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InícioJoão Vicente MachadoLa vem o ENEM! Ele teria sete cabeças?

La vem o ENEM! Ele teria sete cabeças?

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O tema que pretendemos abordar informalmente hoje é o modelo de educação aplicado atualmente no Brasil, a sua eficácia e as suas consequências. O olhar crítico não é apenas o nosso, mas o de quantos se preocupam com a qualidade do ensino e o futuro das novas gerações.

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Essa é a expectativa que desperta em muitos pais e mães a curiosidade em avaliar os benefícios e malefícios advindos da educação dita moderna. Hoje a pedagogia e a prestação está  à cargo do empresariado escolar da rede privada e por ser um projeto, acaba influenciando a educação pública.

Pretendemos discutir essa  educação pasteurizada que vai ocupando gradualmente o cenário educacional em forma de  negócio, em confronto com a educação  que é instrumento de transformação e formadora de cidadãos como preconizavam os grandes estudiosos do tema.

“A educação não muda as coisas, ela muda as pessoas para que as pessoas possam mudar as coisas”. Esse foi o legado do mestre, professor e filósofo Paulo Freire, que ao nosso ver deve ser o objetivo colimado da política educacional de qualquer governo comprometido com a nação.

Na sociedade dividida em classes, a educação que  é ministrada é concebida e planejada para difundir apenas a pedagogia do opressor, em sintonia com as concepções da classe dominante. Aliás essa não é uma pratica dos tempos atuais! A educação, desde o ocaso do feudalismo, sempre fez parte do aparelho ideológico do estado liberal capitalista, obedecendo a uma pedagogia de dominação.

Na idade média a educação repercutia o pensamento do clero, que era a cúpula do poder econômico e político do sistema feudal. Era prestada pelo aparato educacional religioso que tinha como chancela: Jesuítas, Salesianos, Dorotéias, Damas Cristãs Lourdinhas, Dominicanos, Batista etc.

A partir de 1890 com a adoção do estado laico a igreja e o aparato feudal foi perdendo espaço nas diretrizes educacionais e o próprio estado foi ocupando esse espaço.

No Brasil pós império a educação era prestada diretamente pelo estado, através de escolas públicas qualificadas e  dos educandários religiosos, ou até mesmo  através de instituições  oficiais como o chamado sistema S (Sesi, Senai, Senac e Senar). O financiamento do sistema S nos dias atuais ainda é feito com recursos repassados pelo estado, resultante da taxação do comércio, da indústria e da agricultura.

O referido  sistema  tem  como foco principal o ensino profissionalizante, voltado para formação de mão de obra demandada pelo comércio, a indústria e a agricultura, pilares econômicos mais robustos do establisment. Pelo que podemos perceber, esse modelo educacional  nunca foi libertador e contra ele se levantaram as vozes dos ícones da educação transformadora: Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire.

Na concepção desses pensadores a grande massa da população, não poderia permanecer à margem da formação intelectual da nação. Era um imperativo a inclusão desse extrato no processo de formação da cidadania. Esse é um  anseio considerado herético pela classe dominante que ainda hoje se choca com o projeto pedagógico de dominação e por isso é permanentemente demonizado pelo atual governo.

A partir da segunda metade do século 20 a educação pública foi sendo gradualmente relegada pelo governo federal que fugindo das suas obrigações e  a guisa da recorrente estória da falta de recursos foi transferindo gradualmente a responsabilidade para a iniciativa privada. Foi a partir de então que o ensino passou a ser tratado como mercadoria, a qual só tem acesso quem tiver dinheiro.

Essa nova modelagem tem provocado lesões intelectuais graves, principalmente na classe trabalhadora. Essa tendência de difícil reversão excluirá a maioria e irá  trazer  graves prejuízos para as gerações futuras e para o futuro econômico e político de toda nação.

A pirâmide social da figura abaixo  nos mostra uma realidade bem brasileira onde 66% das famílias têm renda familiar entre R$2.034 e R$1.356.

É imperativo entender que esses valores dizem respeito à renda familiar, ou seja, são resultado do somatório da receita de todos os membros da família em idade laboral. Portanto, se a família tiver duas pessoas e a renda familiar for de R$1.356, esse valor dividido pelos dois membros resulta numa renda individual de R$678 por pessoa, ou seja, metade do salário mínimo.

Diante dessa radiografia socioeconômica é possível concluir que o empresariado escolar irá operar com o olhar voltado para o filão financeiro composto pelos 14% do topo da pirâmide, podendo incursionar até em  parte dos 16%.

Os 66% restantes são os párias da divisão de classes que compõem a base da pirâmide  e ficarão à mercê da “disponibilidade de recursos” que são liberados à conta gotas pela equipe econômica de governos que só têm olhos para a remuneração da banca internacional para a qual a sacrificada  poupança do povo é dirigida.

Os 4% que faltaram em complemento aos 100% da pirâmide, ficam  por conta daqueles que, por motivos diversos se negaram a informar a renda familiar aos pesquisadores.
A educação à distância que está na ordem do dia como uma panaceia, é uma realidade irreversível e é quase tão eficiente quanto a educação presencial. Eficiente para os 14/16% do extrato social do topo da pirâmide e para eles deve funcionar muito bem e com muita eficiência.

O questionamento que fazemos é com relação à eficácia. Como a educação é dirigida para a formação da elite econômica e social, ideologicamente não há prejuízo para a elite econômica, muito pelo contrário.

Enquanto isso, nos 66/82% restantes da base da pirâmide, o modelo virtual ou híbrido, funciona de forma muito precária ou simplesmente inexistente e nós explicamos porquê.
Imaginemos duas crianças matriculadas numa escola pública ou até uma escolinha privada, onde  primeira criança é filha de um pai pedreiro enquanto a segunda criança é filha de uma mãe lavadeira de roupas.

