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Escravidão, exploração e podridão

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Durante décadas pairava sobre as cidades brasileiras as famosas histórias de perversidade, desrespeito e desumanidade com que foram tratados os negros oriundos da África e seus descendentes. A casa grande, a senzala, o terreiro, o engenho, e o pátio das grandes e médias fazendas foram palco de grandes acontecimentos que fizeram dos escravos atores da história do Brasil, e vítimas passivas da Europa preconceituosa e corrupta.

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O analfabetismo gerou a desinformação e a falta de preservação da história dos escravos transportados em navios de forma desumana e feito mercadoria não foi contada. Nunca saberemos os sentimentos mais íntimos, o que se passava nos porões das embarcações e dentro das senzalas na escuridão da noite, tão escura como o futuro de um povo que escravizado e humilhado fizeram a história econômica, social e política do nosso país.

Durante toda a escravatura várias estratégias foram usadas pelos escravos como forma de resistência. Muitas foram às lutas empreendidas por eles em prol da liberdade, e, em todo o Brasil os tratamentos para com os escravos eram frequentemente cruéis, não havia benevolência, o que existia na realidade eram diferentes formas de trabalhos, claro, os escravos que trabalhavam na mineração, na cafeicultura, e nos engenhos de cana de açúcar tinham uma jornada de trabalho mais pesada dos que os escravos que trabalhavam na lavoura, na pecuária e na agricultura.

No Ceará a vida dos escravos não foi mais fácil e nem tão difícil quanto no restante do Brasil; eles comiam e tinham uma vida social melhor. Os negros trazidos para cá eram na sua maioria afrodescendente (nativos do Brasil), vinham de Pernambuco e Maranhão, não diretamente da África. Eram frequentemente descritos como Crioulos, Pardos, Cabras, Mulatos ou Acaboclado. Assim, ser preto nem sempre significava ter nascido na África, mas era relacionado à cor. A população escrava no Ceará era etnicamente muito parecida com a população livre, o que lhe permitiam a ocupação dos espaços sociais e mais oportunidades de ganharem suas vidas com mais dignidade. Em todo o estado, tanto, no meio urbano quanto no meio rural outras atividades também contaram com o trabalho e a presença cativa, que foi incorporado ao setor produtivo, presente na pecuária, na agricultura, e nos serviços domésticos, ou ainda, como escravos de aluguel e de ganho.

Muitas eram as práticas de manumissão. Uma grande maioria de escravo era liberto quando já estavam velhos e tinham pouca serventia, e, nem era um grande sacrifício econômico, pois um velho escravo seria dependente do seu proprietário até o fim dos seus dias, e, se fossem abandonados passavam a ser pedintes, pois, nada mais restaria a não ser viver da caridade alheia. Outro tipo e muito comum de manumissão era o escravo comprar sua própria liberdade.

Nas áreas urbanas os escravos eram comumente contratados como trabalhadores por diária nas mais diversas tarefas. Um novo meio de ganhar dinheiro extra e mais uma oportunidade de comprar sua liberdade.

O Cristianismo exerceu uma grande influência na vida dos senhores de escravos, levando muitos a libertarem seus cativos em nome de Deus. Outros eram libertados por bons serviços, outros depois da morte do seu proprietário, e outros, ainda, seus padrinhos davam sua alforria como presente no dia do batismo, e muitos foi criado pelos seus donos como filhos.

No Sul do Ceará, ou melhor, na Região do Cariri onde se concentrava a maior riqueza e aristocracia cearense os cativos foram para lá com a finalidade de exploração das minas auríferas que se acreditava haver naquelas terras. Como tudo não passou de um velho e ambicioso sonho, os escravos trazidos foram pouco a pouco sendo alocados em outras atividades econômicas desenvolvidas naquele território. De forma que o trabalho dos escravos passou a ser um investimento rentável para os donos de terras. A maioria das fazendas existentes no Cariri possuíam casas de farinha, engenho de rapadura, plantação de algodão, muitas frutas tropicais, e muitos serviços manufaturados que necessitavam da mão obra dos cativos, afinal, tudo era fabricado dentro do feudo, e o excedente vendido na região.

Lavras da Mangabeira, a porta de entrada pro Cariri, foi uma cidade que se destacou no passado por ter uma economia escravocrata, com muitos engenhos, muitos negros e muitos cabras que não só trabalhavam na lavoura, mas manejava o bacamarte com muita destreza, o que tornou a pequena cidade numa das mais respeitadas da região. Todos a serviço da matrona do lugar, Dona Fideralina Augusto Lima que inspirou os cordelistas da região com muitas quadras famosas, sempre exaltando a sua valentia e riqueza. No Tatu, fazenda de sua propriedade tinha sempre um grupo de negras parideiras de moleques, que após algum tempo eram vendidos. Na sua senzala reservava quatro negros, dos mais fortes que deviam está sempre pronto para carregar a sua liteira, nas idas e vindas à cidade. Até mesmo os homens brancos e livres eram escravos voluntários.

O Ceará nunca foi um grande importador de escravos da África, por isso a população escrava era nativa ou oriunda de estados vizinhos. Aqui, os escravos eram mais tendentes a terem filhos devido aos níveis de gêneros serem balanceados. Os serviços eram mais domésticos e suas influências culturais eram mais de origem indígenas. A miscigenação foi muito presente no Ceará, o que não distinguia do homem livre. Muitos movimentos abolicionistas surgiram no estado, os jangadeiros aderiram aos movimentos, impedindo que os navios negreiros aportassem no Porto do Ceará. E toda essa agitação fez com que o Ceará quatro anos antes do Brasil libertasse seus escravos. E ficasse conhecida por Terra da Luz.

Depois da libertação da escravatura a vida ficou muito difícil, sem indenização, sem rumo e sem qualificação a pobreza e a falta de oportunidade fez desses homens livres verdadeiros escravos voluntários que para fugir da fome e da miséria pediam abrigo e ofereciam seus serviços em sítios e fazendas em troca de moradia, comida e vestuário. As famílias eram numerosas, analfabetas e pobres, e a única coisa que possuíam era a coragem, a honestidade e a fidelidade para aqueles que lhe acolhessem. Trabalhava duro, sem descanso e sem remuneração ficava ali até morrer como o mais fiel dos cães. Uma prática comum durante todo século XX e que caracterizava outra forma de escravidão.

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