Litígio Interestadual Entre o Ceará e o Piauí

Fonte: Foto: ALECE

Desde a nossa mais tenra infância em Lavras da Mangabeira no Ceará, nosso berço natal, ouvíamos falar de uma área de litígio que remontava a mais de 300 anos, entre os estados do Ceará e o Piauí.

Pelos registros históricos, a causa fundamental do litígio, é uma centenária disputa de terras fronteiriças entre o leste do Piauí e o oeste do Ceará.

O objeto da disputa é a titularidade de parte do território de treze cidades do estado do Ceará, todas elas encravadas no Chapadão da Ibiapaba, além de parte de áreas encravadas nos municípios de Parnaíba e Luís Correia, no estado do Piauí.

Entre as cidades envolvidas está o município de Crateús, que faz parte da bacia hidrográfica do Rio Poti, um curso d’água interestadual que é comum aos dois estados e deságua no Piauí, mais precisamente no sítio urbano de Teresina.

A propósito do compartilhamento do Rio Poti entre os dois estados, temos um artigo da nossa lavra, publicado no dia 09/05/2020 no sítio, sob o título Cânion do Rio Poti que mostra os pontos notáveis daquele curso d’água e a beleza do belíssimo Cânion.

Quando o Brasil foi invadido em 1500, os invasores oficiais foram os portugueses, que tiveram como eventuais e temporários coadjuvantes, os espanhóis, holandeses e franceses. Todos eles de origem europeia, de um continente de clima temperado, sem nenhuma intimidade com o nosso clima, que varia de tropical úmido, a super úmido e semiárido.

O general Viana Moog escreveu um livro muito interessante, Bandeirantes e Pioneiros, onde ele estabelece na sua ótica, um paralelo comparativo entre o modelo inglês de colonização dos países da América do Norte e o modelo de colonização português e espanhol adotado na América Latina.

“A obra de Moog consiste na retomada de uma questão recorrente: POR QUE os Estados Unidos seriam mais avançados do que o Brasil? A colonização na América do Norte iniciou-se em 1620, com os peregrinos do Mayflower. Os portugueses já estavam no Brasil desde 1532, com a criação da capitania de São Vicente.”

“Viana Moog dá maior importância à diferença no sentido de colonização; um sentido espiritual, orgânico e construtivo no modelo da formação norte-americana, e um sentido predatório, extrativista e só secundariamente religioso na formação brasileira.”

A nossa extensão territorial e a geomorfologia da nossa costa, impôs durante muito tempo uma barreira física à entrada no sertão nordestino.

A nossa variabilidade climática que metia medo nos invasores, somente no século XVI permitiu que eles chegassem à margem esquerda do Rio São Francisco, chamado Rio dos Currais, numa incursão feita pelos descendentes de Garcia D’ávila da casa da Torre na Bahia.

As primeiras gerações dos Garcia D’ávila eram sertanistas predatórios. Eles invadiram o interior da região Nordeste levando seus rebanhos, em busca de terras, pedras preciosas, ouro, prata e índios para escravizar e vender.

As primeiras incursões que fizeram foram através da margem esquerda do Rio São Francisco, e a ribeira dos Rios Pajeú e Brígida no estado de Pernambuco, alcançando a Chapada do Araripe no Ceará.

Ao desviá-la pela direita, alcançaram a Paraíba e pela esquerda o Piauí, ocupando os espaços por onde passavam, com a criação de gado, construindo e consolidando o histórico ciclo econômico do Couro.

O processo de colonização posto em prática pelos Dias D’ávila do interior do nordeste semiárido, envolveu quase todos os estados do Nordeste setentrional, e oportunizou uma ampla polêmica entre historiadores famosos sobre a veracidade dos fatos.

Os responsáveis pelos primeiros registros sobre a incursão foram: João Brígido, Tristão de Alencar Araripe, Pedro Théberge entre outros. Esses registros históricos alimentaram o debate entre duas correntes, uma favorável e a outra contrária. Envolveram-se no debate, até mesmo historiadores do leste da Paraíba, no caso o Dr. Elpídio de Almeida, que não estava no epicentro dos fatos.

Não vamos nos atrever a enveredar pelos meandros dessa história, em primeiro lugar por não sermos historiadores e sim curiosos. Deixaremos a critério dos mestres Dimas Macedo e Cristina Couto desvendá-los. Ela que está envolvida com um trabalho de pesquisa histórico, muito robusto e de grande folego sobre o papel do Cariri do Ceará na independência do Brasil.

O fato é que os Bandeirantes e os membros da Casa da Torre, ingressaram no Piauí com a mesma sofreguidão pela acumulação de riquezas. Juntamente com os Bandeirantes, puseram em prática uma exploração predatória.

