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InícioAntonio Henrique CourasNem tudo que os olhos veem o coração sente

Nem tudo que os olhos veem o coração sente

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Em uma de suas anedotas mais famosas, Ariano Suassuna conta de uma senhora que, aparentemente, dividia o mundo entre aqueles que já haviam ido à Disney e os pobres coitados que nunca tinham ido aos famosos parques temáticos. Ainda no repertório de anedotas disseminadas pela internet, surge uma que conta que nestes mesmos parques, com o intuito de esconder certos objetos, e até mesmo prédios inteiros, foram criadas duas cores, um tom de verde e outro de azul, capazes de disfarçar prédios de escritórios, latas de lixo ou quaisquer outras coisas indesejáveis de serem vistas. Achei o fato interessantíssimo e muito explicativo do olhar humano. Nossos olhos são muito seletivos no que veem.

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A guerra entre Ucrânia e Rússia está pintada de um brilhante amarelo ouro contrastado com um azul cerúleo bem como a clássica combinação de branco, vermelho e azul. Contudo, várias outras batalhas e conflitos mundiais parecem terem sido pintados com as mágicas tintas da Disney.

De norte a sul do continente americano podemos citar, país por país, se lhes interessar, conflitos pujantes e, talvez, tão fatais quanto o que se desenrola nos antigos domínios czarinos. Conflitos históricos entre colonizadores e habitantes nativos no Canadá que, recentemente, descobriu tratar-se de um sistema de genocídio e limpeza étnica que durou séculos até princípios do século 20.

Os Estados Unidos, que dispensam apresentações, estão em guerra consigo mesmos e com o mundo desde que os primeiros puritanos botaram seus modestos sapatos pretos em solo colonial. Mas isso é história para um artigo à parte. Quanto ao México, nas palavras de Porfírio Díaz: “Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”, vivem há décadas em constante estado de guerrilha no qual cartéis brigam entre si e com o Estado numa sangrenta guerra às drogas. E isso só no subcontinente intitulado “América do Norte”.

Poderíamos debulhar um rosário semelhante de norte a sul das Américas, mas seria uma infinita repetição das mesmas “Ave Marias”. Sempre uma minoria branca, descendente dos colonizadores europeus, condensando em suas mãos as terras, o poder e o dinheiro do país, sendo nativos, ou descendentes de cativos africanos, relegados à posição de maioria pobre, sem voz e sem poder.

Sendo generalista creio que podemos ver exemplos, mais ou menos assim, do México ao Chile. Talvez um conflito étnico-racial não possa ser visto na Argentina ou no Haiti, contudo, todo o restante se repete.

Vou, contudo, usar um exemplo doméstico para exemplificar o que ocorre no restante do continente. Naturalmente, creio que o leitor já tenha ouvido falar em “Guerra às Drogas”, certo? E, como o próprio nome sugere, é, sim, uma guerra. Tendo sido iniciada nos Estados Unidos nos longínquos anos 1970, consiste numa política de tolerância zero às drogas, e, como tudo de ruim que surge nos Estados Unidos, se espalhou pelo resto do continente como um incêndio em mata virgem causado por grileiros para tomar conta da terra. Desde então, algumas drogas, aqui usando o sentido amplo do termo, foram rotuladas como psicotrópicos perigosos e, assim, tiverem seu comércio e utilização proibidos.

Aqui farei um pequeno parêntesis explicativo falando um pouco sobre teoria econômica básica. A tal teoria se baseia em um dado mercado no qual existem dois fatores fundamentais: oferta e demanda. No caso das drogas, a demanda nunca deixou de existir, contudo a sua oferta passou a ser ilegal. O que acontece nesse cenário? O surgimento de um mercado paralelo que fornece os bens que os consumidores demandam.

Os mercados, sejam eles quais forem, sempre tendem ao equilíbrio. Entretanto, às vezes, se faz necessário que o Estado intervenha no mercado para que este não venha a prejudicar, por exemplo, os mais pobres. Um exemplo clássico de intervenção estatal no mercado são as leis trabalhistas. Poderia ocorrer, sem a intervenção estatal, a repetição do cenário do início da industrialização com jornadas de trabalho de 16h diárias em ambientes insalubres e com um salário insuficiente para manter a dignidade do trabalhador.

