Já nos reportamos a esse tema em um artigo pretérito, principalmente quando tratamos de conflitos vividos pelo Brasil de forma temerária e desnecessária como foi o caso da guerra do Paraguai, logo seguido pela guerra de Canudos. Esses conflitos ficaram marcados como uma chaga na nossa história e, vez por outra temos de recorrer ao clássico do grande escritor estadunidense Ernest Hemingway que escreveu vários livros, onde um deles está catalogado entre os clássicos da literatura mundial, e tem por título Por Quem Os Sinos Dobram.
A guisa de rememorar, lembremos que Hemingway foi voluntário na guerra civil espanhola, ao lado dos republicanos de esquerda, apoiados pelas brigadas voluntárias internacionais e pela União Soviética nascente. O desenrolar da guerra, foi vivido pelo autor em todos os detalhes e a sua narrativa rendeu um filme de muita visibilidade e é o que tentaremos resumir em seguida.
Os republicanos tinham como uma das suas mais expressivas lideranças, a líder política e revolucionária espanhola de origem basca, Dolores Ibárruri, mundialmente conhecida como La Pasionaria, criadora do famoso grito de guerra ainda hoje muito presente nas lides políticas: Non Pasaran!
Os republicanos tinham como adversários no palco da guerra, os nacionalistas de extrema direita, comandados pelo general Francisco Franco e auxiliados pelo governo fascista italiano de Benito Mussolini e pelo governo nazista alemão de Adolf Hitler.
A guerra civil espanhola foi o laboratório experimental de todo aparato de guerra da Alemanha nazista que, em 1939 invadiria a Polônia dando início à II guerra mundial, com a tentativa de espalhar o nazismo por todos os recantos do planeta.
O moderno arsenal nazista foi posto à disposição do general Francisco Franco, que envolveu a Espanha num banho de sangue de final vitorioso, mergulhando a Espanha na mais longa e violenta ditadura da sua história, entre 1936 a 1975, com duração de 39 anos.
Para a abertura do seu livro, Hemingway escolheu um texto curto, tomado por empréstimo de um poeta do Reino Unido de nome John Donne, que dizia assim:
“Nenhum Homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes nunca por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
Na semana atrasada, mais precisamente no dia 26 de maio de 2022, circulou através da grande imprensa a notícia de um cruel assassinato por asfixia, acontecido na cidade de Umbaúba no estado de Sergipe.
O assassinato seria mais um entre tantos outros que temos assistido no dia a dia, todos eles lamentavam, se não tivesse a particularidade de ter sido praticado por um agente da Policia Rodoviária Federal, que tem como mister o trabalho incansável para evitar a morte.
Não podemos nem devemos culpabilizar a instituição Policia Rodoviária Federal, mas é preciso enfatizar que a nação espera da administração superior do órgão, uma rigorosa apuração dos fatos e a punição exemplar dos culpados pelo crime.
A cena macabra foi revestida por um requinte de crueldade que chocou todo país. Foi praticada em plena via pública e à luz do dia. foi mostrada ao vivo sem quaisquer indícios de escrúpulos por parte da equipe de policiais.
Genivaldo de Jesus Santos, pelo que consta, padecia de problemas psicológicos e tomava remédios controlados de tarja preta que só pode ser vendido com receita médica. Tinha 38 anos e teve o infortúnio de passar por um trecho da BR 101 em uma motocicleta sem o uso do capacete, quando foi abordado pela Policia Rodoviária Federal-PRF, na cidade sergipana de Umbaúba.
Todos nós sabemos que a motocicleta como veículo de transportes, substituiu o cavalo como meio de locomoção na zona rural e faz parte de um tipo de modal de transporte que a nosso ver precisa ser substituído.
A propósito de modais de transporte de passageiros, escrevemos um artigo o título: A volta imperiosa dos trens de passageiros, que recomendamos a leitura ou a releitura e uma reflexão:
O estado de Sergipe, palco da execução por asfixia de Genivaldo de Jesus, possui de um modo geral 878.846 veículos automotores.
Desse total, 361.955 são automóveis particulares e 344.096 são motocicletas e motonetas. As motos representam 95,01% da frota de automóveis e 39,15% da frota total.
Um número mínimo de usuários de motocicletas o faz por lazer ou por hobby. Fazem parte de um segmento abastado da sociedade, pertencentes à classe média ou média alta, que não chega a 5% do total. Suas motos têm potencia acima de 600cc e a maioria é usada nas estradas e em viagens de longa duração e são caríssimas.
Com relação ao capacete de uso obrigatório é, a bem da verdade, um item de segurança que tem salvo vidas e o seu uso deve ser cobrado sim.
