Deixei esta coluna para ser escrita no final de uma semana que não foi simples. Política e pessoalmente foi uma semana realmente caótica. De confisco dos fundos das Universidades e Institutos Federais pelo governo, a um escândalo (ou vários) em que o nosso não muito estimado presidente estava com seus cascos sujos de enxofre completamente mergulhados.
Mas como diria Jack (o Estripador), vamos por partes. Já no domingo, a apuração teve inúmeros altos e baixos. Enfim, divulgou-se que iremos para um segundo turno. O que isso disse foi mais do que apenas que o Governo ainda tem o apoio de mais de 50 milhões de brasileiros, e isso é o que mais assusta. Usualmente, um governo posto tende a receber a maioria dos votos, inclusive tendo todos os presidentes sido reeleitos desde que a reeleição foi permitida para o cargo de Presidente da República, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Tendo FHC sido eleito no primeiro turno para os dois mandatos. Desde então, Lula e Dilma foram reeleitos, e se não tivesse havido o golpe de 16 teríamos completado 3 pares de governos eleitos democraticamente e reeleitos, o que atestaria a estabilidade política de um país. Contudo, houve o golpe.
Desde 2016 enfrentamos uma guinada à direita, que por si refletia um movimento global repetido em vários outros países no mundo. Contudo, poucos desses países que elegeram um governo direitista escaparam ilesos da manobra. Dos Estados Unidos de Donald Trump em pé de guerra com a Coreia do Norte, tentativa de golpe na posse do sucessor do presidente republicano, à Inglaterra de Boris Johnson e o Brexit, o mundo, podemos dizer, saiu pior do que estava. O contexto global piorado pela pandemia ilhou economias e pôs fim ao movimento de integração global que vínhamos acompanhando nos últimos 30 anos.
No caso do Brasil, o conservadorismo tomou uma proporção macabra com a restrição das liberdades de minorias, aumento do desmatamento e completo descontrole de políticas ambientais. A boiada passou por cima de nós, talvez exatamente como queria o ex-ministro Ricardo Sales, futuro Deputado Federal pelo estado de São Paulo. Fato é que em vários momentos fomos chacota internacional pelas posturas pouco republicanas do Governo Federal e da pessoa do próprio Presidente da República. Com a pandemia pousando sobre nós pouco depois do primeiro aniversário do governo do, então, novo presidente, o que parecia não poder piorar, piorou. Hoje contamos com 700.000 mortos pela COVID-19, grande parte deles poderiam ter sobrevivido se o Governo Federal tivesse iniciado uma campanha de vacinação mais cedo e tivesse dado algum apoio financeiro e logístico ao corpo de saúde que lutava contra a pandemia.
Infelizmente, contudo, no último domingo parece que todos esses fatos foram esquecidos, quando o atual mandatário recebeu meia centena de milhões de votos que outorgavam o seu modo de governar. Contudo, devemos, ainda que nesses momentos de inevitável apreensão, observar o lado positivo das coisas. A outorga dada por esses brasileiros ao Presidente nos mostraram que o fato dele ser corrupto, envolvido com organizações criminosas e ter feito uma das piores gestões que esse país viu desde que os portugueses chegaram, nos mostra que o Presidente nunca foi eleito por sua capacidade administrativa, ou promessas de uma política econômica liberal, ele foi eleito, sim, por ser o retrato de um povo que guarda em si demônios que são assustadores.
Se você não é um homem branco, cisgênero, heterossexual e nasceu em algum dos estados do Sul, Sudeste ou Centro-Oeste, se você não está com medo, deveria estar. Não é apenas o Presidente que tem um problema com a sua existência (como se isso não já fosse o suficiente), são mais 50 milhões de pessoas que concordam com ele em seu machismo, homofobia, racismo, xenofobia e todo o rosário dos piores adjetivos que o Presidente tem demonstrado nas últimas 4 décadas de (des)serviço público. Agora se imagine, você que não corresponde ao perfil do homem branco imune de preconceitos de gênero, raça e todos os outros que habitam aquela carcaça que habita no Alvorada, diante de uma multidão de 50 milhões de pessoas que acreditam que você existir é uma afronta a elas. Você se sente seguro? Eu não.
Como se isso não fosse o bastante, o desemprego está na casa dos 9%, isso são quase 20 milhões de pessoas desempregadas hoje no país. O agronegócio, menina dos olhos do Pressente, terá uma queda estimada de 1,7% no ano de 2022. A inflação do Brasil, hoje, é a sétima maior no mundo com uma taxa de 10% ao ano, junto com uma taxa de juros em alta, que hoje é a terceira maior no mundo. Assim o cenário da catástrofe está montado. Inflação de 10% ao ano, altas taxas de desemprego, salário mínimo sem reajustes reais, tabela de imposto de renda defasada e a simples falta de alimentos fundamentais causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Sem pensarmos em preços de outros aspectos fundamentais da vida cotidiana como energia, observemos apenas a alimentação: pouca oferta somada à carestia, e isso somado a um salário defasado e desemprego.
Eu poderia escrever mais uns bons parágrafos aqui, a respeito de política internacional, ambiental, de saúde, educacional e tantos outros aspectos no mínimo debatíveis do atual governo, mas depois do último domingo eu percebi que para o povo brasileiro nada disso importa, o que importa é que mantenhamos o pobre miserável, a classe média iludida e transformemos o Brasil em um paraíso de desigualdade onde os ricos são os mais ricos. Às favas com a dignidade do povo, com educação, saúde ou alimentação.
Contudo, enquanto houver vida haverá luta. Enquanto houver pobreza e fome haverá quem lucre, mas também haverá quem lute. Seja até o fim do ano ou até o fim de um próximo mandato o que não podemos é deixar que nos intimidem, não podemos deixar de lutar por nós mesmos, mas principalmente não podemos deixar de lutar por aqueles que não têm voz nem vez. Que sejamos as vozes que gritam, os braços que lutam e as pernas que marcham por aqueles que não podem. Desistir não é um luxo ao qual podemos nos dar. Guerra, crises climáticas e só Deus sabe mais o que nos aguarda nos anos vindouros, e o que quer que seja, deverá nos encontrar com armas em punho. Não as grosseiras armas de fogo tão amadas pelo bolsonarismo, mas a sabedoria e o sentimento de harmonia e amor universais. Como dizem os franceses: às armas cidadãos!