fbpx
28.1 C
João Pessoa
InícioAntonio Henrique CourasSó a bailarina que não tem

Só a bailarina que não tem

- PUBLICIDADE -

Aos leitores que não sabem, nasci numa manhã de segunda-feira enquanto o sol estava sob a égide da constelação de gêmeos. Cástor e Polux, os ditos gêmeos, me conferiram, como de costume àqueles que nascem sob sua vigia estelar, uma sede de conhecimento um tanto incômoda, já que ela vem acompanhada de uma mente quase dual. O ar sendo o nosso elemento, somos curiosos e voláteis, buscamos conhecimento como um beija-flor busca néctar em suas flores. Num momento aqui, noutro acolá. Não fugindo à regra, me encanto com os mais diversos temas. Sendo as artes humanas o deleite de uma existência.

- Publicidade -

Isto posto, como uma explicação mal dada à minha mania de pesquisar e de tudo querer saber, e também como forma de me escusar da minha total falta de preparo técnico, finalmente inicio meu artigo desta semana com um trechinho da “Ciranda da Bailarina” música escrita por Chico Buarque junto com Edu Lobo: “Procurando bem todo mundo tem pereba…”. Ninguém, exceto, talvez, a bailarina, é perfeito. Nada humano, aliás, tem essa capacidade.

Além de ter nascido sob a vigia atenta dos irmãos gêmeos de Helena de Tróia, nasci, pasmem os mais jovens, antes da criação do google ou de qualquer rede social. Contudo em minha adolescência (ainda pré-instagram) me deleitava em passar horas passeando pelo google street view, que à época só existia nas grandes cidades do mundo e era uma criação revolucionária. Foi através de um monitor do tamanho de uma máquina de lavar roupa que, pela primeira vez, vi Paris (estava numa fase muito francófila aprendendo a língua e lendo os clássicos). Viajar sem sair do lugar me encanta, e com as moderníssimas redes sociais isso nunca foi tão fácil. Outro dia estava nos sótãos do Palácio de Versalhes, um pouco antes passeando pelas vielas de Veneza e no Duomo de Milão.

Semana passada visitei o museu do Prado, em Madri, e o gentil guia apontou a sua câmera para obra “Las Meninas”, de Velázquez, enquanto dizia “Asi son las pinceladas de Velázquez de lejos e muy muy muy de cerca”. Ao aproximar a câmera da obra podíamos ver que as rendas, pérolas e pontos de luz, de perto, eram simples pinceladas. Não uma superfície perfeita mas milhares de pinceladas, e todas muito bem distintas se vistas de perto. Não sei se me surpreendi mais ao descobrir que um gênio como Velázquez não escondia suas pinceladas ou com minha tolice em acreditar que ele o fazia. Afinal de Contas o autor de Las Meninas era um homem não uma impressora HP.

A pandemia foi, aliás, ainda está sendo, um momento de desafio para toda a humanidade, contudo, como a necessidade é a mãe da criatividade, museólogos, guias turísticos e restauradores, assim como nós meros mortais, encontraram nas redes sociais, uma forma de nos conectarmos com o mundo.

Em que outro momento da história eu poderia ter subido no telhado da Capela Real do Palácio de Versalhes e ter acompanhado a sua restauração? Eu tenho verdadeiro pavor de altura, então subir em qualquer telhado que seja está sempre fora de questão, mas eu pude ver que os restauradores, especialistas em douração, aplicavam suas folhas de ouro sem muita cerimônia e elas ficavam enrugadas como as minhas ficam quando eu as aplico; as belíssimas estátuas douradas na verdade são feitas de um humilde chumbo e muitos dos mármores, na verdade são madeira ou reboco pintado. Pois é, procurando bem, todo mundo tem suas perebas.

Um degrau a mais na descoberta das “perebas” das artes e ofícios humanos foi minha incursão no ramo dos antiquaristas e restauradores. Não sei se foi o efeito de dois anos de pandemia, das doses cavalares de ansiolíticos (ou da falta de efeito destes), ou de quatro anos estudando incessantemente taxa de juros, biomas brasileiros e decorando árvores genealógicas das casas reais europeias e suas brigas, mas o fato é que um belo dia, “sem vê nem pra quê”, abri uma loja de antiguidades. Botei meu humilde acervo a venda. Cômoda, estante, mesas, guarda roupas… tudo que não tem valor sentimental foi para a lojinha. Assim virei o Marquês de Gurugy, um antiquarista e restaurador que vende suas mercadorias e fala de seus ofícios no instagram.

Quando me dei conta que já tinha ido longe demais para voltar, me inscrevi em um site de leilões e descobri um novo mundo. Quem poderia imaginar que, com alguns tantos caraminguás, um Di Cavalcanti ou um Tarsila do Amaral estariam ao alcance de um simples mortal? Pratas inglesas, porcelanas alemãs, cristais tchecos… tudo ali. Acessível, abundante… tão comum.

Creio que esteja sendo um momento crucial de minha vida. Ser capaz de conhecer os bastidores e, ainda assim, me encantar com o espetáculo é um exercício diário. Aliás, conhecer os bastidores torna o espetáculo algo ainda mais mágico. Verniz não é mais verniz, é goma laca indiana, conhecida com o pavoroso nome de “asa de barata”. É a secreção que um inseto da família das cochonilhas deixa ao se alimentar da seiva de uma certa planta. Essa secreção é colhida, purificada, desidratada e vendida em flocos dourados e marrons que misturados com álcool se transforma num acabamento usado há mais de 3 mil anos. Uma simples travessa inglesa produzida nos anos 1930 talvez tenha visto os bombardeios alemães à sua terra natal ou tenha passado sua vida no Brasil e presenciado o balé dos regimes ditatoriais no nosso país. Quem sabe?

Acredito que saber que tumbas egípcias e a Monalisa nada mais são que uma mistura de terra, água e gema de ovo aplicado com um graveto com alguns pelos na ponta não torna essas obras menos geniais.

Outro dia fui convidado para um passeio para admirar lindas paisagens, convite que rudemente declinei. Para que eu me encante com as maravilhas da natureza basta que eu olhe para cima e admire as estrelas. As belezas naturais são de beleza indiscutível. Então se não há o que discutir que vou fazer lá? Fico cá com a imperfeição humana que me dá muito pano para manga e debates infinitos. Saber quais gases compõem uma estrela, a que temperatura ela queima, a que distância de nós ela está… fica lá com a bailarina, prefiro procurar bem e imaginar o que fez um grego um dia decidir que um agrupado de estrelas seriam os guerreiros filhos de Leda (a do cisne) que Pediram a Zeus a sua imortalidade, e que aqueles que nascessem quando o sol cruzava seu caminho seriam curiosos tagarelas.

 

Artigo anterior
Próximo artigo
Relacionados

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Ajude o site João Vicente Machado

spot_img

Últimas

O sentido da Páscoa

A poesia

Os dois corredores

Mais Lidas

error: Conteúdo Protegido!