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O balé macabro sobre os trilhos que espalhou morte no Cariri

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O prolongamento da Estrada de Ferro Baturité/ Lavras/CE ocorreu por influência política, depois de 7 anos de espera em Iguatu: “Em 1914 (dona Fideralina) reuniu cabras, armas e munições, e enviou para capital cearense, apoiando a ‘Revolução de 14’.  Finalmente, no dia 01 de dezembro de 1917, o presidente do Estado do Ceará, João Tomé de  Saboya e Silva inaugura a Estação Ferroviária da cidade de Lavras,  facilitando o deslocamento de todo o Cariri cearense até a capital, abrindo o caminho para as férteis terras caririenses, e pôs em contato os sertões de Cajazeiras e de Sousa no Estado da Paraíba. Essa iniciativa deu um grande impulso à cidade de Lavras, trazendo novos moradores e uma grande efervescência cultural.  O evento foi uma grande festa, tudo foi cuidadosamente preparado para receber o presidente do Estado e sua comitiva, afinal, o progresso estava chegando. Segundo a historiadora lavrense Rejane A. Gonçalves:

O casarão avarandado de edificação em estilo eclético com elementos neoclássicos e art nouveau guarda em suas paredes a elegância e a riqueza de uma época de glória no Cariri. Depois da chegada do trem inaugural e toda a solenidade de inauguração, os convidados se dirigiram ao palacete para comemorar em grande estilo o acontecimento tão importante para a cidade, em que foi promovido um jantar e um grande baile para os convidados mais ilustres e para as autoridades estaduais que acompanhavam o presidente do Ceará, João Tomé de Saboya e Silva. (GONÇALVES, 2004, p.92).

Com a construção da Estrada de Ferro o município acabou sendo o mais próspero do Cariri. Inúmeras famílias se mudaram para Lavras em busca de novas oportunidades e melhoria de vida.   Aquela pacata, pequena e encabulada cidade lá no sul do Ceará,  a pequena Lavras tinha uma grande importância para aquela região e para o Estado. Como afirmou Antônio Martins Filho, no seu livro Memória – Menoridade – 1904/1925:

Estrategicamente o Município ocupa posição privilegiada, uma vez que está situada na zona intermediária do sertão e do Vale do Cariri. […] É de grande importância do ponto de vista econômico e social, sendo ainda berço de personalidades da mais alta projeção, como intelectuais e, principalmente, como políticos. (MARTINS FILHO, 1991, p. 114).

Lugar fértil e habitantes tendenciosos para as artes e as letras, Lavras tornou-se o lugar ideal para os novos moradores, não poderia existir um recanto melhor para aqueles que buscavam uma vida econômica mais confortável, uma vida social mais elevada e uma vida cultural mais latente. A cidade era um palco de grande movimentação intelectual, um casamento perfeito com as novas aspirações da República que exigiam das carreiras de trabalho “certo” grau de escolaridade. Com isso, novos cursos foram instalados, além dos que já existiam. A Educação também deu um grande salto.

Mudou-se para Lavras, o jornalista Joaquim Genu, Adolpho de Carvalho, Francisco Gonçalves Campos (concunhado de Adolpho de Carvalho), e o Juiz Dr. Raimundo da Silveira Gomes. A cidade ganhou dois cursos e uma tipografia que tinham como professores e editores Joaquim Genu e Adolpho de Carvalho, este último transferido de Iguatu para construção da Estrada de Ferro, pois, ocupava o cargo de secretário da Rede de Viação Cearense (RVC); Sr. Campos instalou uma bolandeira e passou a negociar com algodão e Dr. Raimundo assumiu a Comarca de Lavras. Essas personalidades foram genitores de grandes nomes da literatura cearense. Como: o historiador e escritor Jáder de Carvalho, o contista e escritor Moreira Campos e o poeta e escritor Mário da Silveira. Meninos que desfrutaram da simplicidade e da felicidade em terras lavrenses. Fatos registrados em seus escritos como um tempo de fartura, de banhos na barragem, de brincadeiras de rua e das passagens do trem. Lembranças cheias de alegria e muitas saudades.

O terminal ferroviário era em Lavras tudo seguia de trem até lá, depois era enviado para o destino em lombos de animais, carroças, caminhões e até mesmo a pé. São diversos relatos de estudantes que estudavam em Fortaleza, Salvador e Recife, de doentes que necessitavam seguir para a capital, políticos, comerciantes, vendedores e artistas de toda a Região do Cariri que embarcavam e desembarcavam em Lavras. Com exceção de Dr. Floro Bartolomeu que fazia seu desembarque em Iguatu devido à inimizade com o cel. Gustavo Augusto Lima que prometera passa-lo nas moendas do Pau amarelo.

No segundo semestre de 1918 desembarcou no Terminal Ferroviário de Lavras, passageiros, cargas, mercadorias e a peste.  Trazida nos vagões da RVC, a Bailarina chega as terras caririenses com seu balé esquisito, macabro e fatal espalhando a febre, a dor e a morte. A Gripe Espanhola ou a Influenza ficou popularmente conhecida por Bailarina devido aos  sintomas que causava calafrios muito intensos e o doente não se aguentava de pé, o tremor era tanto que dava a impressão que era uma dança, uma coreografia.

