Em janeiro de 1825 confia o imperador a seu ministro e secretário do Império a tarefa de recolher toda a documentação nas províncias no intuito de escrever a “Historia dos sucessos do Brasil”, adotando-se como marco cronológico o início da regência de Dom Pedro. Para tanto, remete Estevão Ribeiro de Resende uma Portaria a José Felix de Azevedo e Sá, solicitando a documentação. (Fonseca, 2007).
Este sete de setembro de 2022 está acontecendo em todo Brasil as festividades do Bicentenário da nossa Independência. São muitos os artigos e livros dos mais renomados autores e diversas coletâneas das grandes instituições brasileiras com publicações sobre o assunto. Apesar dos muitos esforços, trabalhos de pesquisas e estudos aprofundados a História continua omitindo a participação decisiva do Cariri cearense para consolidação da tão sonhada Independência do Brasil. O reforço veio do sertão para o litoral. Foi no Nordeste que ela aconteceu.
As disputas opondo brasileiros e portugueses, imperialistas e republicanos, se deram por meio do uso da força armada em movimentos e batalhas onde se atropelavam tropas encabeçadas pelos chefes das famílias de maior influência da aristocracia caririense. O Ceará aderiu ao novo império não pela negociação pacífica, mas, por meio da imposição armada e da violência. O processo emancipatório no Ceará, durante o Governo Temporário esclarece algumas das razões pelas quais grandes parcelas da população cearense foram convocadas para a participação direta nos episódios representados como decisivos ao futuro da causa do Brasil.
No Arquivo Histórico da Câmara dos Deputados no acervo da Vila de São Vicente das Lavras constam 159 documentos manuscritos dentre eles: atas de eleições e de posses, ofícios, convocações, formas públicas, cartas, requerimentos, denúncias e solicitações, tanto da Comarca do Crato do Ceará para a Comarca do Ceará Grande, e vise e versa como das duas Comarcas para a Corte no Rio de Janeiro, no período de 1821, 1822 e 1823.
A situação política-administrativa da Província do Ceará em 1822 era formada por diversos cargos da administração civil, da organização militar e auxiliar, e da divisão eclesiástica. Dividida em duas Comarcas: A Comarca do Ceará Grande compreendia as vilas de Soure (hoje Caucaia), Arronches (hoje Parangaba), Messejana, Aquirás, Monte-mor o Novo da América (Baturité), São Bernardo (Russas), Aracati, Sobral, Granja, Viçosa Real, Vila Nova d’ElRei (Guaraciaba do Norte), ficando na Vila de Fortaleza a Cabeça da Comarca.

A Comarca do Crato do Ceará compreendia no seu distrito as vilas de São João do Príncipe (Tauá), Campo Maior de Quixeramobim, Icó, Santo Antônio do Jardim e São Vicente das Lavras, ficando o Crato como Cabeça de Comarca. Em toda a província existiam 18 vilas e nenhuma cidade. A vila mais populosa era Crato com 22.000 habitantes, em segundo, Sobral com 20.000, e em terceiro Icó com 19.000 habitantes. 25% da população de toda a Província eram brancos, naturais da Europa, 51% eram mestiços incluindo europeus sem procedência, 18% índios, e 11% negros escravizados.
Nos últimos meses de 1820 já fermentava por todo o Brasil o espírito de liberdade. A chegada de um navio oriundo de Lisboa aportou no Rio de Janeiro trazendo novidades do Porto, a primeira exigia o retorno da família real e todo o governo português que se achava em terras brasileiras, desde 1808, e a segunda, o Brasil voltaria à condição de colônia. Essas novidades concorreram para exaltação das paixões e precipitar os acontecimentos.
Nos primeiros dias de 1821 explodiu uma revolução no Pará com a substituição do antigo governo nomeado por Dom João VI por uma Junta Provisória instalada pelas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa. Não tardou a Bahia seguiu o mesmo exemplo, a força militar obrigou o governador a assinar a resolução tomada pelos agitadores e aderir ao movimento, estabelecer uma Junta Provisória com ordens imediatas para eleições de deputados por aquela província às cortes com a promessa de aceitar e jurar a constituição que seria feita em Portugal, debaixo do nome de Dom João VI e sua Dinastia.