Todavia é necessário considerar que existem capacetes que custam até R$6.299,00, ou seja, 5,12 salários mínimos e esses são exceções pois, os mais populares, têm preço médio em torno de R$238,00, enquanto uma moto popular e simples, custa em média: R$ 7.500,00 e uma moto com dois capacetes, (casal) custa em torno de R$ 8.000,00, ou seja, quase 7 salários mínimos.
Que o motociclista tinha que ser abordado é fato inquestionável. Contudo existem abordagens e abordagens.
No caso da foto acima, o motociclista deveria ser abordado por dupla infração cometida por ele e pelo garupa.
No primeiro caso o motociclista não foi sequer abordado, mesmo em se tratando do presidente da República, que deveria dar o exemplo, lembrando que: “a palavra convence, mas o exemplo arrasta.”
O primeiro protagonista, sem ser importunado, uma vez completado o seu rally, foi levado ao avião oficial que o conduziria a Brasília e todos esqueceram o fato ilícito que cometeu.
O segundo Protagonista, Genivaldo de Jesus, apesar do sobrenome não mereceu o mesmo tratamento.
Uma vez abordado e sem nenhuma reação, ele foi lançado violentamente ao chão, algemado e colocado no porta malas de uma viatura da própria PRF, de onde saia uma fumaça branca, que não anunciava a eleição de nenhum papa.
Segundo informações da família e das pessoas presentes, a fumaça era causada pela introdução de gás lacrimogênio no porta malas através de uma pequena abertura, feita pelo próprio policial.
Os apelos do sobrinho da vítima Wallison de Jesus, não foram suficientes para despertar o senso de humanidade do carrasco.
Wallison afirmou que teria dito ao agressor, que Genivaldo padecia de transtornos mentais, esquizofrenia e fazia uso de remédios controlados tarja preta.
Mesmo de mãos na cabeça, ele foi algemado e jogado numa viatura fumegante da PRF, onde foram introduzidos gases lacrimogênio e de pimenta. O resultado não poderia ser diferente, ele morreu!
Uma História longa triste e macabra de causar arrepios póstumos em Alfred Hitchcock, ganhou as páginas de todos os periódicos nacionais e internacionais restando as justificativas oficiais.
A autoridade maior do país, chefe de governo que é também chefe de estado, assim se manifestou sobre o assassinato de Genivaldo de Jesus no seu português curto. Disse o presidente da república:
“A justiça vai acontecer nesse caso e, com toda certeza será feita justiça né…. Todos nós queremos isso aí. Sem exageros e sem pressão por parte da mídia, que sempre tem um lado: o lado da bandidagem. Como lamentavelmente, grande parte de vocês [jornalistas] se comportam, sempre tomam as dores do outro lado. Lamentamos o ocorrido e vamos com seriedade fazermos o devido processo legal para não cometermos injustiça e fazermos, de fato, justiça.”
Com relação à Policia Rodoviária Federal, dois dias depois de confirmar que o policial fizera uso de pimenta e gás lacrimogênio, foi dito que:
“A morte de Genivaldo de Jesus Santos de 38 anos, foi uma fatalidade, desvinculada da ação policial…e que a PRF não compactua com as medidas adotadas por seus policiais durante a abordagem.”
Nenhuma dessas declarações nos afetou tanto quanto a que ouvimos de viva voz, de uma senhora de classe média baixa, sobre esse assassinato cruel.
Ela é negacionista, muito preconceituosa e durante toda pandemia, se negou peremptoriamente a tomar as vacinas prescritas contra a covid-19.
Dizia Ela com os olhos fechados e os dentes trincados:
“Vocês viram aquele bandido morrendo aos poucos? Ele esperneava pedindo socorro e o policial em resposta insuflava mais gases, até ele dar o último suspiro, toma, toma, toma!”
Fomos tomados de um sentimento mixto de nojo e pena daquela infeliz senhora que tem mãe, é mãe de filhos e tem alguns netos.
Nunca vimos tanto ódio desenhado num só rosto! e nesse instante ouvimos na mente, o repicar dos sinos de John Donne, como que a repetir:
“A morte de qualquer homem me diminue porque faço parte do gênero humano. Portanto não perguntes nunca por quem os sinos dobram; eles dobram por tí”
Consulta:
https://br.noticias.yahoo.com/asfixiado-pela-prf-morto-por-gas-genivaldo-foi-abordado-por-nao-usar-capacete;
Bolsonaro defende PRF e diz querer ‘justiça sem exageros’ em caso Genivaldo – 30/05/2022 – UOL Notícias;
PRF muda discurso ao falar sobre abordagem que resultou na morte de Genivaldo Santos em Sergipe | Sergipe | G1 (globo.com);