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João Pessoa

Boas Energias

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Gosto particularmente de um ditado que diz que a necessidade é a mãe da criatividade. Dizem que numa época em que os Borgia reinavam nos Estados Papais, os Medici em Florença, também surgiu a renascença, exatamente na península assolada pelo despotismo. Enquanto isso, mais ao norte, a Suíça, com sua democracia pacífica e estável, nos deu o relógio cuco.

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É certo que mar calmo nunca fez bom marinheiro, e uma crise climática que se instaura há décadas, alimentada fundamentalmente por energias sujas, é o mar bravio em que navegamos. Por mais sedutoras que sejam, ideias simples nunca resolvem problemas complexos. E a crise climática não é só climática, é energética, geopolítica, econômica e alimentar.

Nos parece óbvio que a abolição do uso de petróleo e seus derivados resolveria grande parte dos problemas que enfrentamos hoje. Isso é verdade até um ponto. A eliminação do uso dos hidrocarbonetos nos livraria das emissões maciças geradas pela queima de gás, carvão e outros combustíveis usados na geração de energia e no transporte. Contudo surgiriam outros problemas subsequentemente: como ocupar o lugar ocupado, hoje, pelo petróleo?

Nós, no Brasil estamos “mal acostumados” com uma riqueza imensa de recursos naturais, e desfrutamos de uma matriz energética infinitamente mais limpa se comparada com a de outros países industrializados. Com as crises do petróleo dos anos 1970, fizemos o esforço de diversificar a nossa matriz energética. Antes, a industrialização brasileira se dava através de maquinários movidos a diesel, que com o choque do petróleo se tornaram insustentáveis. Mudamos nossa matriz energética para a energia elétrica, e essa sendo produzida não pela queima de carvão ou gás como em meio mundo, mas gerada através da força das águas.

É verdade que estamos meio século à frente do mundo no que se refere a inovações tecnológicas com visas a gerar energias renováveis. Também é verdade que a nossa mudança de matriz energética pode servir de exemplo ao que aguarda o mundo caso não se observe com esmero a forma que se dê a mudança do petróleo para outras fontes. Se observarmos apenas a construção da gigantesca hidroelétrica de Itaipu podemos observar que gerar energia, raramente, envolve apenas vontade.

No caso da hidroelétrica que abasteceu e abastece o desenvolvimento industrial do Sudeste, foi necessária uma colaboração com o Paraguai, a quem pertence a outra margem do Rio Paraná que foi represado pela barragem, e a quem compete 50% da produção da usina; além de uma boa dose de diplomacia com a Argentina que temia ser a represa da usina uma ameaça à sua existência. Os portenhos temiam que, por acidente ou vontade política, a liberação da água pudesse inundar Buenos Aires que fica às margens do Rio da Prata, que tem como afluente o Rio Paraná.

Além da vontade política e cooperação multinacional, hidroelétricas, da forma como se constroem até hoje, precisam de grandes reservatórios de água, que, por sua vez, normalmente, são feitos a partir do represamento de grandes rios. O represamento dos rios faz com que o nível das águas suba e passe a inundar grandes áreas, gerando um impacto ambiental e social de grande monta. O lago de Itaipu, além de forçar o deslocamento de populações, destruiu as cataratas das Sete Quedas, que possuíam uma vazão de água duas vezes maior que as do Niágara, além de ser, historicamente, um local de grande importância para os povos originários. Isso para citar apenas um exemplo dos impactos causados pela represa. Resolveu-se a questão energética, mas a que custo?

Cito en passant o caso de Itaipu porque, neste caso, temos um distanciamento histórico, e uma abundância de informações que nos permite gerar um juízo mais fundamentado. Contudo, a Amazônia vê, ainda hoje, a construção de empreendimentos com impactos ambientais e sociais iguais ou, até mesmo, maiores que Itaipu. Por isso que dizemos que a energia hidroelétrica é renovável, mas não necessariamente limpa.

É fundamental que observemos essa distinção entre renovável e limpo. A queima de petróleo gera a emissão de gás carbônico que se acumula na atmosfera e faz com que o planeta aqueça. Pôr um fim à utilização dessa fonte de energia poria fim, também, à causa deste problema; contudo, não necessariamente, suas substitutas seriam “limpas”. O caso brasileiro é emblemático no que se refere a isso.

Até mesmo nossas alternativas renováveis têm o seu impacto. O etanol produzido a partir da cana de açúcar, assim como o biodiesel produzido a partir de óleos vegetais, são uma resposta rápida e eficaz para o abastecimento da frota nacional, contudo envolvem um número considerável de questões. Ambas as fontes vêm da agricultura, que demanda grandes áreas de terra. Esta terra que poderia ser destinada à reforma agrária, à produção de alimentos, à preservação ambiental, etc., seria destinada à monocultura extensiva para a produção de combustíveis.