No dia 08 de outubro morre a primeira vítima do vírus em Lavras, Victoriano, uma criança de 4 anos deixa Dona Antônia Maria e Sr. José Ferreira, seus pais, no mais completo sofrimento e na mais profunda dor. E não parou por aí, de outubro de 1918 quando foi registrada a primeira morte, a dezembro de 1922 a Bailarina dizimou 125 vidas lavrenses. Seguindo sua viagem levou a morte e o medo aos demais municípios carirenses espalhando terror, morte e muita dor. Ao final de dois anos foram 1.078 mortos nos 19 municípios da Região do Cariri.

A falta de saúde, a pouca assistência médica e sanitária, o despreparo do governo estadual e dos municipais para lidar e controlar a pandemia proporcionou a propagação do vírus em todos os Municípios atacando indiscriminadamente a população. Foi um verdadeiro Deus nos acuda. Os poucos médicos que prestavam socorro nas cidades ficaram atônitos diante da nova e avassaladora doença, os remédios caseiros e as crendices não davam conta do recado. Na maioria das cidades não existiam hospitais, nem profissionais qualificados e nem remédios para curar os doentes. Foi necessário fechar escolas, comércios, repartições públicas e até espaços sociais, e mesmo contra a vontade o povo a quarentena foi decretada. Começam a surgir os espertalhões que aproveitando da situação passou a explorar, houve crise no abastecimento, os preços subiram, e o desespero tomou conta da população.

Em Lavras não houve trégua. Segundo o Livro de Óbito da Paróquia de São Vicente Ferrer só no mês de novembro de 1918 faleceram 38 pessoas, de 09 dias de nascida a 80 anos de idade. Silvino Filgueiras Lima, grande comerciante, vereador e pai do célebre escritor e educador cearense, Antônio Filgueiras Lima, no espaço de 7 dias perdeu duas filhas,  uma com 3 meses de nascida (28/11) e a outra com 3 anos de idade (21/11).  Todos os dias a Bailarina arrastava um para sua dança fatal. A jovem de apenas 23 anos de idade, Dulcéria Augusto Lima, recém-casada com Agácio Correia Lima, prima e nora do cel. Francisco Correia Lima, também foi envolvida e levada pela Bailarina.

Naqueles tempos a festa de Natal era a maior e mais participativa da população. Cada residência arrumava sua Lapinha, havia Novenas na Igreja, Autos de Natal e Festa das Pastorinhas nas ruas da cidade. A meia noite a Missa do Galo e a famosa Ceia de Natal nas residências dos mais abastados. Mas, o mês de dezembro de 1918, foi um dos mais tristes da história, a Bailarina sem dó e sem piedade entrou nos lares lavrenses e matou do dia 01 ao dia 22, num saldo de 22 mortos naquele dezembro.  Foram vitimas do balé maldito homens e mulheres de 23 a 70 anos que não puderam participar dos festejos natalinos, além de espalhar a tristeza e luto em vinte duas famílias e na pequena urbe, onde todos se conheciam. Neste final de ano ela não vitimou nenhuma criança.

O ano de 1919 não foi diferente, em janeiro, o professor Adolpho de Carvalho perdeu sua esposa para Gripe Espanhola ou a popular Bailarina; Dona Rita Moreira de Carvalho deixou órfãos cinco filhos, sendo o mais velho, Jader de Carvalho que seria mais tarde o grande pesquisador da História cearense.

Certo dia, em conversa com a conterrânea, Onese Férrer, ela falou que sua mãe teve um filho em 1918, por nome Vicente, e que morreu ainda criança vítima de uma febre que assolou Lavras. Quando pesquisei o Livro de Óbitos da Paróquia de São Vicente Ferrer, o registro da criança estava lá. Ele faleceu no dia 03 de fevereiro de 1919, com 3 meses de nascido. A febre arrancou o pequeno bebê dos braços da sua mãe.

O trem chegou a Lavras por influência política de Dona Fideralina, trazendo o progresso e desenvolvimento para o Município e a morte para a velha matrona, pois, ela também foi vítima do bailado sinistro da Bailarina que a levou para sempre no dia 16 de janeiro de 1919.  A nova moradora fixou residência por lá até o dia 13 de dezembro de 1922 quando fez sua última apresentação, seu último balé e sua última vítima partindo para sempre, deixando um rasto de tristeza, sofrimento, saudade e dor.

Para as famílias lavrenses foram dias de medo, de terror e lágrimas, deixando na lembrança marcas profundas e inesquecíveis na memória do século XX. A Gripe Espanhola se assemelha à Covid-19 na dor, na incerteza, no medo e na ameaça da morte. Nesse exato momento vivemos os mesmos medos, dificuldades, incertezas e fragilidades. A História é cíclica e se repete no mesmo espaço e em outro tempo.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Texto de rara beleza,fazendo um belo relato da historia. Ressaltando o apogeu pondo Lavras da mangabeira no cenário nacional, a influencia de Fideralina. Com a vinda da peste, nos da dimensão e co.parativo com os dias atuais. Antes a falta de preparo e ineficiência do dos governantes com relacao a PANDEMIA existente. E hoje a prepotencia do dono do mundo, que se ACHA, E NADA FAS para amenizar o caos que se instalou no Brasil.

  2. A elaboração magistral de Cristina Couto correlaciona duas crises sanitárias mundiais ocorridas, uma nas décadas de 1910/20 do século passado e a crise sanitária atual.
    Duas épocas e dois comportamentos distintos para um mesmo problema, com uma única convicção :
    O isolamento e a vacinação é a fórmula mais rápida de controlar a pandemia.
    Os gestores do século passado pecaram por ignorância o que é um pecado plenamente perdoável. Os atuais peçam por omissão, um pecado imperdoável!

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