A rua da minha adolescência

A Rua da minha adolescência era modesta. Conhecida como a Rua da Beira do Rio, antiga Rua dos Cassacos, porque nela moraram temporariamente os trabalhadores da estrada de ferro, e hoje com muito orgulho é denominada Rua Xavier Ângelo, homenagem justa ao segundo Capitão-Mor da Vila de São Vicente das Lavras.

Em tempos de outrora foi à artéria mais movimentada da pequena cidade, por dar acesso ao Rio Salgado tudo passava por ela. Seu despertar era nas primeiras horas da aurora, já acordávamos com os sons polifônicos que interrompiam o silêncio da madrugada. O barulho das ferraduras que calçavam os cascos dos burros transportavam em seus lombos pesados fardos de algodão em direção a Usina de Sobreira, outros transportavam em ancoretas água retirada do rio, mulheres com pesadas trouxas de roupas na cabeça conversavam e gargalhavam em direção ao local destinado para execução da lavagem; lá existiam enormes pedras, capins para quaradouro e água mais límpida para o enxágue. As cercas que separavam as terras do rio ficavam coloridas de roupas estendidas ao vento como verdadeiras flâmulas a bailar em ritmo frenético.

Não tardava passava a garotada para os banhos matinais na barragem. A algazarra, a carreira e os pulos mostravam a felicidade e a satisfação que expressavam aqueles momentos, sem pensar no perigo da correnteza corriam sem medo se arriscando em mergulhos ousados nas profundezas das águas, agarrados em boiais, ou mesmo sem proteção davam cangapés e gritavam. Aquele barulho mais parecia o hino de felicidade executado diariamente como seguindo um ritual sagrado e humano.

Mulheres com rodilhas na cabeça carregavam latas d’água com passos firmes e elegantes deixavam a impressão que a rua era uma passarela. Os verdureiros traziam nos caçoas variedades daquilo que se plantava em terras lavrenses, o que não era muito, mas, para aquele tempo era o suficiente para comer, e comer bem. Não faltava a batata doce, a macaxeira, o jerimum, o quiabo, maxixe, pimentão, coentro, cebolinha verde, tomate e cebola de cabeça, não essas cebolas que consumimos hoje, nossa cebola era roxa, pequena e na trança. Fartura nas terras do Riacho do Rosário.

No final de tarde, assim que o sol caía lá no poente, formando aquela linda e imensa bola de fogo, quando os tropeiros se recolhiam as suas casas para o merecido descanso, os vendedores voltavam para o aconchego das suas terras, as lavadeiras passavam para seus lares com pilhas de roupas alvas na cabeça; e do interior das residências exalava cheiros de comida fresquinha, sabíamos que o jantar que já estava quase pronto.

Não tardava as cadeiras eram postas nas calçadas e a vizinhança se punha a conversar, a colocar em dia as últimas notícias da cidade ou de fora ouvidas através das ondas do rádio. As conversas, as histórias e as novidades corriam soltas, cada um emitia sua opinião e seu julgamento. A rua ficava cheia de crianças correndo, jogando bola, brincando de roda, de bigorrilho, usufruindo das brincadeiras que só mesmo a infância nos proporciona. As conversas entre os adultos continuavam em meio à rodadas de café, por vezes interrompidas por alguma criança que se machucava e solicitava o auxilio e a atenção do adulto.

Quando a lua já alcançava o alto do céu e o famoso e gostoso Vento do Aracati já havido chegado e nos refrescado, espalhando folhas e terra ao longe era a hora de recolher as cadeiras, chamar a meninada e entrar. Cerrávamos as portas, lavávamos os pés e nos deitávamos com a segurança, o zelo e a proteção dos nossos pais. Já com sono fechávamos os olhos e adormecíamos ouvindo as batidas das horas marcadas no relógio da Matriz de São Vicente Ferrer que nos protegia e intercedia por todos nós.

A Rua polifônica do dia era a Rua mais silenciosa da noite, e hoje, a mais barulhenta que ouço através da minha saudade.

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