é para qualquer uma. A sociedade ainda pune e persegue a mulher que faz a opção pela felicidade. Acontece ainda, com a mulher que, por traição, termina com um casamento, tendo que suprir as demandas dos filhos, porque a Lei ainda pune.

Pune quando essa mulher fica com a responsabilidade de criar seus filhos com uma pequena pensão, que muitas vezes não dá para a própria alimentação das crianças. O Direito da mulher ainda anda lá pelo século XIX, inicio de século XX. Quando essa história irá mudar? Quando a mulher terá seus direitos e a garantia de uma vida digna com direito a amar e ser feliz?

Fica a reflexão e minha homenagem a todas as mulheres que não têm ainda, o direito de amar e ser respeitada, mesmo fazendo a opção de viver sem um provedor que a prenda em um casamento ou em uma relação doentia, mas necessária. Pois não temos uma política pública que garanta o direito de ser mãe e quando esta mulher, não tiver como sobreviver, precise viver só. Sem amor e sem proteção.

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