Apreensivo com os acontecimentos na Pará e na Bahia, no dia 18 de fevereiro Dom João VI baixa um Decreto, convocando uma assembleia de todos os procuradores do Brasil para deliberar mudanças, aplicar ao Brasil a Constituição das Cortes com as modificações necessárias adaptadas ao Brasil. Essas medidas não agradou o povo, e no dia 26 do mesmo mês a Força Militar fez parada no Rócio levantando vivas ao elrei e a constituição. Sem perder tempo Dom João reuniu o Conselho Popular no Salão do Teatro São João, e expediu um novo decreto aceitando a constituição tal como seria feito em Lisboa pelas cortes, e depois prestou juramento a uma lei que ainda não existia.
Esses graves acontecimentos foram transmitidos rapidamente às províncias do litoral, produzindo iguais e sucessivos rompimentos. Por esse tempo, o governador do Ceará nomeado por Dom João 6º, era Francisco Alberto Rubim (1820 – 1821) que pela falta de comunicação e estradas precárias passou a recebeu noticias adulteradas da Bahia e do Rio de Janeiro. Aos poucos os esclarecimentos dos fatos foram chegando, e ele manda um comunicado para as Câmaras no intuito de acalmar a Província.
Em princípios de abril o governador do Ceará recebeu um oficio do capitão-general de Pernambuco Luiz do Rego Barreto, comunicando que Dom João VI, havia jurado a constituição portuguesa, e dava a conhecer todos os povos do reino unido. Sem demora o governador oficiou as Câmaras, autoridades civis e militares e aguardou as futuras ordens. Como não veio nenhuma resposta e o governador nada demonstrou o povo, o batalhão da guarnição com toda a sua artilharia se amotinaram em frente à sua casa, exigindo dele uma manifestação pública jurando a constituição que se desse em Portugal, e a realização da eleição dos membros para o governo provisório, e o aumento de soldo dobrado para as tropas de linha.
Enquanto isso, nas Vilas do interior chegava notícias vagas e inverídicas dos acontecimentos da capital. No Crato, centro importante de Comarca, a Câmara soube que e revolução na Fortaleza teve como alvo depor o governador, imediatamente. Dirigiu ao governador um protesto de fidelidade e convidou as demais câmaras de sua comarca para reintegra-lo no poder. A Vila do Icó temendo que a nova ordem das coisas fosse uma calamidade para o Brasil, representou pedindo o governo absoluto, sendo esta contrária às ideias das cortes de Lisboa, as quais o rei já tinha aceitado.
Depois de meses de pressão e os contínuos clamores para se estabelecer um governo provisório, pois sem ele não servia a constituição prometida. O governador se obrigou a proceder às eleições para o governo provisório. O que aconteceu no dia 3 de novembro de 1821, ficando assim constituído: Francisco Xavier Torres – sargento-mor; Adriano José Leal – ouvidor; Antônio José Moreira – vigário; Jose Antônio Machado – comerciante; Mariano Gomes da Silva – idem; Marcos Antônio Bricio – Escrivão deputado; Lourenço da Costa Dourado – negociante; Henrique José leal, que imediatamente tomaram posse e prestou juramento.
Na caixa onde se encontram arquivadas a documentação da Vila de São Vicente das Lavras estão quatro documentos do ano de 1821. O primeiro, do dia 10 de maio do dito ano, assinado pelo capitão-mor do Crato, José Pereira Filgueiras, dirigido ao Coronel Comandante Geral, solicitando encarecidamente a retirada do senhor José Raimundo que se encontra na vila do Crato querendo mandar publicar o decreto ara o juramento da constituição portuguesa, denuncia os ataques ao governador, o que mostra claramente a falsidade do senhor José Raimundo ao Rei. Certifica que na Vila do Crato, jamais, será estabelecida a Constituição em questão.
O segundo tem data de 03 de julho e se trata de uma denúncia feita pelo ouvidor do Crato, José Joaquim da Costa Pereira do Lago, que se encontrava na Vila do Icó, denúncia dirigida ao governador do Ceará, Francisco Alberto Rubim, justificando a sua demora naquela vila, por não poder voltar ao Crato, em decorrência dos últimos acontecimentos naquela vila.
