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Quando a vacina chegou à Paraíba

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Foto: Gaston Mélingue/Reprodução

Na Paraíba, em dezembro de 1597, foi reunida uma grande força, tendo como comandante o capitão-mor Feliciano Coelho de Carvalho, com o objetivo de conquistar aos Potiguara as terras do Rio Grande do Norte. Um relato sobre essa expedição está na “História do Brasil” de Frei Vicente do Salvador, que é considerado o primeiro historiador brasileiro:

“E esse exército começou a marchar das fronteiras da Paraíba a 17 de dezembro de 1597, indo os espias e corredores diante queimando algumas aldeias que os potiguares despejavam com medo […] Mas aos que fugiam os inimigos não fugia a doença das bexigas, que é a peste do Brasil, antes deu tão fortemente em os nossos índios e brancos naturais da terra que cada dia morriam dez ou doze, pelo que foi forçado ao governador Feliciano Coelho fazer volta à Paraíba pera se curarem”

Essa narrativa escrita por Frei Vicente do Salvador foi um dos primeiros registros históricos de uma epidemia da “doença das bexigas” no Brasil. A bexiga, como a varíola era chamada pelos portugueses, foi uma das doenças trazidas pelo colonizador europeu e seria a responsável por uma grande mortalidade nas populações mais vulneráveis do Brasil, principalmente indígenas e escravos, conforme vários relatos que ficaram na história.

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Foto: Internet/Reprodução

Na Inglaterra, no final do século 18, havia uma crença entre as pessoas que trabalhavam tirando leite das vacas que elas ficavam imunes à varíola humana, caso antes tivessem contraído a varíola bovina. Em 1796, o médico Edward Jenner começou a investigar a situação inoculando em um menino material da varíola bovina e, depois, com o material da varíola humana, não tendo a criança contraído qualquer enfermidade grave. Edward Jenner publicou, então, às suas custas, um pequeno livro com o resultado das suas experiências, obra que teve grande repercussão. Jenner, também, verificou que o material retirado das pústulas da varíola poderia ser secado e enviado para longas distâncias. Três anos depois, o imunizante chegava a Portugal. Conta-se que o Príncipe D. Pedro, futuro Imperador do Brasil, teria sido uma das primeiras crianças portuguesas vacinadas.

As primeiras determinações para que fossem iniciadas vacinações no Brasil devem ter chegado por volta de 1802, porque, ainda neste ano, o Governador da Paraíba Luiz da Motta Feo informava ao Reino a inexistência na Capitania de “casa de expostos” (uma espécie de enfermaria) para a “inoculação das ‘bexigas’ no que respeita a índios, negros e meninos dos particulares”. Alegava, ainda, o Governador que a maioria dessas pessoas morava “nos mattos e em diversas distancias aonde jamais são tratados os enfermos por Professores […] curando-se todos ou a maior parte por pessoas curiosas, que por meio da experiencia tem adquerido o uzo de tratar destas enfermidades, especialmente as bexigas”. Além do mais, na correspondência ao Rei o Governador da Paraíba argumentava que apesar de na cidade existir “hum medico e dois sirurgiões, estes mesmos poucas vezes são chamados em razão da paga que poucos podem dar”.

Naquela época, havia uma distinção clara entre médicos e cirurgiões. Poucos eram os médicos que trabalhavam nas Capitanias do Norte porque, segundo a historiadora portuguesa Maria Beatriz Nizza da Silva, o custo elevado de se manter um médico fazia com que os cirurgiões, que eram mais baratos, fossem os profissionais mais requisitados. Os cirurgiões “só cuidavam de ferimentos e amputações, e não das chamadas enfermidades internas” além do que “pertenciam a um grupo social e científico inferior ao dos médicos”. Conforme escreveu Maria Nizza

“Quando se divulgou em Pernambuco e nas capitanias vizinhas a descoberta de Jenner contra o mal popularmente conhecido como bexigas foram cirurgiões que nas vilas se encarregaram da inoculação da vacina, enquanto nas cidades que se encontravam médicos estes também colaboraram na vacinação, procurando vencer os preconceitos da população e os seus temores”.

Em 1805, o Governador Luiz da Motta Feo, em carta datada de 1 de julho, comunicava ao Visconde de Anadia, Ministro de Estado do Reino, o início da vacinação contra a varíola na Paraíba. O governador participava ao Ministro que os primeiros vacinados foram ele e os seus filhos:

“e conseguindo finalmente que chegasse nesta cidade o humor vaccinico tenho o gosto de participar a V. Ex.ca que fui eu o primeiro que aqui adoptei este preservativo, sendo eu mesmo e meus filhos os primeiros que nos inoculamos e até o presente contão-se já nesta cidade vinte pessoas inoculadas e com feliz sucesso. Tenho passado as ordens precisas e com as necessarias Instrucções para se espalhar por todas as partes desta capitania este methodo de inoculação”

No ano seguinte, o Governador Luiz da Mota Feo informava para Portugal acerca dos resultados da sua ação para o convencimento das pessoas sobre os benefícios advindos com a vacinação:

“tenho a honra de participar a V. Ex.ca que não obstante os prejuizos que grassão nos habitantes desta capitania, o feliz successo e facilidade com que esta operação se pratica, tem convencido alguns e vai sujeitando a maior parte a vaccinar-se, sem já, serem obrigados, só pelo, meu trabalho em persuadir, tendo eu, ao presente o gosto de ver quasi extincto nesta cidade e seus suburbios este tão pernicioso mal, que antigamente dizem os seus habitantes aqui, se não conhecia”.