No caso da proibição da comercialização de uma dada mercadoria, a demanda não simplesmente desaparece, ela apenas passa a ser suprida por um mercado paralelo. E como o mercado paralelo não está sob a vigia de uma entidade reguladora, como o Estado, por exemplo, a forma de agir deste mercado passa a ser “livre”. Não há a regulamentação dos trabalhadores, de suas jornadas de trabalho, pagamento ou segurança, bem como não há a regulamentação da qualidade dos produtos fornecidos, o controle da formação de monopólios ou cartéis que são responsáveis pelo fornecimento dos bens demandados. Trocando em miúdos, o mercado paralelo é uma terra de ninguém onde a lei do mais forte impera.

Parêntesis fechado, agora dando nomes aos bois, o Brasil, em seu código penal, proíbe a venda e comercialização de drogas e entorpecentes (apesar do álcool ter sido deixado de fora, sabe-se lá Deus por quê), contudo, não deixou de existir a demanda por entorpecentes no território nacional. As pessoas continuaram demandando por suas drogas, e na impossibilidade de se fazer isso legalmente, o mercado paralelo se forma e atua de forma a driblar o Estado, usando, para isso, os meios necessários para que o consumidor possa sempre ser atendido.

E é essa disputa entre o Estado, que insiste em regulamentar um determinado aspecto do mercado, e o mercado paralelo, que damos o nome de guerra às drogas. Mas já se vão 50 anos de guerra, em incontáveis países, tendo gerado um sem número de mortos lutando pelo Estado, bem como pelo comércio das drogas, e pior, inocentes que são pegos no fogo cruzado entre os dois lados.

Poderia encerrar meu artigo aqui, mas acho que não estaria sendo honesto com o leitor apenas mostrar que a guerra às drogas, tão corriqueira em nosso dia a dia, já dura mais tempo, e talvez, já tenha matado mais do que qualquer outra guerra mundial. O que eu quero mostrar ao leitor é isso, sim, mas não apenas isso, eu quero mostrar porque a guerra, lá perto do Mar Negro, nos é tão mais empática que uma guerra que nos cerca há gerações.

Como tenho uma repulsão natural ao “arrodeio”, vou direto ao ponto. O que russos e ucranianos diferem dos habitantes aqui da américa latina? Eles são brancos, todos aqueles que morrem todos os dias ao nosso redor, não. Acho que a humanidade já teve genocídios, limpezas étnicas e conflitos demais, todos baseados em nossas características físicas, para que eu precise explicar que o ser humano é capaz disso. Nós temos essa tendência a sempre criar um “outro”, um bode expiatório, alguém a ser o inimigo da vez, e não há nada mais fácil do que convencer que o outro é o “Outro” do que nos baseando em características físicas, língua, religião ou quaisquer outros aspectos mais “aparentes” de nossa constituição.

Juntando essa nossa tendência a criar um “outro” com a guerra às drogas temos uma mistura perfeita para um genocídio invisível, ou pelo menos muito bem disfarçado. Como no mercado formal, no mercado paralelo, os níveis mais baixos da pirâmide laboral são sempre ocupados pelas camadas mais vulneráveis da população e, no caso do Brasil, esses postos de trabalho são ocupados por pessoas negras. E são exatamente essas pessoas que morrem dia após dia ao nosso redor e nós nem nos damos conta disso.

Um branco morto em Kiev nos é muito mais assustador que um negro morto na nossa rua. E isso se dá exatamente porque depois de quase quatro séculos de escravidão, e quase metade disso de relegação das pessoas “de cor” aos espaços marginais da nossa sociedade, que incutimos em nossas mentes que suas vidas não são tão valiosas quanto às dos Ucranianos. Nós nos chocamos mais com a Guerra na ucrânia do que com operações de “pacificação” em áreas tomadas pelo tráfico porque vidas brancas importam muito mais que vidas negras.

Da próxima vez que você for assistir ao jornal ou ler uma notícia, fique atento para que as cores não lhe enganem e para que você consiga ver o que está por trás de alguns tons de verde ou de azul.

Música de trabalho
Canção de Legião Urbana

Sem trabalho eu não sou nada
Não tenho dignidade
Não sinto o meu valor
Não tenho identidade
Mas o que eu tenho
É só um emprego
E um salário miserável
Eu tenho o meu ofício
Que me cansa de verdade
Tem gente que não tem nada
E outros que tem mais do que precisam
Tem gente que não quer saber de trabalhar
Mas quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar pra casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
De todo o meu cansaço
Nossa vida não é boa
E nem podemos reclamar
Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
Eu sei o que acontece
Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado a miséria
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
E quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar pra casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
Do pouco que não temos
Quem sabe esquecer um pouco
De tudo que não sabemos
Fonte: LyricFind
Compositores: Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfa / Renato Russo
Letra de Música de trabalho © Sony/ATV Music Publishing LLC

 

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