Os dois últimos são datados de 19 e 27 de agosto, mais denúncias do ouvidor do Crato que ainda se encontrava no Icó, relatando ao governador do Ceará, que os chefes da Vila do Crato não concordam com a Constituição Portuguesa, alegam que não podem jurar uma lei sem ter conhecimento dela.
O restante da documentação foram acontecimentos durante os anos de 1822 e 1823. Atas da eleição dos deputados para a Primeira Constituinte Brasileira, ata de eleição para o governo Temporário do Ceará, diplomação do lavrense Padre José Joaquim Xavier Sobreira, como deputado pela Província do Ceará, na Comissão dos Poderes, invasão da Câmara do Crato e a transferência das eleições para o Senado da Vila do Icó, invasão e prisão do Colégio Eleitoral pelos portugueses Antônio Manoel Diniz e José Felix de Mendonça na Casa dos Concelhos da Vila do Icó, relação dos presos, relação dos eleitores da Câmara do Crato, relação dos agressores, recebimento do Decreto de Dom Pedro e instruções para eleições dos deputados da Província pela Câmara do Crato, denúncia de traição de Antônio Manoel Diniz e José Felix de Mendonça, denúncias de perturbações públicas por parte de europeus que eram contrários a Causa do Brasil, ofícios das vilas da Comarca do Crato do Ceará em apoio à caminhada do Governo Temporário para assumir o Governo na capital.
Em meio essa documentação tem uma ata de uma sessão ordinária de 20 de dezembro de 1822, na Vila do Icó, Comarca do Crato do Ceará em Palácio onde se achava o Presidente do Governo Temporário, e todos os membros do seu governo, a nobreza, a deputação da Vila de Sobral para requisitarem certos arquivos interessantes ao bem geral da Província e dar outras providências. Na mesma sessão foi nomeado em nome de todas as Câmaras da Província, o Padre José Joaquim Xavier Sobreira para ser enviado a Corte do Rio de Janeiro e representar a Sua Majestade Imperial tudo quanto fosse à bem desses habitantes e do estado atual desta Província, para finalizar a sessão acordaram que o Governo Temporário marchasse quanto antes para a Capital. O que fizeram no dia seguinte.
São poucos os documentos de 1823, e são todos do Governo Temporário, são pedidos de Socorro por parte de Oeiras no Piauí, da Vila Marvão e Crateús reconhecendo o Governo Temporário como o legítimo, pedido de tropas, pedido de dinheiro para pagamento das tropas de primeira linha que se encontrava em marcha para Província do Piauí, comunicado do tenente-coronel José Narciso Xavier Torres, que estava na Vila de Granja e dava informações sobre a situação da Vila da Parnaíba e da marcha de Fidié, e das muitas dificuldades enfrentadas por eles.
Sem pretensão alguma de querer mudar os rumos da nossa historia, sugiro que se faça uma releitura da documentação e levem em consideração a dualidade de poderes no âmbito nacional, e no âmbito interno das províncias. A Comarca do Ceara Grande nada tinha em comum com a Comarca do Crato do Ceará, a começar pela questão geográfica, Fortaleza era mais próxima de Lisboa, o Crato era mais próximo de Pernambuco de onde recebia as noticias e seus filhos eram enviados para estudarem no Seminário de Olinda, haja vista, que dois deputados caririenses se ordenaram em terras pernambucanas o Padre José Martiniano de Alencar e o Padre José Joaquim Xavier Sobreira.
Quem sabe se outros pesquisadores com mais conhecimento possa elaborar textos que completem essa saga que foi a Guerra da Independência no Cariri Cearense. Sabemos que as Vilas de Crato, Lavras e Icó participaram ativamente e tramaram o Governo Temporário, apesar das perseguições do capitão-mor da Vila do Icó, Antônio Manuel Diniz, não intimidou e nem derrotou os bravos caririenses. Convido Heitor Feitosa, Dr. José Flávio Vieira e Roberto Lindolfo, e outros para discorrerem sobre o assunto e enriquecer nossa história.
FONTES: Arquivo da Câmara dos Deputados;
Revista do Instituto do Ceará: A Revolução no Ceará em 1821;
Datas e Fatos de 1822 no Ceará. Vol. 02