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Pobre é quem quer

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Uma das maiores perversidades que eu posso observar sendo disseminada não só no Brasil, mas ao redor do mundo, é a que diz que a pobreza é fruto de incapacidade ou falta de esforço individual, não a falha, ou até mesmo um objetivo claro, de um sistema que precisa de pobres para que suas engrenagens continuem girando.

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Há algum tempo eu tento escrever sobre o assunto, mas como fumaça, o pensamento me escapa, como dizia Sócrates: palavras voam, a escrita permanece.

Então tento, através da escrita, aprisionar esse pensamento fugaz. Nas primeiras lições das ciências econômicas nos são ensinados alguns preceitos básicos, tais como os insumos da produção, que vão da técnica produtiva, à matéria prima e à mão de obra necessária para a produção de um determinado produto. Assim, na produção de roupas, por exemplo, as máquinas de costura, tecidos, linhas e as costureiras ocupam o mesmo lugar na lista de “ingredientes” para a produção de roupas. E não se engane, o “capitalista” aquele que possui o “capital” para a instalação de uma fábrica de roupas, ao implantar sua indústria, buscará o melhor custo-benefício nas máquinas de costura, nos tecidos e também com as pessoas que trabalharão ali.

A economia é basicamente regida pelo princípio da oferta e demanda. Se há muita oferta de um determinado produto, digamos tecidos de algodão, seu preço será baixo já que a demanda por ele não se altera tão rapidamente. Da mesma forma se uma seca prolongada ou uma enchente afetar a produção de algodão no campo, a oferta do produto diminui e o seu preço sobre. Não diverso é o comportamento do mercado em relação à mão de obra. Se há muitas costureiras no mercado, por exemplo, o valor do seu trabalho é desvalorizado e o salário que o empregador está disposto a pagar por seu trabalho diminui de valor.

E isso se dá em todas as esferas possíveis das cadeias produtivas. Nós, trabalhadores, somos apenas insumos que têm um valor, ou melhor, um preço, dentro de uma cadeia de produção. E se não fossem algumas vitórias nossas no campo político, o mínimo que nos é garantido não existiria. Imagine uma situação, como a atual, com o desemprego em alta, quantos não se prestariam a um trabalho que lhe pagasse apenas um lugar para dormir e um prato de comida?

Contudo, não somos meros insumos de produção, somos seres humanos, e a nossa dignidade é inseparável de nós mesmos. O salário-mínimo, seguro social que nos permite nos afastarmos do trabalho em caso de doença, licença maternidade e tantos outros aspectos são vitórias e conquistas que de outra maneira nos prenderiam a uma condição de máquinas ou animais substituíveis e sem valor.

Mas das coisas que essas eleições nos mostraram foram que nenhum conhecimento é obvio, muito menos aqueles relacionados à decência humana. É inegável que em muitos aspectos da vida somos produtos de nossos meios. Fui criado no Nordeste, filho de pais que trabalhavam, direta ou indiretamente, com a busca e acesso de direitos para os mais pobres. Vi o benefício que institutos como a aposentadoria rural ou para trabalhadores informais pôde ofertar para idosos que me cercaram. A seguridade social nunca foi uma questão a ser discutida, direitos dos mais pobres nunca foram discutidos.

Entretanto, ao sair da minha bolha, e observar os cenários mais ao sul do país fiquei em choque ao finalmente entender a revolta de muitos que foram contra as medidas de restrição de circulação na pandemia, por exemplo. Na medida em que aqui, nas costas quentes do Brasil, não discutimos que somos brasileiros, nem pobres, nem que precisamos dos direitos conseguidos com tantas lutas, mais ao sul, o frio parece ter subido à cabeça.

Presidentes de grandes empresas individuais que sequer produzem lucros o suficiente para pagarem impostos, que compram meia ação de uma empresa, moram de aluguel e que viram seus carros saírem das concessionárias no governo Collor, acreditam que estão do outro lado do muro, juntos com os magnatas da indústria, comércio e mineração. Nesses momentos é um tanto inevitável algum bairrismo.

Historicamente chamou-se o interior de São Paulo de “Tucanistão” em referência à hegemonia do PSDB na região. Hegemonia essa motivada por essa crença que o Estado não ajuda, ao contrário, atrapalha o espírito empreendedor daqueles que querem “vencer na vida”. Muita burocracia, muito imposto, “muitos direitos” … Quanto mais eu estudo, mais eu me pergunto se isso é ignorância ou simples mau-caratismo.

Eu acredito que o bolsonarismo tende a se extinguir uma hora que o presidente da república mude. Ao contrário da esquerda, que se baseia em ideais, o que se chama hoje de direita, que ao ver de muitos é, na verdade, Fascismo puro e simples, se pauta na manutenção de uma ilusão de manutenção de um status quo que beneficie os que sempre estiveram no poder (e uma massa cega que acredita fazer parte desse grupo). Mudando-se o status quo, o alicerce desse neofascismo tropical tende a ruir e talvez tomar novas formas.

Muito se questiona se passadas as eleições as coisas voltarão a ser como eram outrora, se famílias se reunirão e se o país voltará ter uma unidade. O que eu acredito, é que todo o processo que vimos passando desde o golpe de 2016 não cindiu absolutamente nada, apenas mostrou as cisões que sempre existiram. Por mais preocupante e triste que seja auferir isso, o mundo, o Brasil e até as nossas famílias, são divididas entre “nós” e “os outros”. Não vejo mais como conciliar pessoas que defendem a morte de outras baseadas em quem amam, onde nasceram e para que deus fazem suas preces com aqueles que buscam o bem de todos independentemente de qualquer coisa.

Nada é impossível para o ser humano, mas acredito que enquanto “os outros” quiserem o fim do “nós”, a harmonia não poderá existir. Enquanto não entendermos que somos um só, ou que enquanto não nos unirmos, brigaremos até a morte sem jamais saímos do lugar.

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