Em ambos os casos tanto o pai de uma quanto a mãe da outra criança, têm um aparelho celular com internet que usam como instrumento de trabalho. Seus horários são desencontrados do horário escolar dos filhos que não dispõem do aparelho celular, até porque não podem comprar. A que horas essas crianças irão ter acesso ao telefone dos pais para assistir aulas e/ou fazer as suas tarefas escolares?

Afinal onde reside o grande obstáculo para o aprendizado à distância dessas crianças do exemplo? Olhe novamente para a pirâmide e você verá claramente que o viés  econômico é o grande responsável.

Queremos fechar este artigo com um exemplo real ocorrido conosco por ocasião da matricula da nossa filha. Iremos preservar o nome da instituição de ensino e do atendente para não prejudicar os empregados, pois todos eles sempre são muito gentis ao nos atender:
Nossa filha vai fazer o 1°ano do segundo grau e nós, eu e a mãe dela, fomos notificados pelo Colégio onde estuda para fazer a pré matrícula e auferir um desconto vantajoso em termos financeiro, coisa que nesses tempos de dificuldade não pode ser desprezível.
Poucos dias depois e ainda dentro do prazo estipulado, para lá nos dirigimos e em lá chegando fomos direto ao setor competente para a efetivação da matrícula.

Em primeiro lugar nos informaram  as condições financeiras, ocasião em que anunciaram  o reajuste  definido para o ano de 2022.
Observando a plataforma Escolas Exponenciais, descobrimos o estudo de uma consultoria que fortalece  o nosso raciocínio. Vejamos:

“O percentual da renda familiar destinada ao gasto escolar deve ser levado em consideração na hora de repensar a política de preços da mensalidade, na opinião de Carvalho. “Quantos por cento da renda da família é destinado à escola? Até 10% você tem uma clientela que está pagando a mensalidade com um certo conforto. Não está tão pesado manter esse preço. São escolas que podem até ganhar um orçamento maior das famílias, trazendo um curso bilíngue, mais esportes, por exemplo, porque são famílias que têm uma verba tranquila que é destinada para o orçamento familiar”.

Percebam o detalhe:

“Até 10% pagando a mensalidade com certo conforto.”! Agora volte a visualizar a pirâmide e confira os índices lá expressos.
Prossegue o economista consultor Baiard Guggi Carvalho:
“Porém, se há um número considerável de pais e mães que destinam a partir de 20% do orçamento com a instituição de ensino, é um sinal de alerta. “Nesses casos, não adianta ficar agregando mais serviços, colocando robótica, por exemplo. Porque a família já não está aguentando pagar. Pode não ser uma boa estratégia”, exemplifica Maurício Berbel, sócio-diretor da Alabama.

Voltemos à questão central do nosso exemplo que é a pré matricula da minha filha onde a notícia era desagradável, mas de certo modo esperada. Foi revelado o reajuste anual em torno de 10% e este ano, mais uma vez ressaltaram  a imposição  da operação casada do material escolar com a pré matricula.

O material escolar da nossa filha referente ao ano de 2021, ainda encontra- se embalado e sem uso pelo fato de todas as aulas terem sido ministradas através de uma plataforma virtual com uso do aparelho celular.

Uma amiga nossa ofereceu o material do seu filho que também encontra – se embalado e sem uso, mas o colégio não aceitou e somente efetivaria a matricula se o material escolar fosse pago.

Tomado de indignação, mas forma gentil e cavalheiresca, argumentamos com o atendente que diante dos fatos expostos por ele, a conclusão é que os alunos do colégio, inclusive a nossa filha, são apenas um número. Um número humano que não estuda para aprender, mas sim para a passar no ENEM.

A propósito do ENEM a Rede Globo cunhou até um bordão que a cada ano se repete com voz cavernosa: La vem o ENEM!
O ENEM virou um bicho papão igual  àqueles entes fantásticos da mitologia que nos assustavam  na infância pelos contadores de estórias, lembram! lobisomem, mula sem cabeça, caipora ou dona fulorzinha, saci Pererê. etc

Qualquer semelhança com o bordão do ENEM não será nunca uma mera coincidência.
Esse mantra ingressou no cotidiano dos lares e permeia as conversas diárias de pais e mães preocupadas. Tem feito parte das festas sociais de aniversários com a preocupação para que o adolescente não “exagere” pois está se preparando para o ENEM; tem ingressado nos cultos das igrejas onde a aprovação no Enem é motivo de promessas, etc.
Não será mais simples e fácil o jovem estudar para aprender? Uma vez capacitado ele passará em qualquer prova a que se submeta, inclusive o ENEM.

Ah! mas aí se ele aprender ele irá acumular conhecimento e conhecimento é poder; se ele aprender ele irá questionar inclusive os métodos de ensino alienantes; se ele aprender ele vai se indagar porque os seus pais e mães nunca tiveram condições financeiras para custear uma escola de qualidade para ele; enfim, se ele aprender irá descobrir as profundas contradições a que está submetido de classe do modelo liberal capitalista.

O ser humano passou a ser medido pelo que possui e não pelo que ele é. Já dizia o grande repentista Louro Branco In memoriam:

“Quem tem um boi vale um boi,
Quem nada tem nada vale!

 

 

Consulta: A Ideologia Alemã, Karl Marx; Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire. Metodologia AZ: a personalização do ensino para seus filhos – Novos Alunos;

Fotografias:ttps://www.pensadhttps://brasilescola.uol.com.br/or.com;https://www.cp2.g12.br/

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