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Mauriceia

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Lá pelos idos de 1600 e bolinha, pouco mais de um século depois de Portugal e Espanha dividirem o mundo entre si, os Países Baixos entraram na roda, e a Espanha anexou ao seu território imperial o território alagadiço mais ao norte. Poderia ser apenas mais um fato corriqueiro das infinitas rusgas territorialistas das nações europeias, contudo, desde 1580, com a morte do famigerado Dom Sebastião e, posteriormente, de seu tio o Cardeal Dom Henrique, a coroa portuguesa, sem ter uma cabeça lusa em que pousar, foi parar na cabeça de Felipe I, Rei da Espanha, que passou a reinar sobre toda a Península Ibérica, meia América e outro tanto em território Asiático.

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Nesse ínterim, as Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, o território alagado anexado pela Espanha, declararam independência do domínio filipino e passaram a ser consideradas como uma província rebelde do império espanhol. Dentre as diferenças entre os católicos espanhóis e os protestantes holandeses, havia um péssimo hábito papista de condenar a usura, meio de vida dos batavos. Esses, sem os pudores católicos ao se tratar de dinheiro, contaram seus vinténs e viram que muitos de seus investimentos estavam postos em engenhos de açúcar espalhados pelo litoral do Brasil.

FONTE: IMAGENS:https://www.dw.com/pt-br/1581-holanda-se-liberta-da-espanha/a-319686

Veja só que inconveniente, além de ter seu território invadido por espanhóis católicos, os novos ocupantes tinham por moral religiosa tratar negócios como algo um tanto indigno, logo o seu meio principal de subsistência. Creio que faltou um pouco de compreensão dos ibéricos. Os seus vizinhos viviam em um território pantanoso, alagadiço, pequeno e basicamente sem recursos naturais, em resumo: um terreno perfeito para um banco! Naquelas terras só brotavam tulipas e alguns juros.

Vendo-se entre o papa e o banqueiro, os holandeses escolheram o segundo. Fundaram a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, botaram alguns dignos bancários em suas embarcações e os despacharam para garantir seus investimentos na costa do, agora, território espanhol, Brasil.

Infelizmente, parece que a notícia de que Portugal e Espanha eram uma coisa só não tinha pegado muito entre os habitantes do lado de cá do Atlântico, muito menos que a Espanha tinha anexado o território dos Países Baixos. Então, ao tentarem se apossar do território, vejam só, da capital da colônia do Brasil, os holandeses foram escorraçados das terras soteropolitanas. Depois de perambularem por cerca de seis anos pela costa do Nordeste, conseguiram, colocar seus pés, veja a implicância do destino, em um terreno alagadiço no ano de 1630. Fincaram sua bandeira, bem, bandeira não, firmaram sede, já que se tratava de uma empresa, no manguezal rodeado de arrecifes que hoje conhecemos como Recife. E ali, nesse território tão familiar, criaram a cidade que viria ser um dos maiores centros econômicos coloniais do mundo.

Tudo muito bom, muito bem e tal até que, vinte anos depois, os banqueiros acharam de bom tom cobrar os empréstimos feitos aos senhores de engenho. O que não sabiam os pobres usurários, era que, nas católicas bandas de cá, falar de dinheiro era uma gafe imperdoável. Onde já se viu, fornecer dinheiro para o desenvolvimento da colônia e depois querer o dinheiro de volta e ainda pago com juros!? Protestantes tem muita ética e pouco jogo de cintura. Privatização nunca foi o forte do Brasil. Investimentos da Fazenda Real asseguravam um território e, posteriormente, impostos, coisa de longo prazo. A Companhia das Índias tinha acionistas a quem prestar contas e não uma coroa onipotente. Resumo da ópera: em 1654 os holandeses foram postos para fora com títulos vencidos e a lição que o Brasil nunca foi para amadores. Ao menos aprenderam a cultivar a cana-de-açúcar e foram fazer sua fortuna alhures.

Vejam como é o destino, 14 anos antes Miguel de Vasconcelos, secretário de Estado de Felipe III da Espanha, foi “defenestrado” do palácio na Praça do Comércio, em Lisboa; mais uma vez coisa vai, coisa vem, e, com uma mãozinha dos franceses, o Duque de Bragança foi aclamado Rei de Portugal e assim terminou a União Ibérica. Portugal ficou independente da Espanha e estava faminto por reaver seus domínios coloniais da Ásia à América, incluso aí, a joia da coroa: o Brasil.

Parece que em 1654 o Papa Inocêncio X estava rezando algumas ave-marias a mais e Deus lhe concedeu um território a mais. Juntou-se a fome com a vontade de comer e, com a expulsão dos holandeses, Portugal piamente retomou seus territórios coloniais. O inconveniente da usura foi deixado em tempos batavos e a normalidade voltou a reinar.
Contudo, a antiga Cidade de Maurício era um gigante já estabelecido e bem posicionado para o comércio portuário e com lucrativa aduana que dava vasão ao ouro branco. Mas ao contrário do açúcar, a administração da cidade pantanosa nunca foi palatável.

O terreno alagadiço se satura com o movimento das marés e, aliado às cheias dos rios, qualquer chuva vira uma inundação. Por estar ao nível do mar, o escoamento das águas pluviais é quase impossível sem bombeamento. No frigir dos ovos, a Veneza Brasileira, projetada por holandeses, nunca foi muito bem administrada pelos portugueses; mais acostumados às ruas aladeiradas de Lisboa, Olinda e Ouro Preto. Mais perto de Deus e longe do esgoto que sempre correu morro abaixo.

Nas últimas semanas vimos um movimento cíclico da natureza que se repete há milênios, contudo, a Companhia das Índias, nunca pôde imaginar a extensão que a Cidade de Maurício chegaria e que o estuário propício às embarcações seria a perdição anual de inúmeras famílias que veem tudo que possuem ser levado pelas águas como uma maré recendente que limpa a praia.

FOTO:DIVULGAÇÃO

Recife é a prova irrefutável que a natureza tem seu ritmo independente de nós e que lutar com ela é, quase sempre, uma batalha perdida. Desigualdades sociais, influxo de riquezas fizeram da capital pernambucana mais um exemplo de desenvolvimento desordenado e segregador, que tem seu fundamento em um (ou na falta de um, no caso) plano urbanístico que não prevê crescimento, não prevê acolhimento e que segrega para áreas não só distantes e insalubres, mas principalmente, perigosas, os mais vulneráveis. E esse movimento não é novidade, mas parece sê-lo quando observamos a total inépcia das autoridades em lidar com a calamidade.

Infelizmente os prospectos para o futuro não são, nem um pouco, alvissareiros. Recife é a capital brasileira mais vulnerável aos efeitos do aquecimento global e aumento dos níveis marinhos. Resta saber se seus governantes se comportarão apenas como usurários que buscam seus lucros ou se a Fazenda Real dará um destino digno ao povo pernambucano.

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