Documentos existentes nos arquivos portugueses e citados pela historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva, na sua obra “Elites Pernambucanas no fim do Período Colonial” indicam que o novo Governador da Paraíba Amaro Joaquim Raposo de Albuquerque continuou com as providências tomadas pelo seu antecessor com relação à vacinação dando ordem às câmaras das vilas do interior para que iniciassem o uso da vacina e enviando um cirurgião para os locais onde houvesse a incidência do “pus vacino”. Apesar dos esforços dos Governadores da Capitania, a vacinação não era tão facilmente aceita pela população da Paraíba. Segundo Maria Nizza:

“Recorreu-se mesmo ao ouvidor geral João Severiano Maciel da Costa que se preparava para partir em correição pelo sertão, para que, pelo modo que lhe parecesse conveniente, fizesse inocular os habitantes ‘mostrando aos povos a facilidade, vantagens e nenhum perigo’ que havia na inoculação. Contava-se com ‘os conhecimentos e luzes’ do ouvidor para persuadir a todos de tão útil descoberta”.

Aproveito, aqui, para reparar uma incorreção histórica que vem sendo aceita, há mais de um século, sem qualquer contestação. O mineiro João Severiano Maciel da Costa que, em meados de 1805, se encontrava como ouvidor geral da Paraíba seria, anos depois, agraciado pelo Imperador Pedro I com o título de Marquês de Queluz. Maciel da Costa e o pernambucano Estevão José Carneiro da Cunha foram votados na Paraíba para a primeira representação da Província para o Senado do Império e escolhidos pelo Imperador como os dois primeiros Senadores paraibanos. O historiador Afonso de Taunay em “O Senado do Império”, obra que é muito citada, escreveu que Maciel da Costa havia sido “escolhido pela Paraíba do Norte, província sua desconhecida”. Essa afirmação de Taunay foi dada como verdadeira e reproduzida pelo historiador paraibano Celso Mariz no seu livro, publicado em 1912, “Apanhados Históricos da Paraíba” no qual está escrito que Maciel da Costa “não tinha serviços nem relações especiais” com a Paraíba. Os documentos existentes no Arquivo da Torre do Tombo e no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, confirmam, de forma inquestionável, a vinculação do futuro Marquês de Queluz com a Paraíba, como ouvidor geral da Capitania, em um período de cerca de 4 anos.

Apesar da comprovação científica dos efeitos da vacinação, que não causava “incômodo de resguardo” e nem contagiava outras pessoas, como relatava um cirurgião da época, era enorme a reação de grande parte da população à aplicação do procedimento de Jenner. Dez anos depois do início da vacinação no Brasil, os médicos e pesquisadores Spix e Martius, que aqui estiveram, deixaram suas impressões na obra “Viagem pelo Brasil 1817-1820” sobre a necessidade da adoção de uma vacinação rigorosa no Brasil:

“enquanto a vacinação não for rigorosamente levada a cabo por ordem policial do mesmo modo que o batismo o é pela igreja, fica o país exposto ao perigo de repentinas e quase irresistíveis epidemias progressivas de varíola e ao despovoamento”

Em 1904, passados exatos cem anos da chegada do Marquês de Barbacena ao Brasil trazendo de Portugal a vacina desenvolvida por Edward Jenner, vivia-se, então, a segunda década do regime republicano. A determinação da Presidência da Republica, sob inspiração de Osvaldo Cruz, jovem médico sanitarista que era diretor da Saúde Pública, de tornar obrigatória a vacinação contra a varíola fez rebentar no Rio de Janeiro uma grande insurreição que ficou conhecida como a Revolta da Vacina. Políticos conservadores que faziam oposição ao governo federal, como Ruy Barbosa e Lauro Sodré, com a adesão de militares positivistas, fizeram levantar a população ignorante contra uma providência sanitária que objetivava melhorar as condições de salubridade da cidade.

Mais de dois séculos depois da comprovação em todo o mundo da eficácia do procedimento vacinal descoberto por Edward Jenner, o que parece mesmo inacreditável é que, em pleno século 21, em uma sociedade que atingiu extraordinário avanço na ciência e que é movida por sofisticados processos eletrônicos, ainda existam pessoas que são contrárias à aplicação de vacinas e incrédulas com relação aos benefícios da vacinação.

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