Outras alternativas são as já conhecidas energias eólica e solar. No caso da eólica, além do inconteste impacto paisagístico que as gigantescas hélices causa, o voo de pássaros é afetado pelo movimento das pás; dependendo do local de sua construção, o ruído gerado pode ser um grande problema para as comunidades vizinhas. Além de que a estrutura dos moinhos ser feita de plástico proveniente no petróleo, e, ainda, a vida útil das estruturas é curtíssimo, se comparado a outras estruturas.

A energia solar tem seu grande empecilho em dois fatores fundamentais, o custo das placas fotovoltaicas, que ainda é bastante elevado e outro, que independentemente do avanço da tecnologia é incontornável: o sol só permanece no céu por um período determinado do dia, sendo as placas inúteis à noite. A intermitência dessas fontes energéticas é uma questão que não pode ser ignorada. Como não cortar a produção de energia quando não houver vento ou sol?

A resposta imediatamente pensada são baterias. Contudo, as baterias, em sua maioria de lítio, são caras, pouco eficientes, demandam minérios que têm, já em sua extração, um grande impacto ambiental, e ainda é fundamental que se considere que não se tem um destino devido para as baterias descartadas. As alternativas são infinitas e todas possuem seus prós e contras. Até uma bateria feita da prosaica areia, da mesma utilizada na construção civil, construída recentemente na Finlândia, e que promete conseguir armazenar, na forma de calor, a energia gerada pelo sol ou pelo vento para que possa ser usada no rigoroso inverno nórdico, tem seus pontos negativos. A própria extração da areia, o espaço necessário para a construção das baterias (que são feitas a partir de silos cheios com cerca de 100 toneladas de areia que é aquecida até a 500ºC sendo esse calor a fonte da energia, constituindo, portanto, uma bateria térmica e não química como as atuais) são fatores que não podem ser negligenciados.

A única alternativa realmente viável para a questão energética é a diminuição no consumo de energia. Estamos em um mundo explorado ao ponto da saturação e expandir a exploração dos recursos naturais não é uma alternativa. E com isso não me refiro a reduzirmos nosso conforto ou o desenvolvimento econômico e social, mas sim a uma saída simples, que demanda, contudo, soluções altamente sofisticadas: a eficiência energética.

Ainda assim, a eficiência energética não quer dizer que o mundo poderá continuar sendo como é. Ela pode nos permitir o não retrocesso. Há séculos o desenvolvimento global se dá a partir da transferência de recursos de uma parte do globo para o outro. Sejam as especiarias e metais preciosos no século 16, seja como minério de ferro e soja hoje em dia.

Talvez o leitor, por um minuto, tenha pensado que a redução do consumo energético deveria se dar a partir de nós, consumidores, pessoas físicas; contudo, não somos nós os responsáveis pelas emissões das indústrias, das emissões dos gigantescos navios cargueiros que cruzam os oceanos conectando o mundo. A nós cabe uma parcela ínfima desse consumo. É verdade que somos nós que mais sofremos com os impactos ambientais, econômicos e sociais gerados pelo apocalipse ambiental e político que vivemos. Contudo somos apenas piões nesse jogo.

A criação das cadeias globais produtivas, essas que extraem minério de ferro em Minas Gerais, transportam o minério até o litoral, o enviam à China, onde é transformado em aço e subsequentemente distribuído pelo mundo, barateou os custos, aumentou os lucros e nos deu acesso a bens que antes seriam impossíveis de serem acessados por nós. Imaginem suas vidas, por exemplo, sem tudo que é produzido na China. Acredito que não sobraria nem a tinta nas paredes de sua casa.

Infelizmente, ou felizmente, o crescimento a passos largos da economia e do desenvolvimento global capitaneado pela China na última década já dá sinais de desaceleramento. Antes mesmo da pandemia, e desconsiderando o caos global, as lideranças chinesas já previam o desaceleramento do crescimento e o avanço para uma nova fase no país, que passará a voltar-se para si mesmo. A isso, contudo, foi atrelada a crise provocada pela pandemia, e hoje a crise energética causada pela guerra na Ucrânia.

Com uma velocidade que não imaginávamos, estamos entrando numa era que promete pouca energia, e pouca oferta de bens. A economia global aparenta estar apenas no início de uma fase de inflexão. E como ficaremos nós nesse cenário? Bem, ou dançamos conforme a música ou a saída será catastrófica. Revisarmos a forma de consumirmos, não só energia, é fundamental.

Para não encerrarmos este artigo com um tom negativo, há esperança. Já se prevê que em 2023 o lucro gerado pela moda “rotativa”, popularmente conhecida como roupas usadas, ultrapassará o lucro gerado pelas empresas que produzem o “fast fashion” (roupas de pouca qualidade, produzidas de forma pouco ética, com intuito de serem usadas poucas vezes e logo descartadas para serem substituídas por novas peças).

Talvez a escassez de recursos faça com que surjam produtos projetados para durarem uma vida, e, talvez, num futuro não muito distante, nossa energia será gerada a partir de areia aquecida pelo sol. Quem sabe? O fundamental é que nos preparemos e sejamos atores nas mudanças do porvir. Lampedusa já dizia que para que tudo continue como está, tudo precisa mudar. Tudo está mudando, será que conseguiremos permanecer os mesmos?

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