Um título talvez um pouco consumista demais para um texto que trata exatamente do oposto. Totalmente anticlimático o texto dessa semana, não? Completamente errado pelos parâmetros da oratória (que também influencia na escrita. Quem diria?), que me recomendaria ao menos contar uma anedota para, ao final, chegar ao ponto desejado.
Como gosto de contar histórias, sempre segui à risca essa estratégia que prende o leitor e faz com que ele se coloque “em meus sapatos”, como diriam os ingleses. Mas não vamos de todo quebrar a tradição. Vamos à história:
Já falei aqui da minha lojinha e como tudo começou. Correndo o risco de soar repetitivo, me permitam voltar a esse tema. Se soubesse bordar falaria de meus pontos, linhas e agulhas. Cada um com seu cada um. Bem, voltando ao fio da meada, tudo começou, na verdade, comigo querendo uma biblioteca de cinema. Prateleiras do teto ao chão, tapetes, poltronas e, obviamente, um gato. Tudo já tenho, me faltava a estante, ou melhor, uma nova. Cerca de um ano atrás eu reformei um antigo móvel “démodé”, como dizem os franceses, e fiz uma estante até bem apanhada. Contudo, inveterado bibliófilo, que compra mais livros do que tem a capacidade de ler, a estante já está pequena e os livros se acumulam pelos cantos. Até aí seria mais uma história de um desejo de consumo, mas aí é que a consciência me pesou. Consumo em pleno século XXI com uma catástrofe climática iminente, o consumo sendo o mal que nos trouxe até aqui e eu consumindo mais e mais. Que feio.
Foi então que decidi colocar meus móveis, já de terceira ou quarta mão, à venda. Com o dinheiro arrecadado compraria os equipamentos que me permitiriam reciclar madeira e transformar lixo em luxo. A perfeita história inspiradora, se não fosse um pequeno problema: as pessoas. “Como assim?”, o caro leitor deve estar se perguntando. Simplificarei com a frase do estrábico Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”. Pois bem, a essa altura creio que o leitor já me conheça o suficiente para saber que minha solitude sempre foi um traço essencial da minha personalidade. Amo o silêncio e a calma da minha própria companhia. Se, na minha cabeça, algo me parece uma boa ideia, simplesmente o executo, ou ao menos tento. Contudo, o novo, que me é encantador, pode parecer assustador a outros. “Como assim, reciclar madeira descartada e transformar ela em móveis? Vai ficar horrível, grosseiro e você não vai conseguir construir nada”.
Bem, eu já provei que os outros, o inferno, está sempre abaixo de mim. Tantas vezes já fiz o que disseram impossível. “Invenção”. Mas vamos deixar de falar de mim. Usei apenas a técnica da oratória para trazer o leitor ao ponto que desejo. Não sei quem você é, caro leitor. Não sei sua identidade de gênero, orientação sexual, posicionamento político, nem a sua idade, não conheço nada sobre você, exceto que nós vivemos no mesmo planeta. E como co-habitantes dessa esfera azul tão enferma eu convido a todos para que paremos de dar ouvidos aos que se recusam a reconhecer a realidade do mundo em que vivemos.
Aqui, no meu cantinho do mundo, faço o que posso. Procurando vídeos na internet que me ensinassem a restaurar meus móveis, ouvi o dono de uma loja de móveis usados, senhor muito simples, dizer “existem tantos móveis no mundo que não tem pra que se derrubar mais nenhuma árvore”. Aquilo me atingiu profundamente. Talvez por ser um amante de árvores e de coisas velhas a missão me seja um pouco mais fácil, mas ainda assim convido o leitor à reflexão de uma coisa muito simples: não existe “jogar fora”, não existe “fora” nesse planeta em que todos vivemos. Entendo que muitas escolhas que seriam mais amigáveis ao meio ambiente e à nossa vida aqui nem sempre são viáveis a todos. Quem pode comprar um xampu em barra com embalagem reciclável e biodegradável quando ela custa cinco vezes mais que um pote comum? Como comprar roupas de algodão orgânico feita de forma sustentável por pequenas empresas se elas são caríssimas, ou, no meu caso, não fazem roupas que me caibam?
Do meu humilde ponto de vista, enquanto o ecologicamente correto não for economicamente viável a todos, o nosso planeta padecerá. Como ir de bicicleta ao trabalho se levaria 4h e um esforço hercúleo? Não emitir carbono na sua ida ao trabalho é um luxo que só aqueles que podem arcar com os custos de morar nas áreas centrais das cidades podem se dar. Mas, ainda assim, convido ao leitor que faça o que puder. Faça o que a sua consciência disser que deve fazer. Aqui do meu lado, eu tento mostrar que você pode ter uma linda casa, com móveis a preços acessíveis, duráveis e de boa qualidade a um preço justo.
Escrevo este artigo no meu escritório, onde apenas um gaveteiro em que guardo meus papéis foi comprado novo. A mesa em que apoio meu computador, tem um século de vida percorrido. Meu pai aprendeu suas primeiras letras nela. O sofá que tenho aqui, viu meus primeiros passos, as poltronas estavam na primeira sala de estar de meus pais. A estante já foi de uma parente distante, os livros foram comprados em sebos. Mas devo admitir que nunca fiz isso por questões ecológicas, os móveis de segunda mão sempre me foram interessantes pelo seu preço. Um tecido novo, uma demão de tinta ou verniz e tudo toma novos ares e ganha mais uns bons anos de vida. Agora relembro o título: o meu desejo se acostumou a desejar. Nada mais humano do que isso. Ao atingirmos uma meta em nossa vida ou adquirirmos algo, nosso primeiro instinto é partir para o próximo objetivo. Comigo não é diferente.
Sou um consumista, um consumista de coisas velhas e escurecidas pelo tempo, é verdade, mas ainda assim, um consumista. Minha forma de lidar com isso foi começar a vender as coisas que eu adoro resgatar e dar nova vida. O acúmulo se tornou profissão. Talvez você, caro leitor, goste de roupas. Bem, existem infinitas opções para você dar vasão ao seu desejo. Talvez, como eu, segunda mão? Aluguel? Existem empresas especializadas em assinatura mensal de roupas. Um mês com roupas novas, devolve as usadas e ganha outro conjunto de peças por outro mês. Não ocupa espaço, não precisa de tanto dinheiro e ainda nos mantém aqui nesse planetinha por mais alguns anos.
Seu desejo não tem de deixar de desejar, mas é imprescindível que, para que tudo continue como está, tudo mude. Curioso isso de termos que mudar tudo para que tudo continue sendo o que é, não? Sugiro que conheçam o um amigo meu, o Príncipe de Salina, ele fala disso melhor do que ninguém. Até a próxima, caro leitor, e que tudo tenha mudado até lá para que possamos voltar a nos encontrar.