Ontem à noite, pela Rádio Universitária Urca, ouvi uma dessas músicas inesquecíveis que vivem guardadas nos redutos da memória, Feliz, das composições de Gonzaguinha, o que me fez recordar um momento de quando estudei em Salvador, época de transe na política nacional. E Luiz Gonzaga Junior seria uma das resistências daqueles idos, os compositores que cantavam por mais liberdade, fase distante e forte da nossa música popular.
Naquele dia, uma tarde, Gonzaguinha nos visitou. Eu, que tinha na escola alguma função de liderança, reuni as turmas na maior sala e pedi que ele nos falasse dos seus pontos de vista, esperanças, naquelas horas de apuros por conta de vivermos sob as determinações de censura rigorosa da criação artística. Inícios da década de 70. Daquela ocasião nunca esqueci, por conta, inclusive da minha ligação, desde a infância, com a obra de Luiz Gonzaga, na casa de meu avô, no sítio onde nasci, em Lavras. Ouvíamos o Menestrel do Sertão numa vitrola RCA Victor, em discos de cera. Via em Gonzaguinha essa proximidade com a inspiração do seu pai, que considero um ente de minha família, meu amigo de infância afetiva.
Agora relembro a força da arte deles dois expoentes da música raiz brasileira, já ausentes, no entanto vivos na alma de todos nós que usufruímos da beleza das suas letras e melodias; gênios inigualáveis do nosso cancioneiro popular. Qual sendo um pouco de nós, os transportamos vida afora no primor das oportunidades que a tecnologia oferece, tempos de raras boas produções geniais, no entanto de bem acondicionada produção das gerações anteriores, mérito dos avanços da indústria fonográfica.
Mais que nunca, precisamos refazer o caminho até as origens verdadeiras da herança cultural, se quisermos usufruir da riqueza de que somos detentores. Tanto no conteúdo, quanto na qualidade musical, que aprimoremos a busca desses tesouros valiosos da civilização, bem aqui pertinho de todos, na distância tão só do bom gosto e da vontade, e apreciar o que temos à mão pelos meios da contemporaneidade industrial.