Não há força humana que mude o olhar de um sertanejo do semiárido em direção ao nascente a partir de todo mês de dezembro. A dúvida vai gradualmente se instalando já a partir do mês de setembro, no dizer do filósofo sem escolaridade regular, o imenso Patativa do Assaré:
“Setembro passou
Com outubro e novembro,
Já estamos em dezembro,
Meu Deus, que é de nós!
Assim fala um pobre
Do seco nordeste,
Com medo da peste
Da fome feroz.”
Comecei a garimpar as informações sobre os prognósticos do clima para o ano de 2022, que geralmente são produzidas pelos órgãos de monitoramento climático no Brasil, mas até o presente não obtive sucesso. Nem mesmo os competentes climatologistas da AESA-PB ainda se manifestaram. São profissionais estudiosos, muito capacitados e com uma larga folha de serviços prestados ao estudo do clima, que tradicionalmente se pronunciam sobre o tema, sempre no mês de dezembro.
Como sertanejo filho de agricultores, me habituei a observar a ansiedade do meu pai, dos meus parentes e vizinhos la da Nova Floresta em minha saudosa Lavras da Mangabeira/CE, na expectativa do pronunciamento dos profetas e dos seus prognósticos.
Eles sempre embasaram as suas profecias em observações e estatísticas que guardavam apenas na memória e que iam passando de geração em geração. Levavam em conta o comportamento dos animais e dos insetos, o processo de formação e condensação das nuvens. O hábito das aves na preparação dos seus ninhos e muitas outras observações da abóboda celeste e do firmamento.
Os tempos eram outros e menos modernosos, sem o aparato eletrônico que nos prende frente a um aparelho de televisão, nos privando das noites estreladas que continuam sendo um espetáculo deslumbrante para visão e para a alma.
Lembrei – me então da reunião anual dos profetas da chuva, que ocorre todo mês de dezembro na cidade de Quixadá, terra de Raquel de Queiroz, la no interior do Ceará. É uma iniciativa inteligente que reúne Professores da Universidade Federal do Ceará com os Profetas, para juntos promoverem o sincretismo climático entre a academia e a Sabedoria Popular.
Vejam que iniciativa interessante, pois muitos expoentes da academia torcem o rosto à Sabedoria Popular por entender que o Estamento Cientifico não pode se misturar com leigos. Esquecem eles que a ciência é filha do experimento.
Olavo Bilac, nascido no Rio de Janeiro, não permitiu que a luz difusa dos lampiões de gás ofuscasse a sua inspiração e disse:
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.
Poema Ouvir Estrelas de Olavo Bilac.
Pois bem, a reunião ainda não ocorreu e a minha curiosidade parece que vai ter que esperar. Por enquanto olhemos para as observações cientificas.
Segundo à ciência, para que ocorra chuva com maior intensidade no nordeste brasileiro, é preciso que alguns fatores climáticos preponderantes se conjuguem e aconteçam de forma simultânea, o que nem sempre é possível.
Primeiro lugar: a temperatura do Oceano Pacifico
O Oceano Pacifico é contornado pela Asia, Oceania e as três Américas, formando um chamado Cinturão de Fogo. A denominação é devida ao grande número de vulcões nas profundezas de toda extensão do seu espelho d’agua, o que provoca variações significativas na temperatura da água.
A variação de temperatura das águas do Oceano Pacifico influi significativamente na variação climática em alguns países como os Estados Unidos e o Brasil, castigados pela seca em algumas regiões, provocando o aumento das chuvas em regiões desérticas do Peru e da Austrália.
No caso específico do Brasil, há escassez em parte da amazônia e no semiárido nordestino e chuvas torrenciais nas regiões centro-oeste, sudeste e sul.
As duas fotografias que mostramos resumem a lógica do El Niño onde a temperatura do pacífico pode variar de + 4,5°C a -3,5°C.
Como o nosso olhar é voltado para o nordeste do Brasil e mais especificamente para o semiárido, para nós o El Niño é um menino indesejável.
Já o seu antônimo, a El Niña que nos traz chuvas é sempre muito bem-vinda.
As considerações que fazemos, são despretensiosas e apenas informativas, fruto de conversas que sempre tínhamos com os competentes técnicos da AESA no período que por lá estivemos como Diretor Presidente.
Segundo lugar: a temperatura do Oceano Atlântico.
A temperatura do Oceano Atlântico é outra variável climática a considerar naquilo que o Dr. Manelito chamava a gangorra térmica que passamos a tentar explicar.
Já ouvi algumas vezes, da minha Musa Climática que é a Dra. Marle Bandeira da AESA, nascida em Pombal e sertaneja como eu:
“Para nós do nordeste oriental, a temperatura do atlântico é fundamental na definição da estação das chuvas no nordeste, que nós chamamos de inverno.”
Para que se instale a chamada Zona de Convergência Intertropical – ZCIT e as chuvas aconteçam sobretudo no verão/outono, é necessário a formaçao de um dipolo de temperaturas entre o atlântico norte, com águas mais frias e o atlântico sul, com águas mais quentes.
Nessa gangorra térmica, o confronto dos chamados ventos alísios que convergem para a linha do equador contribui para a formação da ZCIT. É aí que a estação chuvosa se consolida proporcionando chuvas de variada intensidade que podem se situar em intensidade, abaixo da média, acima da média e exatamente na média pluviométrica, que o sertanejo chama de bom ou mau inverno.
Espero que tanto os órgãos climáticos como os profetas da chuva satisfaçam a nossa curiosidade climática no mais breve espaço de tempo possível e que tenhamos todos um bom inverno.
Consulta:
PENSADOR.
Ouvir Estrelas Ora (direis) ouvir… Olavo Bilac – Pensador
Uol- MUNDO EDUCAÇÃO.
Influência do El Niño no Brasil. Impactos do El Niño no Brasil (uol.com.br);
Fotografias:
El Niño e La Niña. A diferença entre El Niño e La Niña (uol.com.br)
Como o Atlântico favorece as chuvas no Nordeste? (letrasambientais.org.br);