Segundo alguns registros históricos, o Piauí tinha uma pequena saída para o mar, exatamente onde hoje é a cidade de Parnaíba. O espaço territorial era exíguo e não se prestava para a construção de um porto, como ansiavam os piauienses. Recorreram ao governo do Ceará, propondo a troca de parte do seu território na Serra da Ibiapaba, por uma área em que está hoje a cidade portuária de Luiz Correia.

Tempos depois o governo do Piauí entendeu que a troca teria sido desvantajosa para o seu estado e por conta dessa querela, o IBGE passou a considerar a área da Serra da Ibiapaba cedida ao Ceará, como uma área de litigio, termo jurídico assim definido:

“Litigio é um termo jurídico para designar quando há divergência entre as partes da ação, quando alguma demanda é colocada em juízo. Depois de aberta a ação judicialmente, o autor entra com o pedido e o réu deve fazer sua contestação. É nesse momento que se inicia o litigio.”

Segundo matéria de autoria de Vitor Magalhães, veiculada pelo jornal O Povo na edição do dia 19 de maio de 2022, o litígio envolve parte do território de 13 municípios cearenses a saber: Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús.

Embora seja uma disputa secular, somente em 2011 o então governador do Piauí Wilson Martins (PSB) ajuizou uma ação reivindicatória de posse, atualmente paralisada no STF.

A ministra Carmem Lúcia, relatora do processo, solicitou ao exército uma vistoria da área em questão, de modo a aclarar a veracidade dos fatos, de modo a lhe permitir fazer juízo de valor a respeito da titularidade da área.

A ação foi ajuizada pelo governo do Piauí e já impactou os cofres daquele estado em mais de R$ 7 milhões de reais. Todavia, além do impacto financeiro, é pertinente considerar o impacto provocado na identidade e na cultura das pessoas diretamente envolvidas nessa querela.

A atual governadora do Piauí Regina Sousa (PT) defendendo a parte interessada mais importante que são as pessoas, informou que não teria começado o processo de litígio entre os dois estados se a decisão coubesse a ela e disse mais:

“Para mim o que importa são as pessoas. Não adianta decidir por um lado ou por outro, se as pessoas não se sentirem de um lado ou do outro. É uma questão complexa que envolve vidas…”

O estado do Piauí reclama a titularidade de um território de aproximadamente 3.000 Km2, o qual representa 21,9% do território cearense. Além da perda territorial o Ceará perderia ainda: equipamentos públicos tais como unidades de saúde, escolas, estradas, polos turísticos, torres eólicas, estabelecimentos agropecuários etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Sem querer entrar no mérito da questão, a nossa impressão é que a reabertura de um litígio secular como esse, envolvendo pessoas de sexta ou sétima geração que não tiveram nenhum envolvimento com os fatos originários, não faz nenhum sentido.

Se a alteração geográfica traz desvantagens físicas para ambos os contendores, o desencadeamento de uma crise existencial sem limites entre os moradores das áreas em conflito acarreta um problema bem maior. Os moradores dessas áreas, guardam nos seus íntimos a sensação de pertencimento do seu torrão natal e seriam, sem dúvidas violentamente descaracterizados.

A crise existencial de que falamos, é assim conceituada:

O termo {crise existencial} se refere ao descontentamento que surge devido a insatisfação ou a confusão com a própria identidade e sentido da vida. Também pode ser chamada de {ansiedade existencial} já que incita a pessoa em crise a se preocupar excessivamente com o seu futuro e propósito de vida.”

Em última instancia poder-se-ia ouvir os envolvidos através de um plebiscito, para que elas próprias decidam sobre os seus destinos.

 

 

Consulta:
Estórias&História: A Participação dos d’Ávila e da Casa da Torre na Invasão a Capitania do Ceará (estoriasehistoria-heitor.blogspot.com);
Revista Itaytera 2018, n° 47.
https://www.conjur.com.br/2020-set-06/vianna-moog-paralelos-culturais-bandeirantes-pioneiros;

Fotografias:
Dep Acrísio Sena do Ceará e o Dep. Franze Silva do Piauí, debatem no programa Contraponto da Rádio Clube am 1200, o litígio sobre os limites entre os dois estados. | Rádio Clube 1200 (radioclube1200.com.br);
País – Diário do Nordeste (verdesmares.com.br);
Castelo Garcia D’ávila – Publicações (facebook.com);
Jornal da Parnaíba: PORTOS: Piauí aposta no Porto de Luís Correia para crescer (jornaldaparnaiba.com);
O Cânion do Rio Poti e as Inscrições Talhadas nas Pedras – (cearapraias.com.br)

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