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InícioAntonio Henrique CourasQuem ama o feio bonito lhe parece – Parte II

Quem ama o feio bonito lhe parece – Parte II

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Agora vamos falar sobre onde o calo aperta, no meu caso, ser gordo. Quando foi que ser gordo deixou de ser sinal de riqueza e boa vida e passou a ser sinal de doença e desleixo? Bem, no já famoso século 19 com um movimento chamado romantismo. Dentre as insanidades do romantismo surgiu uma coisa muito curiosa: o Estado Nacional.

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IMAGEM:DIVULGAÇÃO

Até o século 19 ninguém questionava muito a ideia de impérios. Reis que reinavam sobre outros que não seu povo. O império Russo que reinava sobre russos, poloneses, armênios etc., ou o Império Otomano que reinava sobre os turcos otomanos, árabes, gregos etc., estados multiétnicos, multilinguísticos e multilinguísticos eram muito comuns, só que para se manter a unidade desses estados era necessária uma mão de obra dos infernos. Como formar um exército em que se tinham soldados com religiões, línguas e valores completamente diversos? Ainda, como manter todo esse povo unido sob uma mesma coroa?

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Bem, muitas vezes durante a história mercenários, soldados profissionais que vendiam seus serviços, foram amplamente utilizados. Só que o uso desses profissionais acarretava dois grandes problemas, o primeiro era o custo. Imagine você contratar, armar, vestir e alimentar um exército. E o segundo, e talvez maior, problema era a questão da fidelidade. Se você é um prestador de serviço muito solicitado, você prestará o seu serviço a quem lhe pague melhor, não?

E era assim que funcionava. Mas como solucionar esse problema? Como fazer com que seu próprio povo lutasse em seu nome e não fugisse diante da batalha? Amor ao rei era algo muito frágil para se apoiar, ainda mais se o rei fosse um sujeito que falasse outra língua que não a sua, viesse de um lugar distante e ainda venerasse um Deus diferente do seu. A forma que se encontrou, com o romantismo, foi uma criação curiosa: a pátria.

Esse conceito até hoje é muito usado, aqui no Brasil graças a Deus só em época de copa do mundo e olhe lá. O que faz com que eu, um nordestino da Paraíba, que falo quase uma língua diferente de um paranaense, por exemplo, que vivemos em lugares completamente diferentes e temos histórias completamente diferentes torçamos para um mesmo time e sob uma mesma bandeira? A ideia de que acima de nossas cidades e estados, somos brasileiros. Hoje o conceito de pátria, para nós, é algo que usamos para o futebol, mas originalmente foi criado para convencer jovens de que se armar e ir lutar em guerras que não lhes diziam respeito eram uma boa ideia. Precisava-se convencê-los de que acima de poloneses ou armênios eles eram filhos da mãe Rússia, por exemplo. (Você já se perguntou por que em toda esquina nos EUA tem uma bandeira flamulando? E já reparou que são o país com as maiores forças armadas do mundo e que mais se mentem em guerras? Pois é.)

Mas o que isso tudo tem a ver com ser gordo? Bem, o fato de que eu, ao completar 18 anos, tive que me alistar no exército, e que hoje tenho um documento que atesta que sou “reservista” do exército brasileiro pode dar uma dica. Com a criação dos Estados Nacionais e a criação dessa ficção de uma nação, “mercenário” passou a ser uma ofensa. Alguém que luta por dinheiro e não por “algo maior” passou a ser indigno. Ao mesmo tempo que deixaram de existir os soldados profissionais, todos passaram a ser soldados. E é aí que ser gordo virou um problema. Você não era mais apenas alguém que comia demais, você passou a ser uma ameaça à sua pátria. Um soldado a menos, um elo fraco na corrente e bla bla bla.

Essa mentalidade soldadesca nos persegue até hoje. Já percebeu que a postura dita “ideal” é uma postura de um soldado em continência? Apesar de estudos modernos dizerem que a nossa postura é influenciada grandemente por fatores como a nossa genética (assim como a obesidade), nos forçamos a estarmos sempre retos e firmes (Freud explica). Toda essa necessidade de unificação das massas, nos transformando em um exército facilmente mobilizável foi permeando âmbitos completamente divergentes de nossa vida. Foi criado o conceito de “homem médio” e tudo que desvie dele deve ser adequado. O homem médio governa o tamanho de nossas roupas, casas, portas, carros, assentos em transportes e de forma mais perigosa, creio eu, na medicina.

A questão de se crer que somos, e devemos ser, todos iguais pode ser extremamente perigoso. Não falo aqui apenas na minha dificuldade de encontrar roupas ou cadeiras que me sirvam, mas o fato de que pesquisas médicas são feitas tendo em mente esse “homem médio” e assim excluem de seus objetos de pesquisa negros, indígenas, asiáticos, gordos, mulheres, dentre tantos outros grupos. Assim, um medicamento que tenha um resultado esperado no homem médio pode ter um efeito completamente diverso em uma mulher, por exemplo.

Nunca percamos de vista que os padrões são, por definição, excludentes. Hoje não diferente do que sempre foi. Quando Rubens pintava suas Graças com formas voluptuosas, grande parte da população sofria com a fome. Hoje, o padrão de beleza magro e atlético além de ter esse passado militarizado e uniformizador denota um grande privilégio social.

Quantas pessoas têm tempo e dinheiro para terem 6 refeições ao dia preparadas com qualidade e em quantidades ideais além de serem comidas em horários específicos?

Quantas podem se dar ao luxo de tirar algumas horas de seu dia para se exercitarem (sem falar dos custos dos equipamentos ainda que seja um simples tênis para uma caminhada na pracinha)? Nunca nos esqueçamos que a beleza é histórica, política e econômica. Não basta amor para fazer o feio bonito.

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